Setecidades Titulo Desaparecimento
Dor e angústia de não saber onde estão parentes

Mulheres relatam a dura jornada de quem convive
com a angústia do desaparecimento de filhos e irmãos

Kelly Zucatelli
Do Diário do Grande ABC
28/11/2010 | 07:38
Compartilhar notícia


Tantas dificuldades e incertezas não são suficientes para tirar a esperança e a luta diária de mães que buscam incessantemente por seus filhos desaparecidos. No Brasil são registrados mais de 50 mil casos por ano, 10 mil em São Paulo. A falta de apoio do poder público e de entidades civis reforça a solidão e a angústia dos que enfrentam a longa jornada.

No Grande ABC, apenas a Fundação Criança, em São Bernardo, consolidou parceria com delegacias e entidades para realizar o acompanhamento dos casos e prestar assistências às famílias.

A expectativa é que a cidade encerre este ano com 170 casos de desaparecimento registrados. Se os números se confirmarem, serão 35 ocorrências a menos em relação ao ano passado.

O sofrimento das famílias é intenso. Com o tempo, muitas mães chegam a interromper a busca, devido aos abalos que a dedicação exclusiva à causa geram no restante da família. Mas a perseverança vence o cansaço. A equipe do Diárioouviu relatos emocionados, positivos e fortes de mães que vivem essa experiência.

 

PAI AUSENTE E VIOLENTO

Joana é a mãe de Tales (os nomes são fictícios), 15 anos. Ela está sob proteção da Delegacia da Mulher, devido às inúmeras ameaças e agressões praticadas pelo ex-marido.

Ela passou por três experiências de desaparecimento do filho, que costumava fugir com o irmão mais velho, justificando não suportar mais o pai, usuário de drogas, aterrorizando a família. "Passei muitos dias e noites vagando em busca deles. Não tinha vontade nem de comer. Deixava meus outros filhos, pois não queria desistir. Achava que não conseguiria sobreviver a tanta dor. Os dias em que tive de ir ao necrotério para fazer reconhecimento eram os piores. Respirava fundo para ver os corpos. Graças a Deus em nenhuma das vezes meus filhos estavam lá."

Tales, com ar embaraçado, conta que saiu de casa para acompanhar o irmão, ameaçado de morte pelos traficantes. "Queria acompanhar meu irmão. Sabia que minha mãe estava sofrendo, mas preferi ficar com ele. Dormimos nos telhados de empresas, ganhávamos comida e até conhecemos boate. Mas não usei drogas."

Hoje, Tales vive com a mãe e é assistido pela Fundação Criança. O irmão mais velho não teve a mesma sorte: está preso e cumpre pena por tráfico de drogas.

 

SERVIÇO

As pessoas que constatarem o desaparecimento devem registrar boletim de ocorrência na delegacia mais próxima e cadastrar informações no DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa),à Rua Brigadeiro Tobias, 527, 3º andar, Luz, na Capital.

 

‘Filha, a mãe continua de braços abertos'

"Naquele dia ela me pediu para ensiná-la a fazer arroz na hora do almoço. Mas, quando foi buscar pão para o café da tarde, não voltou mais", lembra a dona de casa Telma de Araújo Alves, 47 anos, mãe de Viviane de Araújo Alves. Sua filha desapareceu há sete anos, quando tinha 11, em São Bernardo.

"Para mim ela está viva. Sinto isso no meu coração. Todos os dias penso se ela está bem, casada e com filhos. É uma dor que muda a vida de qualquer mãe. Por quatro meses saía de casa às 5h e retornava às 22h, em busca da minha filha, na companhia do meu filho mais novo, Yago, na época com 3 anos. Chorava sozinha pelas praças, com a foto dela nas mãos, olhando concentrada para todas as crianças que via nas ruas."

Após registrar boletim de ocorrência, Telma começou a distribuir panfletos com a foto da filha. Um dia, um motorista de ônibus a procurou para dizer que havia dado carona para Viviane e outra menina até o centro da Capital. "Resolvi ir à Praça da Sé, Lembro que era horrível ver dezenas de crianças dormindo entre vãos da igreja e buracos horrosos."

Após quatro anos de busca intensa por Vivi, como a família chamava a menina, Telma passou a sofrer com os abalos psicológicos do filho mais novo, que adoecia com frequência. A dona de casa sofreu dois infartos e adquiriu insuficiência cardíaca.

"Hoje não tenho mais estrutura para sair pelas ruas como antes. Preciso ir no DHPP atualizar a foto dela, mas não tenho coragem. Passei noites e noites sentada em frente à porta da cozinha, tomando café e fumando, à espera da minha filha."

 

Telma resolveu desmontar o quarto da filha. Alimentou por longos anos o cuidado de trocar as roupas de cama e arrumar as bonecas. "Um dia percebi que me fazia mal e doei tudo." Antes de se encerrar a conversa, ela pede que a reportagem inclua o aviso: "Filha, a mãe está de braços abertos à sua espera" KZ

 

‘Ainda tenho a impressão de que meu irmão vai voltar'

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ela já tinha separado a foto e os documentos para confeccionar o panfleto que anunciaria o desaparecimento do irmão. Mas Janaina Fernandes da Silva, 23 anos, não precisou utilizá-los.

Em 2006, após 35 dias de buscas pelo irmão Janailson Macedo da Silva, os familiares do jovem, na época com 16 anos, se depararam com o fim trágico de encontrar os restos mortais do adolescente no da Vila São José, em São Bernardo.

"Foram os dias mais longos e sofridos para todos nós. Ele não costumava sair sozinho, sempre com amigos que conhecíamos. Mas naquele dia, 16 de setembro, ninguém tinha acompanhado meu irmão no passeio que disse que faria. Cheguei na casa da minha mãe no dia seguinte pela manhã e ela estava desesperada. Eu sabia que teria de conduzir as coisas, porque ela não tinha estrutura emocional", recordou Janaina.

A família mora numa região periférica da cidade. Por ali, Janaina diz que a polícia pouco aparece para ajudar. Por isso, ela e o marido decidiram caminhar por vários dias mata adentro, guiados por um cão, na esperança de encontrar Janailson.

"Não acreditava que ele podia estar morto e sim, perdido. Olhar minha mãe daquele jeito muito ruim e angustiante. Um dia, uma prima chegou em casa. Telefonei para minha mãe e pedi que fosse ao nosso encontro, pois tínhamos uma visita querida. Rapidamente ela chegou com duas garrafas de guaraná nas mãos, crente que era meu irmão. Era muito difícil ver a decepção dela."

"No dia em que encontramos a ossada e tomamos as providências para pedir o exame de DNA, fui forte e tentava passar isso para minha família. Mas hoje, mesmo sabendo que o desaparecimento dele resultou em morte, ainda tenho a impressão de que o Janailson vai voltar."KZ

 

‘Chorava pelas ruas, quase enlouqueci'

 

A deficiência mental moderada de um de seus filhos, José Venâncio Coelho Barbosa, 15 anos, fez com que a cozinheira Maria do Socorro Coelho Barbosa entrasse para o grupo de famílias que procuram por filhos desaparecidos.

A doença teve diagnóstico tardio, quando José tinha 7 anos. Até então, Maria não havia se dado conta de que o filho não podia ficar sozinho, sob risco de fuga.

E o momento chegou em 2006 quando numa tarde João Venâncio saiu de casa sem que ninguém percebesse e ficou por um ano e dez meses desaparecido.

"Parecia que eu ia enlouquecer quando cheguei no Conselho Tutelar pedindo ajuda. Mas é ilusão achar que os órgãos vão ajudar o tempo todo. Por várias vezes tive vontade de morrer. Meus outros filhos repetiram a série na escola naquele ano", relembrou Maria.

A mãe tinha fé de que, apesar da deficiência, o filho estaria vivo.

O desequilíbrio psicológico fez com que ela deixasse de trabalhar. E as dificuldades para sustentar os outros filhos começaram a aparecer. "Saía pela manhã e via que meus outros filhos estavam com fome e eu, perdida. Chorava pelas ruas, conversava com mendigos em busca de uma pista do meu filho, mas não conseguia."

Certa noite, às vésperas do Natal de 2007, Maria disse para a filha que estava com muita saudade de José e que Deus poderia lhe dar esse presente. "No outro dia uma vizinha chegou logo cedo na minha casa e disse que meu filho estava numa instituição na Casa Verde, na Capital. Começou a minha ansiedade de encontrá-lo. O caminho que o metrô fazia parecia não chegar nunca. Quando nos reencontramos, ele me abraçou e tocou em mim com força, sem parar, parecendo não acreditar que eu estava alí. KZ




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;