Larissa Duarte, que tinha o rim transplantado, foi ao local três vezes e aguardou oito horas por transferência; família denuncia suposto descaso
A saúde pública de São Bernardo é alvo de mais uma denúncia de suposta negligência no tratamento dos pacientes. A dentista Larissa Duarte, 30, morreu no último dia 17 após ir três vezes à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Demarchi com sintomas de dengue, receber medicação mesmo sem ter o diagnóstico da doença, esperar oito horas pela transferência ao Hospital de Urgência e infartar na unidade hospitalar. Mãe da jovem, a dona de casa Maria Alice Duarte, 55, afirma que o tratamento recebido pela filha na UPA foi crucial para a piora no quadro dela, que tinha o rim transplantado.
“As dores abdominais e a febre começaram na sexta-feira, dia 12 de abril. Fomos à UPA Alves Dias no sábado. Não deram diagnóstico de dengue, falaram que era suspeita, fizeram exame de sangue para ver as plaquetas, deram medicação e mandaram para casa. No domingo, ela teve vômito e fomos à UPA Demarchi duas vezes. Perguntei ao doutor se poderia ser dengue e ele disse: ‘Pode ser que sim, pode ser que não’. Essa foi a resposta. Os médicos nem olham os pacientes direito. Fizeram exame para ver se o rim estava ‘ok’ e a mandaram para casa após ela tomar duas injeções de plasil, que ela era alérgica”, conta Maria Alice, moradora do Jardim dos Ipês.
Larissa tinha o rim transplantado desde 2017. Por isso deveria receber atendimento prioritário. “Na segunda-feira (15), ela ficou bem, mas, no dia seguinte, a pressão começou a baixar e corremos para à UPA Demarchi, às 14h. Demoraram para atender e precisei reclamar com os enfermeiros porque ela estava com as mãos roxas e suando muito. O médico mandou aplicar dipirona e outro remédio que não sei. Quando ela saiu da medicação, começou a passar mal de novo. Estava pálida. Voltei a reclamar e deram mais soro, depois injeção. Ela não melhorava. A pressão estava três por dois (o ideal é 12 por 8) e tinha batimentos altos. O médico solicitou a transferência dela para o Hospital de Urgência às 23h da terça-feira (16). Ficamos lá esperando e a ambulância só chegou na quarta-feira, às 7h30”, detalha.
Maria Alice relata que a confirmação do diagnóstico de dengue hemorrágica veio apenas quando a jovem foi atendida no Hospital de Urgência. Afirma também que a médica que cuidou do caso no hospital disse que Larissa tinha chegado em estado crítico. “Quando deu 12h30 da quarta-feira, vieram me pedir para buscar algumas receitas dela. Fui para casa e voltei duas horas depois. Ela já não estava mais na sala vermelha e me disseram que ela tinha infartado e estava entubada. Fiquei desesperada, sem respostas, aguardando. Quando deu 18h, ela morreu. Minha filha foi tratada como um nada.”
Maria considera que Larissa foi tratada com negligência e o agravamento do quadro de saúde poderia ter sido evitado. “Eles tinham que ter cuidado dela, dado o diagnóstico de dengue logo no início, não ficar dando qualquer remédio e mandando para casa. Ela era uma paciente de alto risco. Quando descobrimos os problemas nos rins dela em 2017, lutamos muito. Doei meu rim. Passamos por momentos muito difíceis juntas e superamos. Depois de tudo isso, eles deixam a dengue levar a minha filha? Não é justo. Só queria que ela tivesse um atendimento adequado. Se eu soubesse que seria tratada assim, nem teria levado a Larissa para a UPA. Se as coisas continuarem do jeito que estão, muita gente vai morrer”, considera. “Minha filha estava com pressão baixa, batimento alto, roxa, gelada. Nada vai trazê-la de volta, mas não quero que outra mãe passe pelo que eu estou passando. Quero justiça.”
Questionada sobre o caso de Larissa Duarte e a demora no atendimento, a Prefeitura de São Bernardo não respondeu até o fechamento desta edição.
ESCÂNDALOS
Recentemente, o Diário noticiou ao menos nove denúncias sobre o atendimento no Hospital da Mulher, em São Bernardo. Hoje, os vereadores devem votar o requerimento de convocação do secretário de Saúde, Geraldo Reple Sobrinho, para comparecer à Câmara e dar explicações sobre os problemas relatados na saúde da cidade. “A população tem que ver quais são os vereadores que votaram sim (para solicitar regime de urgência ao requerimento de convocação do secretário). É a saúde da população que está em jogo. Olha o descaso na saúde. Levaram minha filha, meu bem mais precioso”, diz Maria.
O vereador Julinho Fuzari (PSC) reforça que existe a necessidade de cobrar explicações sobre a demora para atendimento e transferência, além da falta de insumos básicos nas unidades de saúde. “Trataram o caso da Larissa Duarte como se fosse algo corriqueiro, apenas uma gripe. É necessário se aprofundar para ter certeza do que levou à morte. Apenas algumas situações chegam até a gente, imagina quantas pessoas não relatam o que está acontecendo. É preocupante. Nesta terça-feira, faremos maioria para convocar o secretário de saúde e, dependendo como for, temos que pensar na possibilidade de instalar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito).”
Goteiras, falta de remédios e insumos
Os problemas na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Demarchi, em São Bernardo, não se restringem à demora no atendimento ou à falta de diagnóstico assertivo. A aposentada Maria do Carmo Maximiano, 66 anos, denuncia falta de estrutura do local e ausência de insumos básicos para manter um posto de saúde.
“Minha mãe de 86 anos foi internada no dia 26 de abril. Ela é acamada porque quebrou o fêmur e decidi chamar o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) porque estava com febre e suando muito. Fiquei assustada quando chegamos na UPA”, diz a moradora do Jardim das Orquídeas.
Dentre os elementos que causaram espanto em Maria do Carmo, estão as camas enferrujadas, goteiras, falta de sabonetes, remédios, álcool em gel, cobertores, poltronas para os acompanhantes e camisolas aos pacientes. “Ela ficou com a mesma roupa que saiu de casa porque não tinha camisola. O ar-condicionado próximo à cama dela estava com goteiras, um monte de água. Tive que puxar a cama da minha mãe. É uma situação degradante.”
Aparecida Maximiano, 86, mãe de Maria do Carmo, deu entrada na UPA Demarchi por causa de feridas na coxa e perto do cóccix, mas neste domingo recebeu também o diagnóstico de pneumonia.
“Comecei a chorar por ver várias pessoas naquele lugar. Fiquei tão nervosa. Falta tudo. Minha mãe precisa de um remédio que não tem lá na UPA e o médico pediu para eu levar de casa. Estou pensando se ela vai conseguir sair com vida. Se eu soubesse que ela seria levada para a UPA Demarchi e submetida a tudo isso, a deixaria em casa.”
A Prefeitura de São Bernardo não retornou o questionamento do Diário sobre os cuidados com a infraestrutura da UPA Demarchi.
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