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Voz e efeito

Gal Costa lança disco só com composições inéditas de
Caetano Veloso; 'Recanto' tem base musical eletrônica

Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
08/12/2011 | 07:16
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Já faz quase duas décadas em que são raríssimos os momentos nos quais Gal Costa põe a voz a serviço de algo surpreendentemente novo. Entre Jobim, Chico, Caetano e estandartes do passado e de sua carreira, ela cimentou base para fazer passeios seguros ao lado de formações orquestrais ou enxutas.

Não foi exceção nem em 'Hoje' (2005), seu último disco de inéditas, no qual ela apresentou punhado de compositores até então desconhecidos. Fez um trabalho bonito, mas não transformou o material que tinha em mãos em algo novo.

Desta vez, a intérprete encontrou no conforto de sua maior e melhor parceria - Caetano Veloso, que desde o disco 'Cê' (2006) explora sons e tenta afinar a sua música com o presente - o caminho para seguir adiante em 'Recanto' (Universal, preço médio R$ 30).

Musicalmente diferente de tudo que os dois já fizeram, o álbum tem como base programações eletrônicas que levam a chancela de jovens como Moreno e Zeca Veloso (filhos de Caetano), Kassin - principal produtor do Brasil na atualidade -, Pedro Sá e Donatinho.

As 11 composições são de Caetano, nove inéditas. Sob os arranjos paira uma das principais vozes femininas do Brasil, que encontrou nos tons computadorizados espaço para se enriquecer em nuances.

Caetano, outro protagonista da obra, por vezes se perde em enigmas letrados, mas no geral encontra caminho de inspiração para eternizar outros momentos da parceria que já consagrou canções como 'Coração Vagabundo', 'Baby', 'Meu Bem, Meu Mal' e 'Vaca Profana'.

Caso da bela e ardida 'Recanto Escuro', que abre o disco com discurso sobre o ato de ser impulsionado a mudar apesar das amarras que nos são impostas, por nós mesmos e por outros. Pontuada por toques que se assemelham aos batimentos cardíacos, a canção tem alguns ruídos e esporádicos instrumentos que surgem no fundo.

'Autotune Erótico' - com os versos "Não, o autotune/não basta pra fazer o canto andar/Pelos caminhos que levam à grande beleza" -, fazendo menção a programa que afina voz e instrumento, onde Gal explora toda a extensão vocal e brinca com os efeitos do computador, é uma das natas do disco.

'Neguinho', de forte reflexão social - e pessoal -, se destaca no que diz respeito à letra. Madre de Deus', canto de despedida da vida, une poesia à interpretação de peso e uns bons toques de guitarra. O funk 'Miami Maculelê', com toques de trilha de games, é a face exótica do CD, mas faz mergulho no melhor do ritmo carioca.

'Menino', 'Mansidão' e 'Segunda', mais ritmadas - a última sem efeitos de computador, quase uma capoeira -, são boas e as que mais soam a Gal de todos os tempos.

Se por um lado faltam hits para novela e rádio - gêneros para os quais Gal sempre foi generosa fonte -, por outro, o álbum dá início a importante diálogo da parte mais clássica da nossa música com o tempo de hoje. E o daqui em diante.

Vanguarda
Gal, que surgiu tímida em 'Domingo' (1967), mostrando seu doce canto ao lado de Caetano em trabalho inspirado por João Gilberto, se reinventou como ninguém.

Depois da estreia, musa do tropicalismo, a cantora se armou de black power e pôs para fora toda sua verve roqueira. Com 'Índia' (1973), testou a pureza e o alcance da sua voz.

O experimental e lírico 'Cantar' (1974) foi outro passo adiante. Em 1976, quando era raro alguém dedicar um disco inteiro a um só compositor, ela lançou trabalho com músicas de Dorival Caymmi. Em seguida, fez discos especiais de Ary Barroso (1980), Caetano e Chico (1995) e Tom Jobim (1999).

Nos anos 1980, quando o cristal agudo de sua voz atingiu o ápice, ela se integrou à moda kitsch e açucarada da época, com clássicos como 'Chuva de Prata' e 'Um Dia de Domingo'.

Na virada dos anos 1990, incorporou a riqueza percussiva da Bahia ao 'Plural' (1990) e ao 'Gal' (1992).

Existe outra voz e outra cabeça que tenha andado por tantos caminhos tão bem quanto Gal?




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