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Palmério Dória, o demolidor de presidentes
Evaldo Novelini
Do Diário do Grande ABC
22/09/2013 | 07:27
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Claudinei Plaza/DGABC


O jornalista paraense Palmério Dória, 65 anos, é um demolidor de presidentes. Sua pena afiada, que já havia denunciado em livro os desvios éticos que permearam a ascensão ao poder do maranhense José Sarney, agora põe nas livrarias O Príncipe da Privataria - A História Secreta de Como o Brasil Perdeu Seu Patrimônio e Fernando Henrique Cardoso Ganhou Sua Reeleição (Geração Editorial, 402 páginas, R$ 39,90). Como o subtítulo deixa claro, a obra associa o processo de desestatização das empresas brasileiras à compra de deputados federais, ao preço de R$ 200 mil por cabeça, para aprovar a emenda constitucional que permitiu a candidatura do então presidente ao segundo mandato consecutivo (1994-2002). Não há muito de inédito na obra - a identidade do Senhor X, fonte anônima que gravou parlamentares confessando participação na negociata, já fora revelada pelo próprio FHC em livro de memórias -, mas a relevância do trabalho está em recontar a história com começo, meio e fim, facilitando a compreensão dos oito anos da presidência do chamado Príncipe dos Sociólogos, apelido conferido por admiradores ao acadêmico que acaba de ser imortalizado na ABL (Academia Brasileira de Letras). Abaixo, confira os principais trechos da entrevista concedida pelo autor ao Diário:

DIÁRIO - O senhor acha que depois desse livro os tucanos voltam ao poder central?
PALMÉRIO DÓRIA - Este é um livro necessário, que estava faltando. Pela reação dos leitores, a gente sente esse espírito: é uma história com começo, meio e fim. Histórias sem começo, meio e fim só as da história, como dizia Millôr Fernandes. O que eu acho, pelas razões que exponho no livro, é que (os governos de FHC) foram oito anos de apagão, que não voltam não. 

DIÁRIO - Quanto às reações ao livro, o senhor teve mais problema com o Sarney ou com o Fernando Henrique?
DÓRIA - O problema com o Sarney foi quando nós fomos lançar o livro (Honoráveis Bandidos ­- Um Retrato do Brasil na Era Sarney) lá no Maranhão. Em São Luís, no Sindicato dos Bancários, foi uma pancadaria. Agressão. Eles infiltraram uns aprendizes de jagunço e quebrou o pau. Havia leitores ali. Acho que havia cerca de 1.000 pessoas. Não ter havido uma morte foi um milagre. Ah sim, mas se venderam 1.000 livros. Depois nós fizemos uma nova tentativa em Imperatriz, na Universidade de Imperatriz. Houve invasão, contrataram gente de municípios vizinhos para invadir, bomba de efeito moral, pancadaria. 

DIÁRIO - Os tucanos foram menos violentos...
DÓRIA - É. Houve só pressão. O (editor Luiz Fernando) Emediato recebeu uma ligação onde disseram que estavam constituindo advogados. O Emediato, que é um cara tranquilo, disse que também está sempre com advogado constituído. E ficou nisso. Mas, de qualquer maneira, foram duas semanas infernais, porque, entre essa, digamos, admoestação e o lançamento nas livrarias, nós apresentamos os originais do livro para vários blogueiros e achávamos que iria haver um embargo. Esses 15 dias foram o nosso pior momento. Fiquei espantado também porque os chamados blogueiros sujos seguraram o tchan, não abriram o jogo, não contaram nada sobre o livro. 

DIÁRIO - O senhor já biografou Sarney e Fernando Henrique Cardoso. Qual o próximo personagem da lista?
DÓRIA - O Brasil. 

DIÁRIO - Em que sentido?
DÓRIA - As heranças da ditadura. Todo esse quadro que a gente vive hoje, faltam representantes na direita, na esquerda, no centro, o quadro lamentável da Educação, Saúde e tudo mais vem da ditadura. São heranças da ditadura. É um livro focado no que a cultura e a Educação brasileiras perderam com a ditadura. Antes do golpe de 1964, cerca de 3.000 projetores de slides foram enterrados em todo o Brasil. Enterrados! Eles eram utilizados para seguir o método Paulo Freire de Educação, que não ensinava as pessoas só a assinar, a se alfabetizar para se viabilizar como eleitores, mas, como ele dizia, para ‘ler' o mundo. Era uma nova conscientização de massas. Só isso muda todo um país. 

DIÁRIO - O livro é para quando?
DÓRIA - Para abril. Já estamos entrevistando os personagens dessa história. 

DIÁRIO - Falando em ditadura, o que o senhor achou do mea-culpa das Organizações Globo sobre o erro de ter dado apoio ao golpe de 1964?
DÓRIA - Cinquenta anos depois! Nessa velocidade, nem o Rubinho Barrichello... É o filósofo e sociólogo José Simão acertando de novo. O humor brasileiro é de primeiro mundo. Não falo desses programas pretensamente de humor, mas de Millôr Fernandes, Chico Anysio, Stanislaw Ponte Preta, o pai de todos. Alguns dos melhores cartunistas do mundo estão aqui. E com olho vivo! Tanto que, hoje em dia, os verdadeiros editoriais, que exigem mais reflexão, estão nas tiras da Folha, por exemplo, do Angeli, do Laerte, do Adão Iturrusgarai, do Gonzalez, do Galhardo. São gênios. 

DIÁRIO - O que o senhor espera do futuro do País? Dilma será reeleita?
DÓRIA - Acho que vai acontecer isso. Como já disse, ‘eles' não voltarão. Essas manifestações que ninguém consegue explicar, nem eu, aquele ambiente não corresponde aos fatos. Ela já está se recolando no tabuleiro, no páreo. Acho que vai, no final, ser aquilo, PSDB e PT. 

DIÁRIO - PSDB com Aécio Neves?DÓRIA - Com Aécio. DIÁRIO - E o José Serra?
DÓRIA - Não, não, esquece. Já era. O (Getúlio) Vargas deu nome a uma era. Que o Fernando Henrique se propôs a acabar. Só que o Fernando Henrique já era. Perdoe-me a piada fácil. 

DIÁRIO - O Brasil tem jeito?
DÓRIA - Claro. Mas não tem receita. Eu respondo pela minha profissão. O livro-reportagem foi a tarefa que nos restou. Uma matéria como a deste livro poderia estar em uma revista como a Realidade, que foi abatida em pleno voo, em 1968, pelo AI-5 (Ato Institucional 5, que acabou com a liberdade de imprensa no Brasil). A grande reportagem é algo muito saudável, salutar. Procuramos manter essa chama acesa. Não acho que isso resolva, mas vamos contar histórias. Por mais incrível que pareça, essa história (dos governos do Fernando Henrique Cardoso) estava mal contada. A gente espera ter contribuído, pouco, para jogar alguma uma luz sobre esses oito anos.




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