A apresentaçao em dupla de Egberto e Gil nao é totalmente inédita. No ano passado, dividiram palco outras vezes - no Heineken Concerts, no Percpan, no lançamento do livro "Giluminoso", de Bené Fontelles, sobre Gil, naturalmente. Mas só agora o concerto será resultado de um efetivo esforço de aproximaçao, musical e pessoal. Esforço que os dois fazem com prazer máximo. "De minha parte, nossa aproximaçao nasceu de um encantamento muito comovido, muito forte, por que passei há quatro ou cinco anos, num concerto de Egberto", conta Gilberto Gil.
Naturalmente, ele já conhecia a obra de Egberto. Mas houve um momento - aquele momento - especial. Foi num concerto do músico nascido no Carmo, interior do Estado do Rio, durante um festival que se realizava no teatro do Hotel Nacional carioca. Conta Gil: "A música de Egberto, de repente, ficou muito próxima, penetrante; fui a ele e me pus em perspectiva, anunciei um pouco que precisava me aproximar", lembra. "Nao era mais admissível que eu ficasse longe da música dele".
Passou o tempo. O artista gráfico e plástico paraense Bené Fontelles, amigo dos dois, começou a escrever um livro sobre Gil. Pediu a Egberto um depoimento. Egberto escreveu, num bilhete que vem colado na primeira página de "Giluminoso": "... na certeza de que você continuará re-tocando as nossas vidas, enquanto Deus for servido". Pediu a Egberto que tocasse com Gil no lançamento do livro.
O compositor baiano começou a estudar "Agua e Vinho", música de um dos primeiros discos de Egberto. No Percpan - Panorama Percussivo Mundial, festival de percussao anual, realizado em Salvador, do qual Gil é um dos diretores - estiveram juntos, com o cacique Sapaim, o percussionista Naná Vasconcelos e os filhos de Egberto, Alexandre e Bianca, excelentes músicos.
"Este foi, enfim, o ano de nosso encontro musical, e nao só musical", resume Gil. "Egberto gosta de conversar, como eu, tem conversa fluente, e gosta do piano e do violao, e da mistura do clássico com o popular, essa fronteira que ele deixa difusa". Eles sao representantes da mesma geraçao. Começaram quase ao mesmo tempo, surgiram ambos em festivais da cançao. Levaram 30 anos para se econtrar, por que seria? "Talvez tenha levado mais de 30 anos", diz Egberto. "Mas sempre tivemos coisas que se parecem demais: a palavra 'nao' nao existe, o impossível nao existe, e só isso nos aproximaria, inevitavelmente, em algum momento", acredita.
"Acontece que sou muito roceiro", define-se Egberto. "Para chegar a dizer 'oi' é difícil; se dependesse só de mim, nosso encontro levaria ainda mais dez anos". Mas Egberto vê a obra de Gil filtrada pelo mesmo filtro, rigoroso mas condescendente, que orienta a sua - e orientou as exemplares de Villa-Lobos, Mário de Andrade. Permite-lhes, o filtro, muitas faces, heterônimos, como em Fernando Pessoa - muitos, um só: "Um dia assado, um dia frito, um dia cozido, mas sempre o mesmo sempre Gil; parâmetros contraditórios, Sapaim e Madame Boulanger, tudo sempre, sempre me levou ao Gil", emociona-se.
O compositor fluminense (porque nascido no Estado do Rio mas também torcedor do Fluminense) continua: "Um dia, no teatro do Hotel Nacional, vi aquele ser que eu adorava muito entrar no camarim, às lágrima; levei um susto, mas susto bom, como é o susto de ter um filho". Gil interrompe: "Eu dizia ao Egberto que me levasse com ele". Egberto retoma: "E aí começamos a estar juntos, e por ser tao fácil pressinto que teremos um longo trabalho pela frente, prazeroso e... difícil - porque somos também teimosos, e discutimos cada acorde: esse está bom, mas nao acho que seja exatamente esse..."
Fácil e dificílima, a mistura. Ao mesmo tempo simplificada, acredita Egberto, pelo fato de Gil ter (ambos têm) a confiança de que todas as culturas pertencem a ele: "Gil sabe que tudo pode e que qualquer influência, nao só musical, é benéfica; entao, eventualmente, a música que fazemos juntos sai ótima - dois errarem ao mesmo tempo é mais difícil, também tem isso". Eminentemente compositor de música instrumental, Egberto acredita que a admiraçao mútua deve-se a "certos heterônimos adormecidos", e explica: "Eu sei que há uma sinfonia na obra do Gil, e que eu estou cheio de Expresso 2222, embora nao saiba como ele se expoe".
Gilberto Gil, cuja obra é tanto de música quanto de palavras, lembra que disse a Egberto: "Sua música é muito alegre; é como gosto, gostaria, de soar - eu nao posso ouvir tao bem o que faço, porque tenho o ruído da minha interioridade, mas é como gostaria que minha música soasse, lépida, saltitante, exuberante comom quem quer falar tudo, menos de si mesma: sem ranhetismo solipsista, ela abre todas aas janelas para que entrem todos os bichos, saiam todos os fantasmas".
Eles estao começando, dizem, homeopaticamente. Reunindo o interesse, o encanto, no dizer de Gil, pelas células brasileiras: "Os fios, as gotas, os torroes, os pedaços de música que caem dos casebres, explodem nas paisagens". O repertório dos shows de sábado e domingo estava sendo definido durante a semana. Certas eram "Copo Vazio", de Gil e Chico Buarque, "O Compositor me Disse", só de Gil, "Palhaço", de Egberto, que recebeu letra de Bené Fontelles - Egberto está escrevendo arranjo para orquestra. Vao ser os dois primeiros shows - o brilho nos olhos deles promete mais, muito mais.
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