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‘Os bancos não têm cumprido seu papel social no Brasil’
Anderson Amaral
05/08/2024 | 10:27
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FOTO: Celso Luiz/DGABC

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Empossado no início de julho para seu segundo mandato consecutivo à frente do Sindicato dos Bancários do ABC, Gheorge Vitti Holovatiuk, 50 anos, comemora os direitos conquistados pela categoria ao longo dos últimos anos, mas reconhece que há “aspectos perversos” na profissão bancária, como a pressão decorrente das metas de desempenho impostas pelos bancos. “Os bancários figuram entre as categorias com mais casos de adoecimento mental no País, os quais certamente decorrem da adoção de metas”, comentou Holovatiuk, que preside a entidade sindical desde meados de 2021.

O presidente do sindicato entende que os bancos não têm cumprido seu papel social e fechado agências onde não conseguem auferir lucro. “Atualmente, há um apartheid (segregação) bancário no Brasil. Se você tem dinheiro e pode adquirir algum serviço, seja bem-vindo; do contrário, será estimulado a não entrar na agência”, acusou, ressaltado a precarização no atendimento decorrente da redução no número de funcionários e de agências. “No início da década de 2010, os bancos empregavam 7.500 trabalhadores na região. Hoje, temos 5.500 postos de trabalho”, revelou.

RAIO X


Nome: Gheorge Vitti Holovatiuk
Idade: 50 anos
Local de Nascimento: São Paulo (SP)
Formação: Direito
Profissão: bancário
Onde trabalha: no Bradesco
Hobby: futebol e leitura
Local predileto: minha casa, junto à família
Livro que recomenda: A Era do Capital Improdutivo: A Nova Arquitetura do Poder, de Ladislau Dowbor

Em qual estágio estão, neste momento, as negociações relativas à campanha salarial dos bancários?

As negociações para a renovação da Convenção Coletiva de Trabalho começaram no dia 26 de junho e, desde então, temos realizado reuniões temáticas semanais com a Fenaban (Federação Nacional dos Bancos). Estão a cargo do Comando Nacional, que é formado por federações e pelos maiores sindicatos do País, entre os quais o dos Bancários do ABC, do qual sou representante. Trata-se de campanha nacional – que, além das questões econômicas, envolve também as cláusulas sociais, uma vez que o sindicato não se limita à defesa das causas trabalhistas e vai além, dentro do conceito de sindicato-cidadão. No dia 18, por exemplo, discutimos a inclusão de PCDs (pessoas com deficiência) e neurodivergentes no mercado de trabalho bancário. A vigência da convenção finda no dia 31 de agosto, mas temos antecipado as discussões, tendo em vista o fim da ultratividade (mecanismo que prolongava os efeitos de uma convenção até que fosse fechado um novo acordo), na reforma trabalhista de 2017.

Os bancos têm cumprido a cota de pessoas com deficiência no mercado de trabalho?

Não. A legislação brasileira estabelece que, nas empresas com mais de 100 trabalhadores, ao menos 5% sejam PCDs. Porém, segundo levantamento do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), os PCDs ocupam apenas 4% dos postos de trabalho, sem contar que faltam adequações às agências para receber essas pessoas. Em uma mesa anterior, também discutimos a inclusão da comunidade LGBTQIA+ no mercado de trabalho, tentando estabelecer um ponto de partida (meta) para esse público.

Quais são as principais reivindicações da categoria?

Sob o ponto de vista econômico, os principais pontos são a valorização dos salários – por meio da recomposição da inflação com algum aumento real – e da PLR (Participação nos Lucros e Resultados). No que se refere às cláusulas sociais, o ponto nevrálgico da campanha é a redução nas metas de desempenho impostas pelos bancos aos trabalhadores.

Em que medida a imposição de metas tem impactado na saúde dos bancários?

Dados do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) mostram que os bancários figuram entre as categorias com mais casos de adoecimento mental, os quais certamente decorrem da adoção de metas. Para se ter uma ideia, os bancários representam cerca de 1% do emprego formal no País, mas respondem por 25% dos afastamentos acidentários relativos à saúde mental em 2022. Sem contar que boa parte dos trabalhadores esconde a doença, porque teme que, se chegar ao conhecimento da chefia, acabe demitida. A categoria bancária tem um turnover (taxa de rotatividade) na casa de 15%, um dos maiores do País.


Ainda existe, no imaginário popular, uma visão glamourizada sobre a profissão de bancário. Qual é a realidade atual da categoria?

Quando entrei no sistema financeiro aos 15 anos, em 1989, não tínhamos PLR, nem portas de segurança, nem ergonomia... Tínhamos apenas o básico da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). Atualmente, se é fato que os cinco maiores bancos do País ultrapassam a casa de R$ 100 bilhões em lucros anuais, é fato também que, devido às conquistas da categoria, o salário médio (de R$ 10.694 em 2022) é um dos maiores do Brasil. Além disso, temos conseguido adicionar novas cláusulas à Convenção Coletiva, como a contra o assédio moral. Para se ter uma ideia, na declaração do Imposto de Renda, não havia um código específico para o emprego bancário. A gente selecionava o “99” (Outros). Em determinado momento, ganhamos personalidade como trabalhadores bancários e, mais do que isso, as pessoas querem fazer carreira no setor. Muitos bancários têm MBA, cursos de especialização no sistema financeiro, o que garante empregabilidade.

Porém, também há aspectos negativos, não é mesmo?

Certamente, há outros aspectos mais perversos. O primeiro é que os bancos não têm cumprido seu papel social e fechado agências onde não conseguem auferir lucro. Por exemplo, por que São Caetano, que possui 15 km², tem mais agências do que Mauá, que ocupa área maior (62 m²) e tem população maior? Por que são fechadas mais agências na periferia do que no Centro das cidades? Pelo mesmo motivo que os bancos têm empurrado clientes para caixas eletrônicos, aplicativos e correspondentes bancários: para reduzir custos. Atualmente, há um apartheid (segregação) bancário no País. Se você tem dinheiro e pode adquirir algum serviço, seja bem-vindo; do contrário, será estimulado a não entrar na agência. O problema é que quem vai ao banco hoje é justamente a pessoa de menor poder aquisitivo. Paralelamente, os bancos têm investido mais em tecnologia – não para democratizar o acesso, nem para trazer mais comodidade ao cliente, mas para reduzir custos. Ocorre que nem todo mundo tem smartphone bacana, nem internet rápida.

Qual foi o impacto da digitalização bancária no emprego do setor na região?

No início da década de 2010, os bancos empregavam 7.500 trabalhadores na região. Hoje, temos 5.500 postos de trabalho. Essa redução tem causado sobrecarga aos trabalhadores e precarizado o atendimento à sociedade. Em contrapartida, houve uma migração de trabalhadores para o setor financeiro. Se contar as cooperativas de crédito e outros setores que fazem intermediação financeira, como seguros, a gente chega em 11 mil. O fato é que a digitalização tem, sim, impactado nos postos de trabalho no Brasil.

Estudos diversos colocam o emprego bancário na lista das profissões sujeitas à extinção devido à vulnerabilidade aos avanços tecnológicos. O sr. concorda? O futuro do emprego no setor é mesmo sombrio?

Escuto essa conversa desde quando entrei no sistema bancário, mas considero improvável. Ocorre que natureza do negócio bancário exige a presença do trabalhador porque o algoritmo tem limite, não consegue operar determinados fundos de investimento. Por isso, penso que ainda temos grande longevidade, mas reconheço que estamos em uma fase de transição. Quando entrei no sistema, na década de 1990, os bancos auferiam seus lucros nas transações feitas na boca do caixa e, por isso, havia muitos funcionários nos caixas. Depois, os bancários viraram vendedores de seguros, cartões de crédito. Nos anos 2000, os trabalhadores se transformaram em consultores financeiros e, agora, com a Inteligência Artificial e as plataformas digitais, ocorre uma nova transição.

Que impacto o sr. acredita que a Inteligência Artificial terá sobre o setor bancário?

As aplicações são amplas, passando pelo atendimento ao cliente, combate às fraudes e backoffice (retaguarda da operação). Porém, a tecnologia precisa ser usada com ressalvas para que, no futuro, não crie uma massa de pessoas sem ocupação, que não tenha condições de subsistência. Não é só uma preocupação dos bancários, mas de várias categorias, como a dos metalúrgicos. Quanto aos assistentes virtuais, confesso que a Bia tem me deixado nervoso e, por isso, parei de falar com ela, porque o Bradesco, muitas vezes, não protege a trabalhadora bancária, mas fez (em 2021) uma campanha contra ofensas enviadas à inteligência artificial, como se ela fosse uma mulher de verdade. 


O fim da contribuição sindical, que era defendido pela CUT (Central Única dos Trabalhadores), teve impacto no financiamento do Sindicato dos Bancários do ABC?

Os Bancários do ABC, bem como a maioria dos sindicatos filiados à CUT, sofreram menos, porque nós estávamos preparados para isso. A gente sempre foi contra (à cobrança do imposto) porque acredita na livre organização dos trabalhadores. Se eles entendem que, para representá-los, é necessário um sindicato forte, basta ficar sócio e pagar a mensalidade, o que garante o custeio da máquina sindical. Esse sempre foi nosso carro-chefe. Felizmente, os bancários são uma das categorias mais sindicalizadas do País, acima de 50%. É lógico que a gente quer discutir alguma forma de financiamento além da mensalidade. Atualmente, o que a gente considera mais adequado é a contribuição negocial, que é cobrada em função do êxito da negociação e de todos os trabalhadores, sócios e não-sócios, mediante aprovação em assembleia, democraticamente. Esse é o que a gente acredita ser o novo mundo do trabalho.




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