Setecidades Titulo
Legislativo e consenso social
Luiz Roberto Alves e
Sabine Linder
Especial para o Diário
De Zurique
16/01/1999 | 18:36
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Cento e vinte e cinco pessoas, 30% mulheres, reúnem-se às quartas-feiras, às 17h, vindas do trabalho nas mais diferentes ocupaçoes e decidem os destinos da cidade que se aproxima de 400 mil habitantes. Zurique, cidade suíça banhada pelo rio Limmat, que se confunde com a atraçao e a vida do grande lago, tem um conselho de representantes nao-profissionalizado. Comerciantes, animadores culturais, ativistas da luta ecológica, acadêmicos e donas de casa sao eleitos pelos 12 distritos da cidade a cada quatro anos e dividem as tarefas de fiscalizaçao do Poder Executivo, aprovaçao de leis, moçoes, indicaçoes e requerimentos de informaçao, exigindo-se para tanto maioria simples dos presentes. Ao fim do mês, cada um recebe uma ajuda de custo de cerca de R$ 800, tanto pela sessao semanal quanto pelos relatórios, presença em comissoes e demais obrigaçoes do poder. Cada vereador (a) de Zurique é eleito (a) com a média de 3 mil votos.

A cidade é dirigida pela social democracia. O prefeito é Josef Estermann, do Sozialdemokratische Partei, mas o Conselho Legislativo é coordenado por Jean Bollier, do Freisinning-Demokratische Partei, semelhante ao PFL do Brasil. A divisao do parlamento de Zurique reflete a grande exigência suíça: a tomada de decisoes por consenso, ou muito próximo disso. Bollier, em entrevista concedida ao Diário, mostrou o painel de tendências políticas: as 125 cadeiras do grande conselho da cidade dividem-se em dez partidos, que apresentaram as suas "listas" de candidatos às eleiçoes de 1998. Vao para esquerda representada pela social-democracia e por alternativos, mulheres em açao política e verdes até o partido popular suíço, os liberais e os populares-cristaos, que se afirmam de direita. No centro, pequenos partidos mais ou menos independentes. O partido das mulheres, alinhado com a esquerda, tem como representante uma agente cultural, Thelma Huber, nascida nas Filipinas, e um dos partidos independentes, Landesring der Unabhängigen (Círculo Nacional do Independentes), tem na sua bancada Simone Bertogg-Baudet, que viveu com a família em Sao Paulo quando criança e fala português.

A esquerda possui 59 cadeiras, a direita, 60, e os partidos pequenos do centro, seis assentos. Evidencia-se a necessidade de muito debate e algumas atitudes consensuais, pois a cidade se encarrega de dividir o poder (o voto é facultativo) em partes que se tornam complementares e interdependentes. Até mesmo a legislaçao sobre o uso do dinheiro público colabora com a busca de consensos. Do orçamento de cerca de R$ 5,5 bilhoes em 1998, o prefeito pode ordenar gastos de até R$ 1 milhao sem pedir autorizaçao; o conselho legislativo deve apreciar e aprovar gastos de R$ 1 milhao, e um até R$ 10 milhoes e somente votaçoes populares, tipo referendo, permitem empreendimentos superiores a R$ 10 milhoes. Certamente, essa antiga democracia que busca consenso e complementaridade entre poderes tem adversários da direita à esquerda. Fala-se por aqui que esse sistema emperra as coisas. Quanto à eleiçao por distrito, os partidos pequenos a criticam porque os grandes partidos predominam nos pequenos distritos. Apenas distritos grandes e mais politizados elegem candidatos dos menores partidos. Busca-se mudar a lei, mas a populaçao reage, mantendo o sistema. Efetivamente, tanto a lei orçamentária quanto a eleiçao distrital garantem o direito à informaçao e à decisao direta do povo da cidade. Assim, muda-se de tempo em tempo a composiçao do poder, mas os modos de decidir mantêm alguns direitos básicos nas maos da populaçao.

Perguntado sobre a capacidade fiscalizadora do legislativo e se o executivo nao é predominante na relaçao entre os poderes públicos, Jean Bollier destacou que há coalizao também no Executivo; daí, que se busca algum consenso nas tarefas executivas. Ademais, as exigências de aplicaçao orçamentária nivelam os acordos de poder. No entanto, há algo novo por aqui: o New Public Management, em plena discussao, que consiste em apresentar as linhas gerais da administraçao anual, apontando para os resultados esperados do Executivo e sua capacidade produtiva. Ou seja, o Legislativo controlará durante o ano as realizaçoes a partir de indicadores de resultado, produtividade e rendimento. O Executivo realizará suas tarefas e informará o conselho de representantes, quer por meio de relatórios, quer pela convocaçao de seus membros dirigentes. No entanto, deve-se ressaltar que esse modo de administrar está ainda no projeto piloto. Dos 20 mil funcionários públicos de Zurique, só 2 mil estao sendo treinados para o novo modo de produçao.

Caso seja necessário construir uma escola, por exemplo, o investimento é analisado por comissoes e relatórios quanto ao orçamento e à qualidade da construçao. Claro que muitas vezes a autoridade executiva é criticada, mas sem resultados adversos, porque os gastos feitos sao justificados pela bancada de sustentaçao. No entanto, existe a imagem pública da representaçao quase direta. Grandes dúvidas e graves problemas exigem sempre a decisao popular direta.

Provavelmente a grande motivaçao para todo esse processo seja a presença popular, que toma conhecimento dos fatos e circunstâncias porque é chamada a decidir por meio de referendos e outras votaçoes. De fato, três vezes ao ano, a populaçao deve votar a respeito de algum projeto ou para uma das 26 províncias, chamadas de cantoes, e mesmo para a Federaçao.   O conselho de Zurique é formado pelas comissoes de análise orçamentária e de análise das operaçoes executivas. Seguem-se as sub-comissoes, diretamente ligadas às açoes executivas: escola e esporte, finanças, indústria, polícia e serviços urbanos, justiça, saúde e meio-ambiente, obras e desenvolvimento e açao social. Representantes do Executivo compoem o quadro do conselho. Todo o país tem legislaçao semelhante a de Zurique. A militância supera a profissionalidade política. De seu lado, a competência do serviço público, mais a ampla informaçao e o chamado à decisao direta, diminuem o lobismo e o clientelismo. Quanto à açao do presidente do conselho, eleito por um ano, Bollier a considera modesta, apenas um moderador de sessoes e encaminhador do processo de trabalho, cuja forma de rodízio ocorre em nível federal. Este ano preside o Conselho de Ministros Ruth Dreifuss, primeira mulher a exercer a funçao.

Perguntado se vale a pena continuar a política de militância, o presidente Bollier respondeu que é exigência do povo e que existe relativa animaçao em candidatar-se à representaçao legislativa, faltando só um pouco mais de tempo aos parlamentares para conhecer a fundo o orçamento e os serviços municipais. No entanto, reconhece que o sistema funciona dignamente. Ele mesmo é político e farmacêutico, mantendo-se no legislativo desde 1982.




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