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‘Quero devolver o que Santo André me deu’, comenta Cedenho
Mariana Gutierrez
10/06/2024 | 07:00
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FOTO: André Henriques/DGABC

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Paulistano de nascimento, mas andreense de coração, Antônio Carlos Cedenho possui uma ampla carreira jurídica com as principais atuações como advogado e desembargador federal. No fim do ano passado, ao completar 75 anos de idade, se aposentou compulsoriamente do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), onde ocupava a vice-presidência. 

Pouco mais de seis meses se passaram e ele volta à ativa, aceitou um convite do prefeito de Santo André, Paulo Serra (PSDB), e será assessor jurídico.

Cedenho começou sua carreira na área de contabilidade, mas se viu diante de poucas opções de emprego. Então se apaixonou pelo mundo jurídico, inspirado por duas pessoas: Cid Fláquez Cartesini e Jorge Fláquez Cartesini, dois professores do curso técnico de contabilidade. Cedenho possui uma longa trajetória profissional, destacando-se pelos anos de vivência como presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Santo André por quatro mandatos consecutivos. 

Nesta entrevista ela fala de sua experiência no Tribunal, dos desafios da advocacia em tempos de inteligência artificial, e do desejo de retribuir a Santo André tudo o que a cidade lhe ofereceu.

Nome: Antônio Carlos Cedenho

Idade: 75 anos

Local de nascimento: São Paulo

Formação: Direito

Hobby: Corinthians

Local predileto: Santo André

Livro que recomenda: A Revolução dos Idosos, de Frank Schirrmacher, e O Homem que Amava os Cachorros, de Leonardo Padura Fuentes

Personalidade que marcou sua vida: Ulysses Guimarães

Profissão: Desembargador federal aposentado

Onde trabalha: Prefeitura de Santo André

Então o senhor começou um novo ciclo esse ano?

Academicamente, eu tenho mestrado e doutorado na área de direito constitucional. Agora me aposentei (do TRF - Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em dezembro) e acabei atendendo a um convite do prefeito de Santo André (Paulo Serra - PSDB) para assumir um cargo no gabinete, como assessor jurídico. Ele me convidou, eu ponderei, mas acabei aceitando porque sempre acreditei que tudo o que consegui foi por intermédio da cidade, das pessoas da cidade que me apoiaram nessa caminhada. Acredito que seja uma oportunidade de entregar para a cidade um pouco daquilo que ela me ofereceu.

E como foi o convite?

Isso já faz uns 15, 20 dias. Essa ideia já vinha há algum tempo e, obviamente, deixei o prefeito muito à vontade para resolver tudo o que precisava. Ele me ligou querendo almoçar comigo e me ofereceu a possibilidade de colaborar com a cidade e a administração. E acho que não iria conseguir ficar parado mesmo.

Quando começa esse novo desafio?

O combinado é que a posse seria dia 10 (hoje), mas ainda estou dependendo de algumas coisas. Estou esperando para ver como vai ser, até agora não recebi as informações a respeito, Vamos ver se isso continua.

Quais serão as suas funções?

Parece uma oportunidade muito boa porque é um cargo de assessoria, o que dá uma visão muito ampla da administração, com uma parte consultiva já direta com o gabinete, que acho muito importante. O prefeito acreditou que eu poderia contribuir nessa área em função de toda a minha experiência e vivência. No Tribunal, além de passar por todas as sessões, terminei a minha carreira exercendo a vice-presidência. Tenho uma visão geral de como funciona o Judiciário e acredito que posso dar uma contribuição. Não sei exatamente como vamos caminhar, mas acredito que será uma experiência muito interessante.

Na prática, o que o senhor pode dizer sobre isso?

Eu diria que não sei exatamente o que vai me aguardar, mas acredito que será opinar, aconselhar sobre projetos e sobre a possibilidade legal de execução de determinados projetos, para evitar qualquer tipo de problema jurídico. Será mais uma função desse tipo, porque obviamente não vai influenciar diretamente na administração, mas nos planejamentos que possam envolver questões jurídicas, acredito que tenho condições de dar a minha colaboração.

E o senhor entra em um ano desafiador também, um ano de eleição. Na sua opinião, o que pode ser mais desafiador em relação à sua carreira?

Esse é um cargo técnico, não é um cargo político. Tudo tem um quê político, mas especificamente é um cargo técnico. Não vejo nenhuma influência política, mas acredito que possa agregar, fazendo parte da administração, com a sensibilidade de acreditar que o prefeito me convidou em função da minha experiência. É um nome que vai agregar também credibilidade à administração. Não participaria dela se não fosse para fazer com que as coisas possam ser feitas de uma maneira correta, até por conta de toda a minha trajetória de vida.

No começo da nossa conversa, o senhor comentou a respeito de ter ganhado um título de cidadão andreense e dessa vontade de contribuir com a cidade, oportunidade que também surge agora. Como o senhor vê essas oportunidades e como foi receber esse título de cidadão andreense?

No meu íntimo, sempre aguardei essa oportunidade. Quem fez a moção foi o Eduardo Leite (PSB), que é pré-candidato a prefeito. Sempre aguardei essa possibilidade porque tenho um grande amor pela cidade e pelas pessoas. Minha formação, minha mulher é daqui. Vim para cá com 6, 7 anos e fui morar vizinho da minha mulher. Nos conhecemos há 69 anos, sendo 10 de namoro e 50 de casados. Tudo isso me fez ter um amor muito grande pela cidade. É uma maneira que encontrei de contribuir. Estou feliz porque surgiu essa oportunidade e espero poder colaborar.

E com uma carreira tão ampla, como o senhor consegue conciliar com a vida pessoal?

Consigo conciliar. Minha mulher brinca comigo que diz que saí de casa há 30 anos, desde a advocacia. Tive uma passagem pelo Aramaçan, fui diretor jurídico do clube em uma das gestões. Não temos filhos, somos só eu e minha mulher, então lido bem com isso. Ela é muito inteligente, nunca me cobrou, sempre me apoiou. Consigo conciliar bem a parte familiar com a profissional, sem problema nenhum.

Qual é a maior experiência que o senhor leva consigo e que acredita que vai conseguir aplicar nesse novo momento de vida?

Na advocacia, você exerce e também aprende diariamente, é bem diversa. No tribunal, não é diferente. Passei por todas as áreas do Tribunal, que hoje são divididas em previdenciária, criminal, tributária, civil e administrativa. Você vivencia as causas, as situações que a possibilidade de julgamento oferece. Um caso marcante foi quando fui plantonista e houve uma campanha para fechamento do aeroporto de Congonhas. Concedi uma liminar para que o aeroporto fosse reaberto, apesar de haver uma campanha contra. Um mês depois, houve aquele acidente da TAM e algumas pessoas mal-intencionadas atribuíram a mim a responsabilidade, mas a TAM não estava proibida de usar o aeroporto. São coisas que marcam, processos de grande repercussão dos quais você acaba participando. Enfim, é o dia a dia, nunca se sabe exatamente o que vai acontecer no tribunal, principalmente na área de plantão.

Doutor, diante de uma carreira tão grande, tão vitoriosa, muitas mudanças acontecem no mercado jurídico. Como o senhor faz essa análise hoje?

A advocacia mudou muito. Aquela advocacia que comecei, de alugar uma sala, iniciar com colegas, atendimento, acompanhamento e depois escritório, hoje é muito difícil. A advocacia de varejo está muito sucateada. Estive na OAB há uns dias e hoje 80% dos advogados vivem da assistência judiciária, que paga muito pouco. Na Justiça Federal, os casos envolvem a União, Caixa Econômica Federal, INSS. O contato com o povo na Justiça Federal é através da Previdência. Hoje são grandes escritórios, principalmente na área tributária, e para pertencer a esses escritórios, você precisa de uma formação acadêmica sólida, falar dois idiomas, trabalhar 14 horas por dia. Esses grandes escritórios oferecem sociedade, por assim dizer, dando 0,1% do escritório para chamar o advogado de sócio. Em compensação, você trabalha 14, 16 horas, inclusive nos fins de semana. Então, o exercício da advocacia de varejo aqui é muito difícil, doloroso, eu diria. Porque se não fosse a caixa de assistência dos advogados, a vida de muitos seria bem diferente, muito diferente para pior! O presidente da OAB me disse o seguinte: na época da pandemia, eles distribuíram muita cesta básica. Então, para quem vai começar hoje, há outro desafio. No meu tempo, existiam praticamente três áreas: você era advogado criminal, civil ou trabalhista. Hoje, a coisa expandiu; você tem várias disciplinas e especialidades que nem se cogitava antigamente.

E agora, com a tecnologia e a inteligência artificial, o senhor acredita que isso contribui?

Não sei. É porque agora você tem condições de acessar um site, e a petição já sai pronta para você, a defesa já sai pronta para você. Eu acho que isso é muito perigoso. Sempre vão existir destaques na advocacia, porque, na área criminal, eu vi, por exemplo, quando fiz parte de um órgão especial lá no Tribunal, grandes sustentações orais. Na área tributária, muitos advogados conhecem muito bem a matéria. Então, sempre há espaço. Mas, no geral, eu acho isso muito problemático, e a questão da inteligência artificial, essa novidade não se aplica só à advocacia, mas também a outros setores da vida agora.

O senhor acredita que há algumas vantagens?

A Justiça Federal, hoje, eu acho que não tem nem 1% dos processos físicos; todos estão digitalizados. Isso facilita muito. Quando assumi a vice-presidência, acho que havia mais de 18 mil processos físicos, e nós conseguimos digitalizar tudo. Então, a Justiça Federal, nesse aspecto, evoluiu muito. A Justiça Estadual, me parece, ainda tem alguma dificuldade nesse sentido. Mas a Federal, hoje, não tem mais nenhum processo físico. Isso é até uma meta do CNJ que deve ser cumprida.

O senhor poderia definir o que quer deixar para Santo André?

Eu tenho em mente o seguinte: um desses professores, o ministro Cid Scartesini, que inclusive foi presidente da Câmara durante o impeachment – o primeiro impeachment de prefeito no Brasil, que aconteceu aqui em Santo André (Oswaldo Gimenez, em 1962). Ele sempre encerrava suas falas fazendo a saudação com a expressão latina da bandeira de Santo André: “Paulistarum Terra Mater”, ‘dos paulistas à Terra Mãe’. Essa evocação me leva a ter um respeito muito grande pela cidade e por tudo o que foi feito até agora. O que mais quero e desejo, na realidade, é, como posso dizer, devolver à cidade um pouco de tudo o que recebi. Eu me sinto na obrigação de respeitar toda essa tradição da cidade e as pessoas que nela vivem. Tudo o que fiz e consegui, todo o respeito que conquistei, quero retribuir à cidade, com toda a experiência e conhecimento que adquiri ao longo dos anos. Espero fazer isso com muita dignidade.




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