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Livros infantis de Clarice Lispector voltam ao mercado
Do Diário do Grande ABC
19/11/1999 | 16:08
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Em 1957, quando seu filho caçula, Paulo, tinha 3 anos, a escritora Clarice Lispector (1925-1977), entao morando em Washington, ouviu do menino: "Se você escreve tantas histórias, por que nao faz uma só para mim?" Maezona absoluta, a autora de "Perto de Coraçao Selvagem" e "Laços de Família" interrompeu imediatamente seu livro da vez e escreveu, em inglês, "O Mistério do Coelho Pensante". Satisfeito o desejo de seu pequeno Pauluca, como o menino era chamado em família, Clarice guardou o texto na gaveta, onde ficou por 15 anos, até ser editado em português.

Este mês, a Editora Rocco está relançando nao só a história do intrigante coelho branco chamado Joaozinho, como mais dois livros infantis de Clarice Lispector, "A Vida Intima de Laura" ( "uma galinha com o pescoço mais feio do mundo, mas bonita por dentro") e "A Mulher Que Matou os Peixes". Em breve, a editora completa o seu projeto de apresentar Clarice para as crianças da atual geraçao com outros dois títulos, "Quase de Verdade" e "Como Nasceram as Estrelas". Volta, assim, ao mercado toda a obra da escritora para o os leitores mirins, com ilustraçoes de Flor Opazo e Mariana Massarani, e a padronizaçao gráfica de 32 páginas por livro ao preço de R$ 14 00 cada um.

Quando a história de Joaozinho virou livro, Clarice fez um prefácio para pedir desculpas aos adultos. "Como a história foi escrita para exclusivo uso doméstico, deixei todas as entrelinhas para as explicaçoes orais, por isso, peço desculpas a pais e maes, tios e tias, e avós, pela contribuiçao forçada que serao obrigados a dar."

Exagero de uma perfeccionista. O livro, muito próximo da estrutura de um conto policial simplificado, é completo, claro, objetivo. De quebra, tem ainda um típico mistério de Clarice, que - surpresa! - nao é revelado no final. "Nem eu, que estou contando a história, conheço a resposta", escreve ela, poucas linhas antes de encerrar o livro. Na época do lançamento, Clarice recebeu muitas cartas de leitores sugerindo uma soluçao para esse mistério tido por ela como indecifrável.

No auge da fama de Clarice como a escritora mais densa e perplexa do Brasil, o filho mais velho, Pedro, ainda criança, declarou em uma entrevista com toda a família que gostava dos livros da mae, mas era difícil passar da primeira página, pois logo começava a sentir uma certa tontura. Clarice, entao, quis escrever um livro infantil também para seu primogênito. Aproveitou a imensa culpa que sentiu ao esquecer de alimentar os dois peixinhos vermelhos da casa, que Pedro adorava, e contou essa história em "A Mulher Que Matou os Peixes". Clarice Lispector amava os animais. Sempre povoou suas narrativas com galinhas, macacos, búfalos e baratas. É curioso notar que ,Lisete a macaca que aparece em "A Mulher Que Matou os Peixes", é a mesma do conto "Macacos", do livro "A Legiao Estrangeira". Vale a pena fazer a comparaçao de linguagens entre o conto adulto e o infantil.

A diferença fundamental é que Clarice, ao escrever para crianças, repete com freqüência o recurso fácil de, como narradora, dirigir-se diretamente ao leitor, conversar com ele. É uma atitude limitante cultivar essa assimetria assumidamente didática entre o narrador adulto e o leitor mirim. Seja como for o que pesa mais em Clarice - para crianças ou adultos - é a espontaneidade de sua escrita, a inocência estimulada e, melhor ainda, aquele seu deslumbramento fundamental perante a vida.




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