Entrevista com o presidente da ABVE, Adalberto Maluf
A utilização de veículos elétricos reduz a poluição, diminui o ruído urbano e, principalmente, torna os deslocamentos mais baratos. A questão ainda é o alto preço dos carros. O presidente da ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico), Adalberto Maluf, destaca a evolução da eletromobilidade e diz que o assunto tem de estar na pauta dos políticos da região. “É o caminho para requalificar a indústria e os empregos no Grande ABC. Deveria ser vista como prioridade não só pelo setor de autopeças e montadoras, mas também pelo sindicato e lideranças políticas da região”, afirma.
Quais as principais vantagens da mobilidade elétrica?
As vantagens são inúmeras, desde a redução de poluentes e os ruídos, ao tema econômico e aos empregos do futuro. Mas quero ressaltar esse aspecto que considero talvez o mais importante, neste momento difícil da vida brasileira: a eletromobilidade é a grande fronteira de inovação tecnológica deste século. Ela já é uma realidade nos principais mercados globais que devem ver as vendas saltarem de 9% para quase 20% em 2022. Para o Brasil, é a oportunidade de recuperar a competitividade da indústria brasileira, nos inserirmos nas novas cadeias produtivas globais e gerar os empregos de qualidade para as próximas gerações. Este é um debate fundamental para o Grande ABC, que foi durante décadas o coração do parque automotivo nacional. Penso que a eletromobilidade é o caminho para requalificar a indústria e os empregos do Grande ABC. Ela deveria ser vista como prioridade não só pelo setor de autopeças e pelas montadoras de veículos, mas também pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e pelas lideranças políticas da região. Esse tema deveria estar no topo da agenda dos candidatos a presidente e governador que se preocupam com o futuro do País.
Por que os veículos elétricos são tão caros?
Hoje, o preço de venda de um veículo elétrico, de fato, é superior ao similar convencional por vários motivos. Mas o custo total de propriedade do elétrico ao longo da vida útil pode ser mais vantajoso do que um similar a combustão. No Brasil, o preço ainda é maior do que a média global pelo impacto do câmbio, já que ainda não desenvolvemos os parques produtivos locais, e pela carga tributária sobre os elétricos. Um veículo elétrico ou híbrido ainda paga mais IPI do que um veículo a combustão, embora polua menos e tenha muito mais eficiência energética. Não faz sentido. Temos que resolver essa distorção tributária para dar escala ao mercado poder nacionalizar mais modelos. Um estudo da Lease Plan, empresa global de gestão de frotas, concluiu que em 2021 o veículo elétrico já era competitivo em 17 países europeus, em relação ao similar a gasolina ou diesel após quatro anos de propriedade e uma média de 30 mil quilômetros rodados por ano. Em outras palavras: após quatro anos de uso, o usuário já zerou o custo inicial de compra e começou a entrar no lucro. Essa relação favorável começa a valer também no Brasil, especialmente para veículos de alta quilometragem diária. Por isso, o veículo elétrico é especialmente indicado para empresas de logística e transporte de carga urbana, além de empresas de compartilhamento, gestão de frotas, aplicativos e táxis. Quanto mais o veículo elétrico rodar, mais econômico será no fim do mês. A explicação é simples. É a soma da economia com combustível e manutenção. Hoje, o custo do quilômetro rodado de um elétrico é cinco ou seis vezes menor do que o do similar a gasolina. Numa viagem entre São Paulo e Rio, por exemplo (446 km), o carro convencional gastaria cerca de R$ 340/R$ 350, com a gasolina a R$ 7,60 o litro. Já o elétrico gastaria apenas R$ 62 no mesmo percurso. Além disso, o carro elétrico tem uma manutenção entre 50% e 70% mais barata do que o carro convencional, e com vida útil muito maior. Esses dois fatores conjugados (combustível e manutenção) asseguram a economia do elétrico no médio prazo.
Como baixar os preços?
Reduzir o preço inicial do veículo elétrico depende de vários fatores. Temos de incentivar seu uso para que as indústrias se sintam estimuladas a produzi-los no Brasil, em vez de importá-los. Temos de atacar a questão da carga tributária média incidente sobre os elétricos. Um caminhão elétrico paga mais ICMS em São Paulo do que o similar a diesel. Isso nos parece um contrassenso. E temos de incentivar a produção de componentes no Brasil, especialmente a bateria, que é o item mais caro do veículo elétrico. Temos todas as condições para isso. A BYD, e outras empresas, como WEG e Moura, já estão começando a produzir baterias no Brasil. BorgWarner e Bravo Motors devem começar brevemente também. Isso é fundamental para reduzir o custo. O Brasil tem grandes reservas de muitos minérios estratégicos para a eletromobilidade. Temos que explorar e industrializar nossas reservas de lítio, níquel, grafeno e de terras raras que podem produzir motores elétricos com imãs permanentes, baterias e semicondutores. E, finalmente, o próximo governo tem de ter uma política clara de desenvolvimento tecnológico voltado para a eletromobilidade. Temos todas as condições para sermos líderes nessa agenda, mas o tempo está correndo. Se demorarmos muito, podemos perder o bonde, agora elétrico, dessa revolução tecnológica.
O Brasil está preparado para a expansão da mobilidade elétrica?
O Brasil tem todas as condições de ser um protagonista da eletromobilidade. Temos tecnologia de combustíveis de baixa emissão, com o etanol tendo um grande papel nessa transição tecnológica, temos uma matriz de geração elétrica mais de 83% renovável, um enorme potencial de crescimento das fontes solares e eólicas, ainda temos um parque de componentes diversificado, indústrias dinâmicas, boa qualificação tecnológica, centros de pesquisa, reservas naturais, temos tudo para sermos líderes dessa agenda. O que falta? Falta uma política nacional de eletromobilidade. Ou seja, uma estratégia nacional focada em alinhar o desenvolvimento brasileiro à megatendência global da eletromobilidade. Uma estratégia capaz de alinhar as várias iniciativas municipais e estaduais, a academia, o setor produtivo. Mas esse tipo de coordenação só pode ocorrer se governo federal liderar esse processo. Senão, seguiremos com ações desconectadas e pouco eficientes. O Brasil precisa urgentemente de um plano estratégico nacional pela eletromobilidade, um novo pacote para a economia verde, semelhante ao Green Deal europeu, ao 14º Plano Quinquenal chinês e, agora, ao Plano Biden, nos Estados Unidos, que prevê 50% de veículos elétricos até 2030. Em resumo, o Brasil tem de voltar a ser líder global na agenda ambientalista e na promoção do transporte sustentável.
Todas as montadoras possuem em seus portfólios modelos movidos a energia elétrica. Esse é um caminho para popularizar estes veículos?
As indústrias já estão fazendo a sua parte. A Toyota, por exemplo, já produz no Brasil (em Sorocaba e Indaiatuba) os veículos eletrificados híbridos mais vendidos no Brasil. A Great Wall Motor começará a produzir veículos elétricos a partir do próximo ano em sua nova fábrica em Iracemápolis. A Caoa Chery acaba de anunciar a reestruturação de sua fábrica de Jacareí para produzir veículos elétricos híbridos. A BYD já produz ônibus elétricos e painéis solares em Campinas e pretende produzir veículos elétricos quando os volumes aumentarem. A Eletra, que é uma empresa nascida no Grande ABC, acaba de se transferir para uma grande área industrial na Via Anchieta, em São Bernardo, para ampliar sua produção de ônibus elétricos. A Mercedes-Benz, que também é do Grande ABC, promete produzir ônibus elétricos no segundo semestre de 2022. Essas iniciativas mostram que uma parte da indústria já sabe que a eletromobilidade é irreversível. No primeiro quadrimestre deste ano, por exemplo, o mercado brasileiro de eletrificados leves vendeu 70 modelos diferentes de veículos elétricos e híbridos. A tendência é ampliar essa oferta. Na Europa, por exemplo, existem mais de 150 modelos sendo vendidos em alguns países. Vai acontecer com o veículo elétrico o mesmo que no mercado de smartphones. No início, havia apenas os modelos de alto custo. Em poucos anos, a oferta se diversificou, atingindo todos os níveis de renda. Hoje, temos mais celulares do que habitantes no Brasil.
Em abril algumas empresas formaram a Aliança Pela Mobilidade Sustentável, que tem como principal objetivo democratizar a mobilidade elétrica com veículos mais acessíveis e mais pontos de recarga no País. Como o senhor avalia essa iniciativa?
Vemos como mais um sinal da incrível efervescência desse mercado. A democratização da mobilidade elétrica é irreversível. É uma iniciativa muito importante. Existem outros projetos em curso para ampliar a oferta de postos de recarga pública, com anúncios milionários de vários de nossos associados, em parcerias com gigantes da energia no Brasil. Sabemos, por exemplo, que a Prefeitura de São Bernardo estuda uma lei para prever instalação de postos de recarga nos novos edifícios residenciais e comerciais. Esta é outra iniciativa importante, pois a grande maioria das recargas de veículos elétricos no Brasil ocorrerá em casa, de madrugada, como os celulares, ou na garagem dos escritórios, durante a jornada de trabalho do condutor. Espero que outras prefeituras estudem a adoção de legislações semelhantes.
O que o poder público poderia fazer para facilitar o acesso a veículos elétricos?
O poder público brasileiro, em todos os níveis, precisa primeiro ter clareza da dimensão da eletromobilidade como fator disruptivo da economia do século 21. Precisamos de uma estratégia nacional, liderada pelo governo federal e com apoio do Congresso, de políticas públicas ambiciosas e alinhadas com as melhores práticas internacionais. A China se tornou a maior potência em eletromobilidade, com quase metade da frota elétrica global de veículos leves e 90% de todos os ônibus elétricos em circulação no mundo porque teve 20 anos de políticas públicas incrementais. A Noruega foi a primeira a proibir a venda de veículos a combustão já em 2025, e as vendas de elétricos hoje já superam 90% das vendas totais de veículos do mercado local. Na Europa, a proibição da venda de veículos a combustão acaba de ser aprovada pelo Parlamento Europeu para 2035.
Se o número de veículos elétricos continuar subindo, o País tem condições de fornecer energia para movê-los?
Com certeza, temos sim. Esse é um dos mitos em torno da eletromobilidade. Num cenário hipotético em que toda a frota brasileira fosse elétrica (estamos falando de mais de 46 milhões de veículos de todos os tipos, afora motos e bicicletas), o aumento da demanda de energia seria de apenas 10%, segundo cálculos da Itaipu. Isto porque a maioria das recargas será feita pelas pessoas ou empresas à noite, quando já existe energia disponível. Podemos abastecer nossos veículos à noite por um preço bem mais barato, e ainda usando energia limpa e renovável.
E como é o custo de manutenção dos elétricos?
Essa é uma das maiores vantagens do veículo elétrico. A manutenção pode ser entre 50% e 70% mais barata do que a do similar a combustão. O motor do carro elétrico tem menos peças – cerca de 300, contra mais de 2.000 do carro a combustão. E a maioria dessas peças é eletrônica, fáceis na identificação de erros e na substituição. Não existe tanto atrito mecânico nessas peças, o que gera um desgaste menor. Portanto, a manutenção é mais econômica, sem a necessidade de óleos e lubrificantes. E, por causa de tudo isso, a vida útil do veículo é muito maior. Você pode rodar com ele por 10/15 anos sem maiores problemas. A BYD já tem furgões elétricos rodando há mais de cinco anos, que ultrapassaram 300 mil quilômetros, e ainda operam com quase 97% da capacidade inicial das baterias.
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