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"É difícil dizer que Bolsonaro é um bom católico"

Líder da Igreja Católica no Grande ABC concedeu entrevista na última quarta-feira (03) na página no Facebook do jornal

Arthur Gandini
Especial para o Diário
04/11/2021 | 00:38
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Dom Pedro Carlos Cipollini, o bispo responsável por administrar a Igreja Católica nas sete cidades da região, concedeu entrevista para a página no Facebook do Diário na noite de ontem. Trata-se do segundo bate-papo do novo canal de comunicação das mídias digitais do jornal. Toda quarta-feira, às 19h, será entrevistada uma autoridade importante para o Grande ABC. Na semana passada, foi sabatinado o prefeito de Santo André, Paulo Serra (PSDB).

Confira abaixo os principais pontos da entrevista. A conversa completa pode ser assistida na rede social.

Retomada gradual
A Igreja Católica nas sete cidades da região retomou as celebrações e atividades presenciais no fim de setembro. Terça-feira, no Dia dos Finados, as missas presenciais voltaram aos cemitérios. O governo do Estado acabou na segunda-feira com as restrições do comércio e as cidades da região estão discutindo se também acabam com as restrições. Há ainda debate sobre quando extinguir a obrigatoriedade do uso de máscaras ao ar livre.

O bispo afirmou que a Igreja Católica na região tem tido o cuidado de equilibrar a flexibilização das restrições e para que os índices da pandemia não voltem a crescer. Ele avalia como positiva a gestão da pandemia pelas sete prefeituras, mas relata ter havido “dificuldades” no diálogo com a administração de São Bernardo. O desrespeito às normas de prevenção à Covid-19 por outras igrejas cristãs teria resultado em regras mais rígidas da Prefeitura que impactaram os templos católicos. “Houve momentos em que, para coibir outras igrejas que não estavam levando a sério as normas sanitárias, a Igreja sofreu com isso. Isso gerou uma chateação”, declarou o bispo.
 
Preconceito
Dom Pedro abordou a questão do racismo. “O Brasil é um País que não acertou as contas com os 400 anos de escravidão (dos negros). Foi dividido em dois ‘Brasis’. O andar de cima era o Brasil branco que podia tudo, as leis valiam em termos. E o andar de baixo era o mundo dos negros, que eram tidos como objetos. Isso gerou uma sociedade violenta”, declarou.

Cipollini disse que a educação é importante para combater o racismo e citou secretários de governo que sofreram inquérito do MPF (Ministério Público Federal) para ser investigados por crime de racismo, em referência a Sérgio Nascimento Camargo, presidente da Fundação Palmares, pertencente à Secretaria de Cultura do governo federal. “Falta educação no País. Os ministros de educação se sucedem de uma forma que não dá para ter um programa (nacional)”, criticou sobre a troca de ministros.
 
Governo Bolsonaro
A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) tem se posicionado com muitas críticas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desde o início do seu mandato. Questionado pelo Diário sobre como avalia a gestão do País, dom Pedro a classificou como um “espanto”. “Isso todo mundo sabe. (Há) 600 mil mortes por Covid, quando esse número poderia ser muito mais baixo. Está aí a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito, em curso no Congresso Nacional, que investiga a conduta do presidente). Eu caracterizo como um descalabro”, criticou.

Embora o presidente Jair Bolsonaro seja hoje próximo de líderes de igrejas protestantes, apresenta-se como católico. O Diário questionou o bispo se o chefe do Executivo está em sintonia com as crenças da Igreja e se pode ser considerado um bom católico. “É uma coisa meio difícil de dizer sim. A proposta do católico é de seguimento de Jesus. Jesus ensinou a compaixão, é um sinal de cristianismo. Quando você vê a pessoa fraca, ao invés de desprezar, você tem que ajudar a fortalecer.”

O religioso ressaltou que a Igreja não é a favor da violência e disse que ideias defendidas por apoiadores e aliados do governo hoje podem ser associadas ao nazismo. “Muitos estudiosos dizem que sim, historiadores, pessoas que fazem essa associação.”

Governo Doria
O governador de São Paulo, João Doria, é pré-candidato à Presidência da República e tem se polarizado com o presidente Jair Bolsonaro. Questionado como avalia a gestão da pandemia pelo governo estadual e se foram cometidos erros, dom Pedro afirmou que tem sido “positiva”. “Eu mesmo tomei a Coronavac e agradeço, porque foi fabricada aqui e se não tivesse o governador tomado a iniciativa (de produzir o imunizante), as coisas seriam bem diferentes. Só Deus faz o impossível. Quando se avalia uma gestão, tem que ser avaliado se foi feito o possível, se não foi perdido tempo com ideias mirabolantes. O (Instituto) Butantan é uma referência que honra os paulistas.”
 
Encontro global
Está acontecendo no mundo todo o maior processo de consulta democrática da história da Igreja Católica, que é o Sínodo dos Bispos. Os fiéis estão participando pela primeira vez de um sínodo e o encontro tem o objetivo de discutir a sua participação na vida da Igreja. O sínodo tem uma etapa regional, continental e deve ser finalizado no Vaticano em outubro de 2023.

Ao mesmo tempo há hoje debate sobre o espaço dado na Igreja aos fiéis. Há igrejas protestantes, por exemplo, nas quais as pessoas que não fazem parte do clero têm mais espaço na administração da igreja. Ao mesmo tempo, a Igreja Católica é uma instituição milenar e qualquer mudança na instituição gera discussão interna e externa. O bispo defendeu que a tradição da Igreja pode ser alterada quando não se trata da doutrina católica. “Por exemplo, chegou um momento em que a missa era rezada em latim. Mas ela pode ser rezada em outra língua, é uma tradição com ‘t’ minúsculo. As mudanças na igreja são feitas avaliando aquilo que é a grande tradição e não pode mudar, mas pode exprimir de forma renovada.”
 
Esquerda e direita
A Igreja Católica possui tendências internas de pensamento. Há os tradicionalistas, conservadores em relação a mudanças principalmente na liturgia das missas e na abordagem de pautas identitárias, como o acolhimento da comunidade LGBTQIA+. Há a RCC (Renovação Carismática Católica), que traz para as celebrações costumes similares a muitas igrejas protestantes neopentecostais. Esses dois grupos geralmente são identificados politicamente com a direita. Já outra corrente é a teologia da libertação, identificada com a esquerda e que traz temas políticos e sociais para dentro da igreja.

Dom Pedro declarou que a discussão sobre a esquerda e a direita deve ser deixada de lado. “Eu sou do século passado e vivi bem a década de 1970 e, naquela época, fazia sentido. Hoje é furado. A gente encontra no Congresso pessoas tidas de esquerda votando com a direita. Esse conceito é ultrapassado. O mundo hoje tende ao individualismo.”
 
Combate à pobreza
O Concílio Vaticano II, realizado nos anos 1960, estabeleceu que a igreja deveria seguir a “opção preferencial pelos pobres” em suas ações. Por outro lado, principalmente em relação à teologia da liberação, há críticas sobre o risco de a Igreja se afastar da espiritualidade e aderir demais ao materialismo e ao mundano.

O bispo do Grande ABC afirmou que faz parte da crença da Igreja defender a fraternidade. “A existência da pobreza é a maior ofensa a Deus. Deus criou o homem e deu a fartura de alimentos. A miséria ofende a Deus, essa situação não é culpa Dele. A missão da Igreja é espiritual no seguinte sentido: se você tem fome, o problema é teu. Mas se o seu irmão tem fome, é um problema espiritual seu. Jesus disse: ‘Estava com fome e não me destes de comer’.




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