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Coleta seletiva muda vida de catador
Danilo Angrimani
Do Diário do Grande ABC
21/09/2002 | 18:27
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Reginaldo Rufino dos Santos, 38 anos, casado, dois filhos, trabalhou seis anos (de 1995 a 2001) no lixão do Alvarenga. Hoje ele é um dos 26 recicladores da Associação dos Catadores do Centro de Ecologia e Cidadania Refazendo, em São Bernardo. Ele faz a coleta de produtos para reciclagem em um galpão coberto, usando equipamentos de proteção individual.

Segundo Santos, se a população fosse mais consciente e aderisse à coleta seletiva, todos os ex-catadores do lixão do Alvarenga estariam empregados. “Por enquanto, só tem trabalho para 26 pessoas. Outras 48 estão desempregadas.”

Santos nasceu em Cidade do Cabo (PE). Quando veio para São Paulo, trabalhou como segurança. Perdeu o emprego. Foi parar no lixão do Alvarenga, onde catava e vendia ferro-velho.

A situação ambiental era precária: “Tinha uma poluição medonha. Era a poeira dos caminhões, que entravam e saíam do aterro. A gente colocava fogo no lixo que não seria usado. Ficava aquela fumaceira, misturada com a poeira. As crianças no meio das coisas podres, ajudando a gente a catar.”

Naquela época, Santos diz que “enxergava pequeno”, tinha o “pensamento curto”. “Eu achava que primeiro a criança tinha de encher a barriga e depois pensar em estudar. Nossos filhos não iam na escola.”

Os catadores não se entendiam. Havia muitas brigas. “Quando alguém avançava na muamba (território) do outro, saía até morte. Muita gente morreu por causa do lixo.”

Mudança – Há quatro anos, os catadores do lixão do Alvarenga foram procurados pela Assistência Social da Prefeitura de São Bernardo. “Eles propuseram que nós criássemos uma associação, nos ajudaram com cesta básica, deram remédios para as crianças, e tiraram documentos para quem não existia (sem carteira de identidade).”

Ao longo de oito meses, os catadores do Alvarenga fizeram curso de reciclagem com o apoio de professores do Sebrae e da USP (Universidade de São Paulo). “Eles ensinaram que a nossa vida poderia ter mais dignidade. Isso começou abrir a minha mente.”

Em janeiro de 2003, fará dois anos que a Associação Refazendo foi criada. O início foi difícil. “No primeiro mês, tiramos R$ 70 por pessoa. Fiquei desalentado. Achei que a troca não tinha sido positiva, eu estava tirando menos dinheiro que no lixão.”

A Prefeitura ajudou as famílias, distribuindo duas cestas básicas. Dava também vale-transporte. “Isso nos salvou na época.”

Refazendo – A Cooperativa Refazendo recicla atualmente de 38 a 40 toneladas de lixo por mês. A meta é reciclar 140 toneladas por mês. Ele diz que, se a população fizesse mais coleta seletiva, “se não misturasse tanto o lixo”, seria possível conseguir dar trabalho para os demais ex-catadores. “Tudo que é misturado no lixo, se perde.”

O que é misturado com o lixo úmido e se perde? Santos explica: “É papel (jornal, revista, papelão, cadernos), plástico (garrafas de refrigerantes ou PETs, embalagens de detergentes), vidro e metal. “Estamos precisando da colaboração e da conscientização das pessoas.” Cada reciclador está retirando em média R$ 380 por mês. “Poderia aumentar muito se a população ajudasse.”

Desde que passou a trabalhar na cooperativa, Santos diz que sua vida melhorou bastante. “Eu trabalho com proteção. Uso uniforme e equipamentos (bota, luva, óculos). No lixão não tinha nada disso. Machucava o pé, furava a mão. Aqui a gente trabalha em um lugar coberto, sem chuva, sem sol, com segurança.”

A outra mudança foi psicológica. “Eu tinha vergonha de trabalhar com lixo, naquele lugar feio, poluído. Hoje me orgulho da minha profissão: sou reciclador, alguém que ajuda o meio ambiente e preserva a natureza.”

Santos é casado com Maria Lúcia. Os dois filhos do casal – Fábio, 14 anos, e Ana Barbara, 13 anos – recebem R$ 45 por mês do Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) para estudar.

Santos e sua família ainda moram em uma favela, ao lado do lixão do Alvarenga. O sonho deles é mudar-se para um apartamento. “Se a gente conseguiu deixar de trabalhar lá, certamente vamos ter a nossa casa.”

Sofrimento – Maria Geralda Candido viveu 13 anos dos seus 43 no lixão do Alvarenga. Há um ano, passou a selecionar resíduos na cooperativa. Ela também está satisfeita com a mudança: “No lixão tinha de trabalhar debaixo de sol e de chuva. O que coletava de manhã vendíamos para ter o que comer no jantar. Era todo dia isso. Hoje a gente recebe por quinzena, estamos ao abrigo do sol e da chuva. É mais sossegado.”

Ela diz que no lixão corria riscos de ficar contaminada. “Eu trabalhava sem proteção, catando lixo com a mão, no meio de produtos contaminados.” Maria Geralda levava suas duas filhas para o Alvarenga. “Fazia uma barraquinha para as meninas e elas ficavam ali embaixo no meio do lixo.”

O pior, ela conta, é quando chovia: “A gente ficava no meio da lama. Foi uma vida bastante sofrida”.

Colaboração – Quem quiser ajudar os ex-catadores do Alvarenga pode levar os resíduos para a sede da cooperativa (rua Batuira, com avenida Robert Kennedy, São Bernardo) ou colocar o lixo reciclável nos ecopontos, espalhados pela cidade. O telefone da Prefeitura 4368-4280 dá a localização dos ecopontos.




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