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Até ex-universitário mora na rua
Valéria Cabrera
Da Redaçao
16/01/1999 | 18:47
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Uma pesquisa realizada em Santo André para quantificar e traçar o perfil dos moradores de rua da cidade identificou entre os 187 cadastrados (163 homens e 24 mulheres) algumas pessoas com alto índice de escolaridade.

Entre eles está o ex-estudante universitário Heroides Aparecido Mendes, que cursou dois anos de Administraçao de Empresas, e um outro, que nao foi localizado pelo Diário, que se formou em um curso técnico.

Apesar de a maioria dos entrevistados - 65% do total ou 123 pessoas - nao ter concluído o ensino fundamental (antigo 1º grau), 22 moradores terminaram a 8ª série, quatro deles começaram o ensino médio (antigo 2º grau) e oito o concluíram. Vinte deles sao analfabetos.

O ex-estudante de Administraçao de Empresas Heroides Aparecido Mendes contou que foi morar na rua por causa do alcoolismo, vício que o levou a ter conflitos com a ex-mulher, e ao desemprego. "Acabei perdendo tudo, minha família, meu apartamento e meu carro."

Isso aconteceu há três anos. "A única alternativa, na época, era morar na rua e beber para esquecer o que tinha acontecido com minha vida." Seu último emprego, contou, foi como gerente de um posto de gasolina.

Durante muito tempo, ele diz que nem se lembra quanto, Mendes afirma ter dormido na rua. "Deitava no local em que me encontrava no final do dia e ficava, debaixo de chuva e frio. Sempre estava bêbado. Comecei a mudar meu comportamento quando conheci o pessoal do Centro de Convivência (espaço mantido pela Prefeitura)."

Ele afirma que há cinco meses, desde que está no Centro, nao bebe nem fuma. "A única coisa em que penso hoje é reconstruir minha vida e, quem sabe, voltar a estudar um dia e reconquistar minha ex-mulher e meu filho."

Ele contou que sua mae ainda é viva e que mora em Santo André, mas que nao quer ir morar com ela. "Sua casa é pequena e nao quero ser mais um peso na sua vida. Quando conseguir melhorar de vida, quero cuidar dela."

Faculdade - Nascido em Sao Paulo, mas criado desde criança em Santo André, Mendes contou que começou a cursar Administraçao de Empresas, na Faculdade Senador Flaquer, em Santo André, em 1980. Dois anos mais tarde trancou a matrícula porque perdeu o emprego e nao podia mais pagar.

Tempos depois, quando sua vida estava restabelecida, nao retornou à faculdade porque casou e teve um filho. "Nao tinha mais tempo e pensava que minha vida já tinha tomado o rumo certo, mas me enganei."

Atualmente, ele participa das oficinas de artesanato e grafite realizadas no Centro de Convivência e faz cestas e enfeites que sao vendidos em feiras realizadas na cidade, que contam com a participaçao da Prefeitura.

Pesquisa - Além do grau de escolaridade, a pesquisa também abordou o tempo em que essas pessoas se encontram na rua, motivos que as levaram a isso, situaçao de saúde, faixa etária, se têm família e filhos, entre outros.

O objetivo do trabalho, segundo a coordenadora do programa de Atençao à Populaçao de Rua, Márcia Ivone Leal de Oliveira, é conhecer o perfil dessa populaçao para criar serviços que possam atendê-los e melhorar a qualidade de vida dessas pessoas. Ela contou que algumas açoes prioritárias já foram traçadas.

Atualmente, a Prefeitura possui apenas um espaço destinado à populaçao de rua, que é o Centro de Convivência de Moradores de Rua, no Parque Miami, onde as pessoas encontram comida, banho e uma cama para dormir.

Elas também participam, caso tenham interesse, de atividades profissionalizantes, como oficinas para confecçao de artesanato, pipas, vassouras e rodos.

Motivos - Segundo Márcia, a pesquisa revelou que o conflito familiar foi o principal motivo que levou essas pessoas para a rua. Em segundo lugar vem o desemprego seguido pelas drogas e bebidas alcoólicas.

Do total de pessoas entrevistadas durante a pesquisa, somente três responderam que moram na rua por opçao.

O trabalho de campo para a pesquisa foi feito nos dias 21 e 22 de outubro do ano passado. Equipes percorreram os pontos de concentraçao de moradores de rua (levantamento feito anteriormente por uma equipe do Programa de Atençao à Populaçao de Rua) e instituiçoes que dao assistência a moradores de rua, como o Centro de Convivência de Moradores de Rua, Albergues, Casa de Recuperaçao Bom Pastor e Casa da Acolhida Santa Gema.

Nesses dias, a populaçao de rua também foi mapeada pelos serviços da rede municipal da saúde. Uma grande quantidade deles, de acordo com Márcia, procura o serviço todos os dias.

Equipes ainda percorreram ferros-velhos, geralmente freqüentados por moradores de rua que vendem objetos encontrados nas ruas para esse tipo de comércio, além de restaurantes da cidade que fazem a doaçao de refeiçoes para pessoas carentes. Pelo menos três restaurantes da cidade fazem esse tipo de caridade.




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