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Morte sem notificação reduz transplantes
Rodrigo Cipriano
Do Diário do Grande ABC
12/07/2003 | 17:33
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A não-notificação de morte encefálica – quando o cérebro deixa de ser irrigado com sangue e a morte é considerada irreversível, ainda que o coração continue a bater – às centrais estaduais de captação de órgãos é apontada como o principal empecilho para aumentar o número de transplantes no Brasil. Segundo o presidente da ABTO (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos), José Medina Pestana, de cada dez mortes encefálicas, momento em que é ideal a retirada da maioria dos órgãos e tecidos do doador, apenas uma é notificada.

O número representa 5.598 doadores de órgãos em potencial na região e nas zonas Leste e Sul da capital que passaram despercebidos aos olhos da Central Estadual de Captação apenas no último ano. O dado é baseado num balanço da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. O levantamento aponta que, neste mesmo perímetro territorial, apenas 94 pessoas doaram órgãos em 2002. O número é ínfimo se comparado com o aumento da fila de espera do grupo de pessoas que aguarda por transplante, estimado em 20% ao ano.

O Ministério da Saúde não tem o número de moradores apenas do Grande ABC que necessitam de transplante de órgãos ou tecidos. No Estado de São Paulo, são cerca de 18 mil. Em âmbito nacional, a demanda chega a 55 mil pessoas. Caso todas as mortes encefálicas fossem notificadas, a fila de espera seria reduzida de forma considerável. Uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) obriga que todo médico notifique a central estadual de órgãos nos casos de morte encefálica. No entanto, o não-cumprimento da norma acarreta apenas uma advertência ao diretor clínico do hospital onde for constatada a negligência.

A Federação Nacional de Médicos admite que muitas mortes encefálicas não são notificadas para as centrais de órgãos, mas se mostra contrária a uma punição severa para os médicos que deixam de fazê-la. “A experiência internacional mostra que o processo de conscientização é mais eficaz do que aquele que se faz valer da obrigação”, disse o presidente da entidade, Heder Murari Borba. O Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo), órgão que regulamenta a profissão no Estado, não quis comentar o assunto.

Para o presidente da federação, o conceito de morte encefálica ainda é recente. A conseqüência é que muitos médicos não o assimilaram até agora ou discordam dele. Reginaldo Carlos Boni, integrante da OPO (Organização de Procura de Órgãos) do Hospital São Paulo, rebateu a opinião de Borba. Para o médico, a morte encefálica é considerada irreversível na medicina há cerca de 30 anos e sua constatação é simples. Ela é constatada primeiro de forma clínica e depois confirmada com uma ultra-sonografia. “Não há motivos para não fazer a notificação”, afirmou.

Conceito – A morte encefálica se caracteriza quando o fluxo sangüíneo no cérebro é interrompido. O quadro é considerado irreversível pela medicina e dá à vítima, geralmente com derrame vascular, tumor no sistema nervoso central ou traumatismo cranioencefálico (que pode ser um tiro na cabeça ou um choque numa batida de carro, por exemplo) apenas uma sobrevida, possibilitada pelo uso de equipamentos e medicamentos específicos. “A notificação deve ser rápida e a retirada de órgãos e tecidos deve ter início antes que o coração deixe de bater, passo subseqüente à morte encefálica. Caso contrário, órgãos como coração, pulmão e rim não podem mais ser transplantados”, afirmou Renato Gomes, vice-presidente da Adote (Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos).




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