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Do rock ao violino; de Manaus a S.Paulo
Paula Fontenelle
Do Diário do Grande ABC
08/03/2007 | 20:14
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Os irmãos Wallace, Washington e Joseana nunca brincaram pelas ruas de Manaus. Seus pais achavam que isso era coisa de criança desocupada. “Sempre me preocupei em encher a mente deles”, diz a mãe, Rita dos Santos, 46 anos. Moradores de um bairro humilde da periferia da capital amazonense, eles experimentaram de tudo: dança, esporte, lutas marciais, mas “nada era nossa praia”, revela Joseana, hoje com 19 anos. Até se depararem com a música, foi quanto tudo mudou.

WallaceA sugestão da mãe de estudar música os encheu de planos e logo decidiram que formariam uma banda de rock. O mais novo, Wallace, 8 anos, seria o baterista; Washington, 16, na guitarra; e Joseana, claro, vocalista. Chegaram, em 2002, no Centro Cultural Cláudio Santoro, do governo do Estado do Amazonas, cheios de energia e expectativas. Joseana já se sentia celebridade, até vir a decepção. A escola só tinha instrumentos diferentes daquilo que eles conheciam. “E agora?”, perguntou a menina. Washington não demorou muito, escolheu o violino e respondeu: “Põe violino aí, quem sabe você gosta”. Para Wallace foi mais difícil, ele queria porque queria ser baterista, mas acabou cedendo e “foi no embalo”, seguindo o caminho dos irmãos.

Três anos e várias aulas mais tarde, o maestro Roberto Tibiriçá,Joseana regente da Orquestra Filarmônica de São Bernardo, foi a Manaus reger a orquestra local. Após um dos ensaios, a violinista búlgara Margarita Chtereva o chamou para uma conversa e pediu que ele ouvisse um de seus alunos. A contragosto – recebe esse tipo de solicitação o tempo todo –, concordou. Lá estava Wallace, então com 11 anos, magrinho, pequeno e tímido. Quando começou a tocar, Tibiriçá ficou hipnotizado e perdeu as palavras. “Caí no choro”, lembra, ainda emocionado. A professora implorou: “Por favor, maestro, leve ele para São Paulo. Eu não tenho mais o que ensinar a esse menino”.

O maestro manteve contato com a família e os irmãos ficaram com idéia fixa de mudar para São Paulo. O pai, chefe de eletricista, pedia calma: “Um dia vou ter condições de mandar vocês para lá”. Tentou a transferência, mas a empresa resistiu. A mãe, dona-de-casa, resolveu, com o apoio do marido, vir para a Capital com os dois mais novos. Hoje, ela tenta alugar um barraco na Estrada das Lágrimas, principal via da favela de Heliópolis, mas com dificuldades porque não conhece ninguém em São Paulo e precisa de um fiador. “É o nosso futuro. No começo, a música era hobby, mas eles pegaram amor. Viemos de mala e cuia”.

Instituto Baccarelli, 29 de janeiro de 2007. Fila de teste para a Orquestra Sinfônica Heliópolis. Lá estavam Joseana e Wallace, nervosos, com violinos em mãos. A irmã, mais desinibida, lembra: “Não foi complicado, deu para passar”. Wallace continua tímido, pequeno, magrinho e raramente olha nos olhos do interlocutor. O menino que emudeceu o maestro não tem ainda consciência do que pode ser no futuro. Tampouco do talento que possui. “Não sei se levo jeito”, suspira, “mas estou tentando”. É um exemplo vivo do que escreveu o filósofo francês André Comte-Sponville, que define a humildade como “uma virtude lúcida, sempre insatisfeita consigo mesma. Ela até duvida que seja uma virtude”. Wallace também duvida, mas vai continuar tentando.



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