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Bairro de S.Bernardo tem só um morador
Adriana Ferraz
Do Diário do Grande ABC
13/04/2008 | 07:05
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O bairro Imigrantes, em São Bernardo, tem dono. Segundo o censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Odair Roberval da Silva, 50 anos, é o único morador em 66,69 quilômetros quadrados de área. Do quintal de casa, o funcionário da Infraero só avista mato, bichos e solidão. Uma rotina de silêncio, quebrada apenas pelos latidos dos cachorros.

“Só posso conversar com eles. Não tem mais ninguém aqui. Para ver gente, tenho de descer a serra ou pagar pedágio para chegar ao Riacho Grande. São 20 quilômetros de distância”, conta.

O isolamento já tem oito anos de duração. Em 2000, Silva fez a mudança para o endereço que nem ele conhece. A casa, construída na interligação das rodovias Imigrantes e Anchieta, não tem número, rua ou CEP. Para chegar lá, só com transporte próprio. Ônibus não passa e carro precisa ter permissão para entrar.

A distância não é opção nem penitência. Faz parte do trabalho. Mesmo solitário, Odair Silva mexe com a vida de muita gente que viaja diariamente entre São Paulo e Rio de Janeiro. É ele quem comanda o equipamento que dita a trajetória seguida pelos aviões que fazem a ponte aérea entre as duas capitais.

De longe, a unidade técnica de aeronavegação mais parece um disco-voador. Em formato oval, chama a atenção de quem viaja com os olhos atentos à natureza. Em meio à vegetação, desperta curiosidade.

“Já atendi pessoas que perguntavam se este era um local de pouso para aviões extraterrestres. Não é. Nem eu sou um deles.”

Do céu, o comando das aeronaves depende das vistorias feitas pelo funcionário. “O trabalho exige que eu faça a checagem de duas em duas horas. Qualquer problema, tenho de avisar o pessoal da Infraero, que passa o controle para outras torres enquanto eu tento consertar. Acabo ficando o tempo todo à disposição do trabalho. Tenho de viver com o celular por perto”, afirma.

Silva é o primeiro civil a assumir a função. Antes, eram os militares que trabalhavam na unidade, mas a distância da família faz com que a maioria desista do emprego. “É muito difícil encontrar alguém para assumir o serviço. Eu mesmo tentei enviar nove pessoas para cá. Era chefe do setor no aeroporto de Guarulhos e, diante da falta de opções, resolvi vir.”

As tentativas anteriores não duravam mais do que dois meses. Pressionados, os funcionários tentavam a mudança, mas logo desistiam diante da falta de tudo. “Aqui não tem como se divertir. Não dá para trazer todos os amigos, ir a um restaurante ou bar para conversar. Nem jogar futebol. Nada. A vantagem é o contato com a natureza, o verde, as cachoeiras”, diz.

Família - Quando deixou ex-mulher e filhos em São Paulo, Silva pensava que iria ficar isolado por dois anos. Já estava separado, mas, mesmo assim, não imaginava ficar tanto tempo sem mulher. Hoje, as horas extras do trabalho lhe causam desconforto. “Ainda não saí da crise dos sete anos. Quero ser transferido, voltar a ter contato com pessoas, comer pãozinho fresco na padaria, viver como todo mundo.”

A solidão é amenizada a cada 15 dias, com visitas de parentes. “Tenho três filhos. A mais velha tem 23 anos e me ajuda a fazer as compras necessárias para que possa sobreviver aqui. Os menores, quando vêm, gostam de andar na mata e ver a cachoeira que tem aqui perto. É bom quando estamos juntos”, afirma.

Faxina - A casa é boa, mas a faxina deixa a desejar. Silva assume que não leva muito jeito para as tarefas domésticas. Limpa o que dá e cozinha o que pode. Ainda aprende na marra as funções de um dono de casa. “Durmo na sala por causa da bagunça do quarto. A cozinha também não é muito bem cuidada. Faço arroz, carne (que compra congelada) e como com pão que asso no forno. Não agüento mais comer pão de forma”, conta.

Na varanda, o descanso é acompanhado pelos bichos. “Minha cachorra Chaliska deu cria. Tem um monte de filhotes por aí. Eles fazem companhia, são os meus amigos no isolamento. Sinto saudades da família, mas gosto do sossego deste momento. Você sabe o que é não ter vizinhos? Não ouvir barulho de carros? Estas, sim, são grandes vantagens”, acrescenta.

Medida inversa - Do outro lado da tabela do IBGE, o bairro Montanhão, em São Bernardo, registra 112.764 moradores. A densidade demográfica é de 9.444 habitantes por quilômetro quadrado. A área mais disputada do município, porém, está em Santa Terezinha, onde 17 mil habitantes brigam por espaço em cada quilômetro quadrado.

Mas engana-se quem pensa que Odair Roberval da Silva tem privilégios por ser único. Além de não ter endereço, linha de ônibus disponível nem para seu transporte e padaria na vizinhança, o zelador da antena da Aeronáutica também não tem acesso a posto de saúde.

“Ninguém da Prefeitura de São Bernardo jamais veio me visitar. Perdi meus dentes no tempo em que estou aqui. É uma dificuldade ir ao médico. Quando sair daqui, a primeira coisa que farei é tratar da minha saúde e, é claro, conversar com as pessoas”, finaliza.



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