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Especialista defende a maconha terapêutica
Raymundo de Oliveira
Do Diário do Grande ABC
15/09/2001 | 17:29
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  Formado pela Escola Paulista de Medicina em 1957, o professor Elisaldo Carlini, 71 anos, é diretor do Cebrid (Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas) e será o primeiro brasileiro a assumir uma das 13 vagas na INCB (Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes). Carlini defende que o Brasil deveria regularizar o uso medicinal do THC (tetrahidrocanabinol), substância encontrada na maconha.

“O uso controlado, em hospital, pode ser bastante útil no tratamento de efeitos colaterais do câncer e a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OMS (Organização Mundial de Saúde) já referendaram o uso medicinal da maconha”, afirmou.

Carlini recebeu convite para assumir um posto na INCB em 1994, mas trocou o convite pelo cargo de secretário nacional da Vigilância Sanitária. Desta vez, o professor afirma que não vai declinar, e que em janeiro segue para Viena, na Áustria, onde funciona a junta. Leia trechos da entrevista:

DIÁRIO – O sr. vai ser o primeiro brasileiro a ocupar um lugar na INCB (Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes), órgão ligado à ONU (Organização das Nações Unidas) que é responsável pelo acompanhamento das convenções internacionais que regulam a produção, comércio e uso de drogas. Como o sr. analisa a indicação e quais as expectativas sobre esse trabalho?
ELISALDO CARLINI – A INCB é um conselho internacional de controle de narcóticos. São 13 membros que são eleitos. A cada cinco anos é feita a eleição, e os países membros indicam seus candidatos. A OMS (Organização Mundial de Saúde) também indica. Eu fui indicado pela OMS, disputei as eleições e fiquei com a segunda vaga disponível. Na realidade, eu já havia sido eleito em 1994 e poderia ter assumido em 1995, mas não quis porque na época tinha aceitado o convite do ex-ministro da Saúde Adib Jatene para ser secretário nacional da Vigilância Sanitária. Eu achei que, do ponto de vista da contribuição para o país, seria mais importante ficar aqui no Brasil como secretário do que ir para Viena (sede da INCB).

DIÁRIO – Desta vez o sr. está disposto a assumir o cargo no INCB, mesmo que venha a receber um novo convite para ocupar um cargo público?
CARLINI – Isso significa que agora eu não tenho pretensão nenhuma, como também não tinha em 1994, de assumir qualquer cargo no governo. Se eu receber um convite oficial para qualquer cargo, de secretário, diretor de uma instituição ou outro coisa, teria de desistir novamente da INCB, coisa que não farei. É uma exigência das Nações Unidas que os membros das instituições internacionais de controle e fiscalização não assumam cargos públicos para evitar conflitos de interesse.

DIÁRIO – Em que consiste o trabalho como membro da INCB?
CARLINI – Ao longo dos anos, os problemas com drogas que causam dependência foram estudados em três grandes convenções internacionais. A primeira, em 1961, sobre drogas narcóticas (que inibem a dor e causam sono); em 1971, sobre as drogas psicotrópicas (que agem para diminuir a ansiedade); em 1988, sobre os precursores para drogas de abuso, por exemplo acetona, que é utilizada no preparo da cocaína e do crack. As Nações Unidos fazem as convenções e os países membros assinam, o que implica na aceitação das regras internacionais para produção, comércio e uso dessas drogas e dos precursores. O Brasil assinou as três.

DIÁRIO – Como é feito o controle e a fiscalização por parte da INCB?
CARLINI – As Nações Unidas fazem ano a ano, todo mês, um controle mundial sobre a produção das drogas, quais os estoques em cada país membro, quanto é importado e exportado, qual o consumo em cada país e como são feitas as prescrições e receitas dessas drogas. Todas essas informações são repassadas pelos países que assinaram as convenções, e com base nisso a INCB faz o controle.

DIÁRIO – Como está a situação do Brasil nesses levantamentos feitos pela INCB?
CARLINI – Nos levantamentos de 1997 e 1998, o Brasil mandou informações. Por exemplo, nos itens sobre drogas que atuam no sistema nervoso central, o caso do amfepramoma, essa desgraça que a mulher brasileira vive se intoxicando para emagrecer; o fenproporex e o mazindol, que são outras drogas usadas para tirar o apetite e causam dependência, e que constam as informações sobre o uso abusivo. Em 1999, o último levantamento disponível, as informações sobre o Brasil são um ponto de interrogação porque o país não enviou os relatórios.

DIÁRIO – Como é a situação do Brasil em relação ao uso de drogas para emagrecer?
CARLINI – O Brasil é acusado de ser um dos maiores consumidores dessas drogas, e não tem controle sobre isso. Em 1995 e 1996, quando estive na Secretaria de Vigilância Sanitária, cheguei a fazer as portarias para iniciar um controle, mas isso foi paralisado.

DIÁRIO – Quais os riscos deste abuso para a população?
CARLINI – O Brasil é um país contraditório porque nós consumimos muitos medicamentos que não precisamos – caso dos emagrecedores – e consumimos muito pouco medicamentos que precisamos mais. É o caso da morfina para aliviar a dor de pacientes terminais com câncer, por exemplo.

DIÁRIO – Qual a responsabilidade dos médicos sobre essa situação?
CARLINI – Todos esses medicamentos têm de ter a receita retida na hora da venda. A posição do Conselho Federal de Medicina é que esses medicamentos só devem ser receitados após cuidadosas análises e para os casos que realmente tenham necessidade. O problema é que não há funcionários da Vigilância Sanitária suficientes para vistoriar o aviamento das receitas e poder saber quais são os médicos que receitam mais esses remédios, por exemplo. As leis brasileiras são eficientes, o que precisa é que sejam obedecidas.

DIÁRIO – O uso de calmantes também é abusivo no Brasil?
CARLINI – O abuso de calmantes que induzem à dependência atingem principalmente as mulheres. Esses medicamentos têm de ter o receituário controlado. Os homens podem ficar nervosos, mas para a mulher, as propagandas são feitas mostrando que elas não podem ter nenhum tipo de nervosismo.

DIÁRIO – Foi feita uma pesquisa recentemente em duas cidades do Grande ABC pela Unifesp sobre o uso de ansiolíticos (tranqüilizantes). O sr. já tem o resultado?
CARLINI – O resultado vai ser publicado logo. O que constatamos é que há um uso imoderado. As mulheres aparecem como principais vítimas destes medicamentos. Encontramos casos em que uma pessoa comprou durante um ano mais de 300 vezes os medicamentos.

DIÁRIO – Como o sr. vê a situação do Brasil em relação ao problema de abuso de drogas?
CARLINI – Com algum temor, mas não como uma tragédia nacional. Em levantamentos feitos com estudantes brasileiros, entre 1987 e 1993, nós verificamos que houve aumento no uso de drogas como cocaína e outras substâncias. Nenhuma providência foi tomada. O pior é que, no ano passado e neste ano, o levantamento não foi feito. Até hoje não foi demonstrado nenhum interesse do governo em saber o que aconteceu de 1993 para cá.




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