As 73 mil famílias atendidas pelo programa na
região terão de se desdobrar para se manter
Diferentemente do prometido para este mês pelo presidente Michel Temer (PMDB), o Bolsa Família não será reajustado em 4,6%. A decisão, reflexo do impacto que a transferência de renda a cerca de 13,2 milhões de famílias pobres brasileiras causaria ao Orçamento da União (algo em torno de R$ 800 milhões), afeta diretamente a vida de 73 mil famílias do Grande ABC, beneficiárias do programa. Em meio à crise econômica e ao desemprego, somado à inflação acumulada nos 12 meses em 3%, os moradores terão de se desdobrar para manter o funcionamento do lar, tendo em vista o poder de compra reduzido.
“A gente já está quase virando vegetariano. O que consigo é comprar aquele saquinho de verdura já quase passada a R$ 1, uma batata, abobrinha. Mistura nem pensar”, revela a auxiliar de limpeza desempregada Ana Paula dos Santos, 36 anos. Moradora do núcleo Fazendinha, no Parque Miami, em Santo André, ela é acompanhada pelo Diário desde 2015, quando conseguiu ter acesso ao Bolsa Família. Desde então, o único reajuste que teve em relação ao benefício recebido para os sete filhos foi no ano passado – o valor passou de R$ 252 para R$ 326.
Ana Paula destaca que devido à alta nos preços dos alimentos e ao fato de os filhos – com idade entre 1 e 16 anos – estarem crescendo, a despesa de itens básicos (arroz, feijão, leite, açúcar, óleo, macarrão) que antes durava todo o mês, agora é suficiente para apenas 15 dias. “Fora isso, eu compro o gás. Mas roupa e calçado nem pensar, somente por doação mesmo”, destaca.
Quem também precisou criar alternativa informal para incrementar a renda familiar foi a manicure Andreiza Alves Ferreira, 36, moradora do Jardim das Oliveiras, em São Bernardo. A mãe de quatro filhos (com idade entre 6 e 15 anos) criou bazar de roupas usadas na garagem de casa. Além disso, ela recebe R$ 241 por mês por meio do Bolsa Família e R$ 300 de pensão alimentícia. “Paguei R$ 70 no gás neste mês. Além disso, tem água, luz e os alimentos básicos para casa, com duas bolachas doces pra eles dividirem entre eles. Pelo menos não pago mais aluguel (R$ 300 por casa de três cômodos)”, observa.
Para a dona de casa Nadiane de Freitas Cordeiro, 29, também do Jardim das Oliveiras, em São Bernardo, os R$ 342 oriundos do Bolsa Família por mês é suficiente para os gastos básicos dos três filhos (com idade entre 2 e 11 anos). “A gente não consegue trabalho nem de faxineira. Fora que está tudo caro no mercado, o feijão, o leite”, acrescenta.
Especialista em políticas públicas da FGV (Fundação Getulio Vargas), Alexandre Akio Motonaga considera que o ideal seria o reajuste do Bolsa Família acompanhar pelo menos a inflação (o IPCA acumulado nos 12 meses é de 3%) para que o consumidor mantivesse o poder de compra. “Sabemos que o cobertor é curto, e também do deficit nas contas públicas, por isso o governante tem de fazer essa escolha terrível e que vai gerar insatisfação sobre um governo com popularidade já em baixa.”.
Desde que o Bolsa Família foi criado, em outubro de 2003, o programa foi reajustado em apenas seis ocasiões: 2007, 2008, 2009, 2011, 2014 e no ano passado, quando teve alta de 12,5%. O valor mínimo do benefício, que começou em R$ 50, hoje é de R$ 85.
O programa federal é destinado às famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, com renda per capita de até R$ 154 mensais.
Benefício não supre demanda na região
Desde que o Bolsa Família foi criado, em 2003, o número de famílias do Grande ABC cadastradas no programa teve alta de 148,59% – passou de 29.393 para 73.068 beneficiários até junho. No entanto, o avanço não significa que a transferência de renda atende 100% dos munícipes em situação de pobreza da região. No mês passado, o governo federal repassou R$ 11,8 milhões às sete cidades, número 9,2% maior do que em 2016.
Com exceção de Santo André, cuja estimativa é que todas as famílias pobres são cobertas pelo programa (24.131 beneficiários), as demais cidades ainda têm de avançar no atendimento, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento Social. O caso mais problemático é o de Mauá, onde apenas 35,8% dos moradores pobres (6.737 famílias) são assistidos pelo programa federal.
Em São Caetano, a cobertura do Bolsa Família é de 48,9% (1.062 famílias), já em Ribeirão Pires chega a 56,6% (2.641 beneficiários). São Bernardo alcançou índice de 76,8% de atendimento às famílias pobres (20.172), enquanto em Diadema a taxa está em 86% (16.279). Situação mais confortável vive Rio Grande da Serra, com assistência a 92,5% da população em situação de pobreza (2.046).
Para compensar a falta de reajuste neste ano, a promessa do governo Michel Temer (PMDB) é a inclusão de 150 mil novas famílias no programa. Conforme estudo do Banco Mundial, divulgado em fevereiro, o Brasil deveria ampliar o investimento no Bolsa Família – de R$ 28 bilhões para R$ 30,4 bilhões – neste período de recessão econômica como forma de evitar o aumento da pobreza.
Prefeituras oferecem programas de transferência
Algumas prefeituras da região, como são os casos de Santo André e de São Bernardo, oferecem programas municipais de transferência de renda para complementar o benefício federal.
O governo andreense considera que poderá haver impacto na cidade, com a necessidade da complementação com outros programas de transferência de renda. O município dispõe do Programa Renda Mínima Municipal, com 226 famílias beneficiadas, que recebem, em média, R$ 65 por mês. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, a cidade já alcançou a meta de atendimento do Bolsa Família.
São Bernardo destacou que os serviços de atenção social têm percebido aumento da demanda por atendimento devido às atuais conjunturas nacional e local. Somente em relação ao Cadastro Único da Assistência Social, foram realizados 2.903 atendimentos para acesso ou permanência em programas existentes em junho. Em âmbito municipal, a Sedesc (Secretaria de Desenvolvimento Social) faz a gestão do Programa Transferência Suplementar de Renda, com total de 150 vagas, sendo 51 famílias ativas.
Considerando o contexto socioeconômico do município, a assistência social de Mauá informou que pretende ampliar a inclusão de famílias em sua base de dados, assim como o acompanhamento dos moradores com as equipes dos Cras (Centros de Referência de Assistência Social) nos próximos anos. A cidade tem 21.471 famílias em situação de pobreza listadas no cadastro único federal. No entanto, apenas 6.737 recebem o Bolsa Família.
Ribeirão Pires se limitou a informar que possui fila de espera pelo programa, sem especificar quantas famílias.
Em Rio Grande da Serra não há programas de transferência de renda municipal. A administração destacou que a fila de espera pode variar de acordo com as vagas que o governo federal dispõe aos municípios.
Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.