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Sem reajuste no Bolsa Família, poder de compra da população cai

As 73 mil famílias atendidas pelo programa na
região terão de se desdobrar para se manter

Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
09/07/2017 | 07:00
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Celso Luiz


 Diferentemente do prometido para este mês pelo presidente Michel Temer (PMDB), o Bolsa Família não será reajustado em 4,6%. A decisão, reflexo do impacto que a transferência de renda a cerca de 13,2 milhões de famílias pobres brasileiras causaria ao Orçamento da União (algo em torno de R$ 800 milhões), afeta diretamente a vida de 73 mil famílias do Grande ABC, beneficiárias do programa. Em meio à crise econômica e ao desemprego, somado à inflação acumulada nos 12 meses em 3%, os moradores terão de se desdobrar para manter o funcionamento do lar, tendo em vista o poder de compra reduzido.

“A gente já está quase virando vegetariano. O que consigo é comprar aquele saquinho de verdura já quase passada a R$ 1, uma batata, abobrinha. Mistura nem pensar”, revela a auxiliar de limpeza desempregada Ana Paula dos Santos, 36 anos. Moradora do núcleo Fazendinha, no Parque Miami, em Santo André, ela é acompanhada pelo Diário desde 2015, quando conseguiu ter acesso ao Bolsa Família. Desde então, o único reajuste que teve em relação ao benefício recebido para os sete filhos foi no ano passado – o valor passou de R$ 252 para R$ 326.

Ana Paula destaca que devido à alta nos preços dos alimentos e ao fato de os filhos – com idade entre 1 e 16 anos – estarem crescendo, a despesa de itens básicos (arroz, feijão, leite, açúcar, óleo, macarrão) que antes durava todo o mês, agora é suficiente para apenas 15 dias. “Fora isso, eu compro o gás. Mas roupa e calçado nem pensar, somente por doação mesmo”, destaca.

Quem também precisou criar alternativa informal para incrementar a renda familiar foi a manicure Andreiza Alves Ferreira, 36, moradora do Jardim das Oliveiras, em São Bernardo. A mãe de quatro filhos (com idade entre 6 e 15 anos) criou bazar de roupas usadas na garagem de casa. Além disso, ela recebe R$ 241 por mês por meio do Bolsa Família e R$ 300 de pensão alimentícia. “Paguei R$ 70 no gás neste mês. Além disso, tem água, luz e os alimentos básicos para casa, com duas bolachas doces pra eles dividirem entre eles. Pelo menos não pago mais aluguel (R$ 300 por casa de três cômodos)”, observa.

Para a dona de casa Nadiane de Freitas Cordeiro, 29, também do Jardim das Oliveiras, em São Bernardo, os R$ 342 oriundos do Bolsa Família por mês é suficiente para os gastos básicos dos três filhos (com idade entre 2 e 11 anos). “A gente não consegue trabalho nem de faxineira. Fora que está tudo caro no mercado, o feijão, o leite”, acrescenta.

Especialista em políticas públicas da FGV (Fundação Getulio Vargas), Alexandre Akio Motonaga considera que o ideal seria o reajuste do Bolsa Família acompanhar pelo menos a inflação (o IPCA acumulado nos 12 meses é de 3%) para que o consumidor mantivesse o poder de compra. “Sabemos que o cobertor é curto, e também do deficit nas contas públicas, por isso o governante tem de fazer essa escolha terrível e que vai gerar insatisfação sobre um governo com popularidade já em baixa.”.

Desde que o Bolsa Família foi criado, em outubro de 2003, o programa foi reajustado em apenas seis ocasiões: 2007, 2008, 2009, 2011, 2014 e no ano passado, quando teve alta de 12,5%. O valor mínimo do benefício, que começou em R$ 50, hoje é de R$ 85.

O programa federal é destinado às famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, com renda per capita de até R$ 154 mensais.

 

Benefício não supre demanda na região

 

Desde que o Bolsa Família foi criado, em 2003, o número de famílias do Grande ABC cadastradas no programa teve alta de 148,59% – passou de 29.393 para 73.068 beneficiários até junho. No entanto, o avanço não significa que a transferência de renda atende 100% dos munícipes em situação de pobreza da região. No mês passado, o governo federal repassou R$ 11,8 milhões às sete cidades, número 9,2% maior do que em 2016.

Com exceção de Santo André, cuja estimativa é que todas as famílias pobres são cobertas pelo programa (24.131 beneficiários), as demais cidades ainda têm de avançar no atendimento, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento Social. O caso mais problemático é o de Mauá, onde apenas 35,8% dos moradores pobres (6.737 famílias) são assistidos pelo programa federal.

Em São Caetano, a cobertura do Bolsa Família é de 48,9% (1.062 famílias), já em Ribeirão Pires chega a 56,6% (2.641 beneficiários). São Bernardo alcançou índice de 76,8% de atendimento às famílias pobres (20.172), enquanto em Diadema a taxa está em 86% (16.279). Situação mais confortável vive Rio Grande da Serra, com assistência a 92,5% da população em situação de pobreza (2.046).

Para compensar a falta de reajuste neste ano, a promessa do governo Michel Temer (PMDB) é a inclusão de 150 mil novas famílias no programa. Conforme estudo do Banco Mundial, divulgado em fevereiro, o Brasil deveria ampliar o investimento no Bolsa Família – de R$ 28 bilhões para R$ 30,4 bilhões – neste período de recessão econômica como forma de evitar o aumento da pobreza.

 

Prefeituras oferecem programas de transferência

 

Algumas prefeituras da região, como são os casos de Santo André e de São Bernardo, oferecem programas municipais de transferência de renda para complementar o benefício federal.

O governo andreense considera que poderá haver impacto na cidade, com a necessidade da complementação com outros programas de transferência de renda. O município dispõe do Programa Renda Mínima Municipal, com 226 famílias beneficiadas, que recebem, em média, R$ 65 por mês. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, a cidade já alcançou a meta de atendimento do Bolsa Família.

São Bernardo destacou que os serviços de atenção social têm percebido aumento da demanda por atendimento devido às atuais conjunturas nacional e local. Somente em relação ao Cadastro Único da Assistência Social, foram realizados 2.903 atendimentos para acesso ou permanência em programas existentes em junho. Em âmbito municipal, a Sedesc (Secretaria de Desenvolvimento Social) faz a gestão do Programa Transferência Suplementar de Renda, com total de 150 vagas, sendo 51 famílias ativas.

Considerando o contexto socioeconômico do município, a assistência social de Mauá informou que pretende ampliar a inclusão de famílias em sua base de dados, assim como o acompanhamento dos moradores com as equipes dos Cras (Centros de Referência de Assistência Social) nos próximos anos. A cidade tem 21.471 famílias em situação de pobreza listadas no cadastro único federal. No entanto, apenas 6.737 recebem o Bolsa Família.

Ribeirão Pires se limitou a informar que possui fila de espera pelo programa, sem especificar quantas famílias.

Em Rio Grande da Serra não há programas de transferência de renda municipal. A administração destacou que a fila de espera pode variar de acordo com as vagas que o governo federal dispõe aos municípios.

 




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