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Filmes de Wim Wenders representam a busca espiritual
Vicki Goldberg
Do New York Times
09/12/2003 | 19:26
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Wim Wenders diz ser o único cineasta na história a ter recebido o doutor honoris causa em Teologia, título que teve de ser aprovado pelo próprio papa. A Igreja Católica decidiu (concordando com alguns críticos) que filmes como Asas do Desejo (1987), Paris, Texas (1984), O Amigo Americano (1977), Kings of the Road (1976) e Alice in the Cities (1974), que tratam de alienação, desligamento e uma falta de identidade, representam a busca espiritual. Em uma recente entrevista em sua galeria em Nova York, ele brincou, dizendo que deve tudo isso a uma “conspiração de monges” que gostam de cinema.

Apesar de seus filmes da década de 90 continuarem a ter recebido prêmios internacionais, nada se comparou ao efeito de Buena Vista Social Club (1999), trabalho que o tornou um grande herói do público de filmes de arte no mundo todo.

Como se tudo isso não bastasse, Wenders, 58 anos, ainda tira fotografias. Em 1986, o Pompidou Center em Paris mostrou seu trabalho e, desde então, ele já apareceu na Bienal de Viena, no Guggenheim Bilbao e em museus e galerias da Austrália ao Japão e EUA.

Algumas de suas fotografias, grandes e bonitas, estão em exposição na Galeria James Cohan na seção Chelsea de Manhattan até 20 de dezembro e em um livro, Pictures From the Surface of the Earth: Photographs by Wim Wenders (Schirmer Art Books).

Há cenários e cidades abandonadas do oeste norte-americano, territórios religiosos em Israel, casas destruídas em Cuba, todas tiradas com uma luz brilhante ou jogadas sob um céu amarelado.

A vida e o trabalho de Wenders são uma série de jornadas, espirituais ou não. “Viajar é a minha profissão”, disse, rindo. “É um estado de graça, estar a caminho de algum lugar e não saber necessariamente onde ele é, mas saber que vale a pena tentar encontrá-lo”.

Nascido em 1945 em Düsseldorf, na Alemanha, uma cidade que foi 80% destruída durante a Segunda Guerra, ele disse que a viagem era uma necessidade na Alemanha pós-guerra. Afinal, sempre poderia haver um lugar melhor...

Os muitos viajantes em seus filmes são homens sem raízes em busca de auto-conhecimento, com um modo de vida que sinaliza poucas perspectivas. Em alguns de seus filmes, eles buscam uma forma de lidar com um mundo dissolvido em imagens.

Wenders se buscou em muitos lugares quando era jovem: ele estudou medicina, psicologia, literatura, e, depois, filosofia.

Durante esse tempo sempre pintava. Também se dedicou ao saxofone. Chegou a declarar uma vez que o rock’n’roll salvou sua vida. A maior parte das partituras em seus filmes acabou rendendo CDs, e muitas foram mais rentáveis que os próprios filmes.

Eventualmente ele freqüentou a faculdade de cinema enquanto escrevia críticas. Pegou em uma câmera de vídeo pela primeira vez para usá-la como ferramenta para suas pinturas, encorajado pelo exemplo de alguns pintores norte-americanos. O resultado foi que o filme simplesmente ofuscou a pintura.

Wenders não acha que foi influenciado por nenhum fotógrafo, apenas por pintores. Apesar de reconhecer que deve muito à atitude de Walker Evans de “recuar para mostrar tudo que o objeto é”. A influência da pintura é evidente em suas fotografias, bem como em seus filmes.

Algumas de suas paisagens têm a grande extensão da paisagem holandesa do século XVII ou de Caspar David Friedrich. Uma se chama Wyeth Landscape, e alguns elementos trazem à mente Edward Hopper, que, segundo Wenders, era “totalmente louco pelo cinema” e cujos quadros cinematograficamente prenunciam a próxima cena.

Wenders considera sua fotografia uma espécie de busca espiritual, assim como seus filmes, mas também busca o espírito dos lugares e as histórias que cada um tem para contar. Suas fotografias são grandes o suficiente para caminhar sobre elas – diversas panorâmicas têm até 4 metros.

“O lugar é uma força motivadora do meu trabalho”, disse. Ele intenciona “deixar os lugares contarem as histórias em vez de impor uma história ao lugar”. A maior parte de seus filmes começa com o local. A narrativa, que ele considera bem mais difícil, quase um obstáculo, vem depois.

Asas do Desejo, um filme sobre anjos melancólicos de Berlim que querem ser humanos, nasceu de uma necessidade de retratar a cidade. Ele disse que se um filme é inspirado por uma paisagem ou cidade, “a história e seus personagens fluem”.

“Eles tomam o centro do palco”, prosseguiu, “e então a paisagem que iniciou a história fica de pano de fundo. Na fotografia, finalmente, eu encontrei uma ferramenta onde poderia honrar essas paisagens e mantê-las no centro do palco, sem serem influenciadas pelos personagens e histórias”.




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