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Eles ficaram frente a frente com a morte e sobreviveram
Willian Novaes
Do Diário do Grande ABC
17/10/2010 | 07:18
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A morte é a única certeza em nossas vidas. Apenas não sabemos a hora e o local. A equipe do Diário ouviu relatos de pessoas da região que já visitaram o ‘outro lado' ou passaram por situação extremamente traumática e por pouco não morreram.

A dimensão desses acontecimentos é única. Cada entrevistado falou de uma maneira que lidou com o episódio. Os depoimentos revelam que alguns encontraram a paz absoluta enquanto estiveram em coma ou no centro cirúrgico. Outros garantem que enxergaram o próprio corpo, como se estivessem acompanhando a movimentação. Em comum, todos carregam a certeza do milagre e agradecem a Deus por estarem vivos.

Para lidar com o fato, cada um dos entrevistados utilizou um método, desde ter mais cuidado com a saúde a enfrentar o problema de frente. A maioria relatou que ainda tem dificuldades em certas situações.

"Essa é uma área que ainda está sendo estudada no mundo todo. Mas já temos alguns resultados interessantes referentes ao transtorno de estresse pós-traumático. Calcule-se que metade das pessoas do planeta passou por um trauma, mas ainda existe um caminho longo pela frente", comenta o professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC Sérgio Baldassin.

O caso mais atual é o dos 33 mineiros resgatados nesta semana de uma mina no Chile. Eles passaram 69 dias soterrados há 700 metros de profundidade. Os médicos chilenos fizeram uma bateria de exames nos operários e não identificaram sinais em relação ao episódio traumático. "Mas eles poderão desenvolver alguma sequela, como alterações gástricas, agressividade e depressão", cita o especialista.

Tiro de 45 no peito - O policial militar B., de 36 anos, foi baleado no peito em Santo André, na véspera de Natal do ano 2000. O episódio ainda não foi deixado para trás mesmo após dez anos, principalmente com a chegada do fim do ano. Ele relembra com frequência do fato e recorda do momento mais angustiante da sua vida com exatidão.

"Quando cheguei ao hospital tudo ficou turvo. Queria andar e respirar e não conseguia, pensei que tivesse morrido. É uma sensação inexplicável. Na verdade eu morri, minha pressão zerou e só pode ser por Deus que eu estou aqui", conta.

"Nos dias em que fiquei em coma, tudo era tranquilo, uma paz absoluta", enfatiza. Após um ano B. voltou para as ruas. "Isso aqui é a minha vida, sei do perigo e pretendo não passar por isso novamente, porque é um sofrimento que ninguém merece."

Segundo Baldassin, cada organismo responde de um jeito. "O mais correto é a busca por um tratamento multidisciplinar", sustenta.

Já a auxiliar de produção Vanessa Maria da Silva, 23, sofreu um choque ao acordar no meio da colisão entre o ônibus em que ela estava e outro. "Na hora só deu para pedir proteção e segurar minha amiga. Não acreditei que não me machuquei, a pancada foi bem na minha direção. Quem viu os ônibus pensava que alguém tinha morrido", relembra Vanessa.

A proximidade de uma tragédia maior deixou a jovem assustada. "Quando desci do ônibus, não acreditava que estava bem. A batida foi muito forte, acabou com a frente do veículo e foi bem na minha frente. Fiquei lembrando da cena por muito tempo", fala.

O gerente de produção Leordino Gomes, 56, recorda de um jardim, com muitas flores e ele caminhando lentamente pelo local. Essas lembranças são das horas em que permaneceu desacordado para a realização da cirurgia no coração, onde foi colocado duas pontes de safena.

"Com certeza foi mais que um sonho, depois fiquei com aquilo na cabeça. Pela minha condição, acredito que foi um aviso para me cuidar e uma chance de viver um pouco mais", diz.

Para o psiquiatra Baldassin, o estresse pós-traumático é relativo, tem pacientes que desenvolvem o transtorno depois de seis meses, mas não há regras e nem dá para saber com antecedência quem pode e não pode ter. "Ainda é um mistério", brinca.

Tragédias arrebatam milhares de espectadores
O desejo por assistir, saber e acompanhar tragédias é típico do ser humano. Desde sempre as pessoas têm esse tipo de fascínio. Na última semana, de cada seis habitantes da Terra, um estava acompanhando o resgate dos 33 mineiros no Chile.

O caso foi divulgado exaustivamente pela imprensa mundial, mais de 1.000 jornalistas de 40 nacionalidades acompanharam o trabalho da cápsula Fênix 2. O ministro da Mineração, Lawrence Golborne, ganhou status de pop star no país andino. E, com certeza os operários que passaram 70 dias soterrados há 700 metros de profundidade também terão muitos espaços no noticiário internacional.

A equipe do Diário passou uma semana na Mina de São José e observou a angústia de centenas de familiares por alguma notícia. Também é possível citar os centenas de curiosos que ficaram durante horas na porta do Tribunal de Justiça de Santana, na Capital, em março, para saber mais informações no julgamento de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, acusados de matar a menina Isabela, 6 anos, em abril de 2008. Outro caso notório foi o sequestro de Eloa Cristina Pimentel, que parou a vida dos moradores do Jardim Santo André, entre os dias 13 e 16 de outubro de 2008. Mas o que explica essas pessoas estarem lá?

Segundo a psicóloga e professora da Faculdade de Medicina do ABC Maria Regina Domingues de Azevedo, o desejo da população de acompanhar estes casos tipicamente violentos é que elas acabam projetando seu lado sombrio nos outros. "Os casos se parecem com o reality show. E, os indivíduos começam a ver que sua vida não é tão ruim assim", informa a psicóloga.

Nos três casos citados acima, os espectadores começaram a querer se transformar em personagens das histórias. Como por exemplo, a agressão sofrida pelo advogado Roberto Podval, que defendia o casal Nardoni. "Elas projetam a vida da outra pessoa nas delas. Como um reflexo que criam sensações", comenta Maria Regina.

Além do acompanhamento presencial, os meios de comunicação e a internet têm papel principal na divulgação. A facilidade por novas informações é uma das revoluções da atualidade. Basta uma bomba ser explodida na Europa para em poucos minutos começar debate sobre o assunto. "É da característica do homem ser atraído pela tragédia", informa.




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