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Inventores lutam pelo direito de criar
Evandro Enoshita
Do Diário do Grande ABC
15/11/2009 | 07:27
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A falta de incentivos para os pequenos inventores reflete no baixo número de patentes internacionais registradas pelo Brasil no ano passado. Segundo dados da Wipo (sigla em Inglês para Organização Mundial de Propriedade Intelectual), o País registrou no período 444 pedidos de patente.

Esse número nos deixa atrás, por exemplo, de Cingapura, que teve 568 requisições. Ou, muito distante, da Coréia do Sul, que deu entrada em 7.908 requerimentos de patente.

Sem apoio governamental, os Professores Pardais tupiniquins precisam ter recursos próprios e utilizar as suas poucas horas livres para transformar sonhos (literalmente) em realidade.

"O inventor brasileiro é um idealista. Aquele que tem uma ideia no cotidiano e trabalha para realizá-la. Mas falta informação e apoio financeiro. O apoio que existe é somente para empresas e associações de ensino", avaliou o presidente da ANI (Associação Nacional dos Inventores), Carlos Mazzei.

Um exemplo, segundo ele, surge na hora do inventor dar entrada com um pedido de registro de patentes. "Não existe uma ampla divulgação, e assim tem gente que acha que indo a um cartório comum consegue fazer isso. Não é assim. É preciso reunir uma série de relatórios e documentos e comparecer a um órgão específico somente para isso", ressaltou

Na opinião de Mazzei, falta ao poder público a noção de que o incentivo aos inventores pode se reverter em grandes benefícios econômicos.

"Acredito que falta a visão de que as ideias podem gerar empregos. Isso não acontece, por exemplo, no Canadá, onde os bancos oferecem linhas de crédito específicas para inventores", ressaltou.

APOSTA - Criador de uma ferramenta "alinhadora de paredes" - uma espécie de carretel que se fixa aos tijolos por meio de suportes -, o assistente de laboratório José Lidio da Silva Santos, 36 anos, conseguiu transformar o seu projeto em realidade apenas após perder o emprego e empenhar todas as suas economias.

"Meu pai era pedreiro, e sempre achei que o esquema de alinhamento de paredes usando uma linha esticada amarrada a um prego poderia ser melhorado. Então, resolvi arriscar. Gastei R$ 15 mil no desenvolvimento do meu produto. Apliquei todo o dinheiro da indenização e vendi um carro", afirmou Santos, que sobreviveu de maio de 2008 a setembro deste ano - período em que esteve fora do mercado de trabalho - apenas com as vendas do alinhador.

Apesar de ainda aceitar encomendas para a sua criação, ele ressalta que é muito difícil para um inventor brasileiro ter um bom padrão de vida apenas com suas invenções. "Se pudesse, gostaria de trabalhar inventando coisas. Ter a minha própria empresa, só para pensar nesses projetos. Mas isso não é possível. Ainda é preciso ter uma atividade paralela."

Em relação aos projetos futuros, Santos segue o coro dos inventores e evita falar muito no assunto. Prefere manter o projeto distante dos olhares oportunistas e curiosos. "É uma ideia que estou tendo para uso em motos. Ainda não é nada concreto, mas eu prefiro não divulgar".

Falta de tempo atrasa projetos

Criador de um sistema que utiliza luzes e sensores para identificar cadeiras vagas em salas de cinemas e teatros, o operador de processos Rafael Aparecido Barros de Melo, 27 anos, levou quatro anos para aperfeiçoar a invenção.

"A ideia surgiu quando fui a uma sessão de cinema e tive dificuldade para encontrar um assento para mim e minha namorada. Entretanto, não tinha conhecimento técnico suficiente e faltava tempo. Fui obrigado a ir atrás de tudo, pesquisar muito, e conversar com muita gente. Isso sempre com o receio de acabar revelando a minha ideia", comentou.

Segundo ele, o mais difícil é tentar conciliar a rotina de trabalho, faculdade e estágio, à vida de pai, marido e inventor.

"Tem dias que eu saio de casas às 6h30 e acabo voltando só às 23h. Em outros, eu trabalho de madrugada e faço estágio pela manhã. Resta muito pouco tempo para pensar em invenções", destacou Melo.

BANCOU TUDO DO BOLSO - Em relação à questão financeira, Melo não destoa de outros pequenos inventores do País ao lembrar da falta de incentivos. "Tive que bancar tudo do meu bolso, porque não existe uma cultura de patrocínio. Cortei despesas e conversei muito com a minha mulher. Mas ela entende, e inclusive me ajuda dando ideias e propondo novas invenções", ressaltou.

Mesmo quando resolve dedicar parte do seu tempo livre à família, ele não se desliga totalmente do mundo dos inventores. "Gosto muito de levar a minha mulher e o meu filho de três meses ao Parque do Ibirapuera, porque lá é sossegado e consigo pensar. É diferente da agitação de um shopping", destacou.

Apesar de se definir como "um curioso, que gosta de procurar e aperfeiçoar", o operador afirma que não se imagina vivendo de invenções em um futuro próximo. "Eu tenho vontade de largar tudo e me dedicar só às invenções, mas ainda não dá para concretizar esse sonho. Enquanto isso, vejo essa vida como um plano, algo para quando me aposentar", pontuou.

Os passos para a obtenção da carta-patente

O primeiro passo para patentear uma criação é fazer uma pesquisa para saber se já existe um produto semelhante. A partir disso, o inventor pode produzir um relatório descritivo, inclusive com desenhos, seguindo padrões do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial). Na sequência, ele deve procurar o órgão para dar entrada em um Depósito de Pedido de Patente.

É preciso pagar uma taxa de R$ 55 para o depósito do pedido, e mais R$ 95 para a expedição da carta-patente. Além dessas taxas, o proprietário do registro paga uma anuidade que varia entre R$ 55 e R$ 1.170. O não pagamento deste valor acarreta a perda do direito de exploração da patente.

O prazo médio de tramitação do pedido é de cinco a sete anos. A patente de invenção tem validade de 20 anos, enquanto a de modelo de utilidade - categoria na qual se enquadra o aperfeiçoamento de produtos - perdura por 15 anos.




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