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A vida às margens do gigante

Esquecidas pelo poder público, pessoas que moram em invasões no entorno Billings destacam dificuldades impostas pelo manancial

Daniel Macário e Yara Ferraz
13/03/2017 | 07:44
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Sentada à beira da Represa Billings, a dona de casa Elizabete Florentino, 56 anos, recorda-se com prazer das lembranças de infância às margens do manancial. “Vinha correndo aqui logo após o almoço para aproveitar a brisa da água.”

Aposentada, Elizabete vive em uma casa no núcleo Pintassilgo, comunidade carente de Santo André que cresceu em um braço do reservatório. Hoje morando em residência de quatro cômodos com mais 11 pessoas, a dona de casa vê na Billings o sustento de sua casa. “Os peixes que pesco aqui na represa são nosso pão de cada dia.”

Acompanhada dos netos Evandro e Edivando, ambos de seis anos, ela repete o ritual a cada dois dias. “Hoje (sexta-feira) mesmo pesquei pouco. Vai dar apenas para o jantar e para sábado (anteontem)”, relata.

Embora tenha sido uma das responsáveis pelo fim da crise hídrica enfrentada pelo Estado, a Billings já não é mais a mesma. “Isso daqui antes era uma abundância total de água”, recorda-se o aposentado Paulo Santana, 66. Natural da Bahia, ele diz já não acreditar mais na recuperação do manancial. “Olha a quantidade de lixo nessa represa. Se a Prefeitura não consegue tirar uma garrafa pet daqui, imagina recuperar a qualidade da água. Já perdi a esperança”, desabafa.

A angústia do aposentado também é vivida por outras famílias. No entanto, desta vez o medo também está relacionado a possíveis desocupações por parte do poder público. “Eles sempre aparecem aqui falando que vão nos tirar do nosso barraco, mas a gente fica até onde pode. Não tenho para onde ir”, relata a diarista Tatiane Lima de Paula, 26, moradora do bairro Recreio da Borda do Campo, localizado em Santo André.

Instaladas de maneira precária, boa parte das invasões irregularidades às margens do manancial ainda encontra dificuldades em adquirir itens básicos, como instalação de rede de água, luz e esgoto. “Água até que conseguimos recentemente, mas o esgoto, infelizmente, vai direto para a represa”, conta a desempregada Rita Carvalho Dumas, 37, moradora do bairro Eldorado, em Diadema.

Há 16 anos, a diarista Raquel Lorentino da Silva, 29, vive às margens da represa no Jardim União, na região do Alvarenga, em São Bernardo. Ela se mudou para a casa que foi construída pelo padrasto há pelo menos 20 anos.

Para ela, a vida nunca foi fácil. Ainda criança, morou no Tatetos, região do Riacho Grande. Foi viver com a família após ser desapropriada. Contudo, ela afirma gostar do bairro hoje.

“É muito bonito e tem tudo perto. No começo não gostava, mas acabei me acostumando. A Prefeitura sempre diz que a gente vai sair, mas eu não acredito mais nisso. Minha irmã foi desapropriada e recebe auxílio-aluguel, mas eu nem isso.”

Além dos pais, Raquel reside no local com o marido e dois filhos, de 1 e 10 anos. Trabalha em fábrica e ganha salário mínimo. Ela cita que um dos maiores problemas do bairro é quando chove.

Apesar de ficar em parte já assoreada da represa, ou seja, coberta de vegetação, as enchentes ainda trazem a água na porta da casa dela.

“Dá muito medo de perder todas as coisas, mas não posso nem pensar em sair daqui. No momento, não tenho para onde ir”, explica.

Mesmo com plano, cidades avançam pouco em esgoto

Apesar de contarem com planos municipais de saneamento, as cidades do Grande ABC ainda não conseguiram universalizar a coleta e tratamento de água e esgoto. A documentação municipal é exigência pela lei federal 11.445/2007.

Santo André conta com o plano desde 2013, o qual prevê diversas ações, entre elas, a universalização da água e do esgoto, além da coleta de lixo e redução de riscos de inundação em enchentes. Porém, o Semasa (Serviço de Saneamento Ambiental de Santo André) assume que os principais gargalos “são as ações para solução dos problemas de abastecimento de água, esgotamento sanitário e drenagem urbana nos núcleos de assentamentos precários”.

Atualmente, a cidade afirma manter o abastecimento em 100% da rede – sendo 2% por caminhão-pipa, onde estão 2.500 famílias/domicílios dos bairros Parque Andreense e Recreio da Borda do Campo – e manter a rede de esgoto em 98% da cidade. “Toda área urbana tem acesso a esta rede”, informou por nota a autarquia.

Em São Bernardo, o plano municipal está em fase de atualização. “A Agência Reguladora dos serviços de saneamento básico do município recebeu recursos do Fehidro (Fundo Estadual de Recursos Hídricos) no valor de R$ 800 mil pra promover a revisão do plano em fevereiro de 2017. A fase é de contratação deste serviço” informou, em nota, a administração.

Conforme a atual gestão, a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico de São Paulo) fornece água potável para aproximadamente 99% da área do município – são 317.528 domicílios atendidos na área regularizada – e a coleta e tratamento de esgoto será incrementada por meio do projeto Pró-Billings.

Mauá também discute em comissão possíveis alterações no plano e organiza planejamento para atingir a meta de 100% de esgoto tratado na cidade. A Sama (Saneamento Básico do Município de Mauá) atua em 130 mil imóveis.

Diadema mantém plano de saneamento lançado em 2011, no qual a previsão para universalizar os serviços de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, drenagem, manejo das águas de chuva, limpeza urbana e resíduos sólidos deveria ocorrer em até 30 anos. A cidade não retornou aos questionamentos do Diário até o fechamento, assim como Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. São Caetano afirma ter 100% do esgoto coletado e tratado.

Para o presidente executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, o planejamento é fundamental para a universalização do saneamento. “Os governantes precisam ter em mente que o plano não é do governo X ou Y, é da cidade. O plano tem de ser respeitado porque é um compromisso a ser cumprido”, pontuou.

Ele cita a necessidade de as cidades agirem antes das invasões e formação das áreas irregulares ocorrerem. “Tem de fazer o planejamento. Se a área vai ser liberada para construção, precisa ser feita a ligação de água e esgoto. A partir do próximo ano, o município que não tem o plano não recebe mais recurso federal. Se a cidade quer dinheiro tem de cumprir as obrigações.”

Órgãos estaduais destacam ações e investimentos às margens da Billings

Criticadas por especialistas por adotar postura “omissa” diante de novas invasões irregulares e pela falta de tratamento de esgoto às margens da Represa Billings, órgãos estaduais rebatem as ponderações feitas por ambientalistas e destacam empenho na manutenção e preservação do manancial.

A Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) destaca a realização do Programa Pró-Billings, desde 2011, que abrange obras para coleta, asfaltamento e tratamento de esgoto por meio de recursos da companhia, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e da Jica (Agência de Cooperação Internacional Japonesa).

No total, o Pró-Billings inclui o assentamento de 100 quilômetros de redes coletoras de esgoto, 44 quilômetros de coletores-tronco e linhas de bombeamento, três EEEs (Estações Elevatórias de Esgotos) principais e 36 EEEs locais, de menor porte. O investimento de R$ 250 milhões beneficiará 250 mil habitantes.

Já o Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia) afirma manter, de forma contínua, a fiscalização de seus terrenos no entorno do reservatório.




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