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A história começa com Robert Clayton Dean (Smith), um advogado brilhante que tem sua vida devassada quando entra involuntariamente em posse de um disquete comprometedor. Ele contém a gravaçao de um assassinato e pode comprometer gente nas altas esferas da política. Políticos interessados em aprovar um projeto de lei que limita as garantias de privacidade das pessoas. Tudo em nome da segurança nacional de um país que se tornou a única superpotência mundial e, por isso mesmo, sente-se o alvo mais visado.
Faz sentido. Mas vocês que entram no cinema para ver "Inimigo de Estado" deixem de fora toda a esperança de assistir a uma discussao aprofundada desse assunto ou de qualquer outro.
Perseguiçoes inevitáveis - Na verdade, Scott dirige apenas um bom thriller, um filme de açao. Que, aliás, tem cenas muito boas mas acaba perdendo tempo demais em seqüências frenéticas e redundantes, como as inevitáveis perseguiçoes de carros. Sao os elementos mais batidos da história: a velocidade, certa pancadaria e ostentaçao tecnológica. Claro, vê-se o tempo todo a espionagem high tech possibilitada por computadores ligados a satélites, aparelhos de escuta à distância, microfones escondidos na sola do sapato, no relógio Rolex ou na caneta Montblanc do protagonista afluente.
Há, também, o charme e a energia de Drill, de longe o melhor personagem da história, vivido por Gene Hackman. Ele é o ex-agente que conhece o sistema "por dentro" e instalou-se num bunker à prova de escuta depois de convencer-se de que deveria lutar contra o monstro que havia ajudado a criar.
Um grande ator é trunfo para qualquer filme, mesmo mediano. Quando tudo parece ameaçado pela mesmice e pela falta de imaginaçao, ele entra em cena. O espectador torce para que permaneça o máximo de tempo possível na tela. E ainda que lute com um roteiro sem sal e diálogos de baixa caloria, consegue deixar a marca de sua passagem. Assim, "Inimigo do Estado" deve muito a Gene Hackman.
Mas nem por isso, Tony Scott consegue assinar um filme realmente bom. Fica-se pensando numa possível comparaçao com "A Conversaçao", um protótipo do gênero, curiosamente estrelado por Hackman. Neste, sobra o que falta a "Inimigo do Estado" - aquela complexidade que faz o espectador sentir-se participante de algo próximo ao real, sensível à verdadeira dimensao daquilo que é retratado, ou seja, o esmagador poderio do Estado em relaçao à fragilidade do indivíduo, tema tao antigo e atual quanto Hobbes.
Mas, e aí é que está o centro da questao, nao fica muito bem discutir a fundo os limites da privacidade pessoal na pátria do individualismo. Esse é um dos mitos mais cultivados da modernidade, a de que a época dos totalitarismos foi definitivamente abolida e que, com o triunfo do livre mercado, a liberdade individual também está assegurada, pois uma coisa é decorrente da outra. Por isso se associou ideologicamente planificaçao estatal a limitaçao de liberdade. Quando essa limitaçao ressurge como raison d'état, no interior mesmo do capitalismo, cria-se um impasse.
Essa dificuldade se encontra na origem mesma de "Inimigo do Estado", mas nao é, compreensivelmente, explorada em todas as suas conseqüências. Afinal, nao passa de entretenimento.
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