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Anos rebeldes ainda resistem
Reynaldo Gollo
Do Diário do Grande ABC
27/01/2001 | 17:56
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Paz, amor, contestação e sexo livre foram marcas profundas da geração que atingiu a fase da consciência na virada dos anos 60 para 70. Os seguidores dos movimentos hippie, do flower power (o poder da flor contra o canhão) e do Paz e Amor queriam mudar o mundo, em busca de uma sociedade melhor. No fim, o velho mundo se mostrou mais teimoso que os jovens daquela época. Continuou inabalável em sua rotação ditada pelo sistema (não o Solar, mas o da sociedade), mas, mesmo assim, ele nunca mais foi o mesmo depois daqueles loucos anos.

“Aquela época deixou alguns ruídos que são perceptíveis até hoje”, acredita Marco Antonio Gianneschi, 47 anos, proprietário do sebo e livraria Poesia e Companhia, na rua Álvares de Azevedo, em Santo André. Ex-hippie confesso, Marco tem uma visão crítica do comportamento no período. Para ele, os ecos do flower power que se ouvem até hoje são a “liberdade de se vestir como achar melhor”, a “ilusão de que se pode decidir alguma coisa nos rumos de sua vida” e alguns “reflexos musicais”.

Entre 1969 e 1970, Marco saiu de casa, mochila nas costas, e visitou duas comunidades alternativas, ambas em Atibaia, interior do Estado. Herbert Marcuse e Escola (literária) de Frankfurt na cabeça, conheceu o modo de vida do plantio para subsistência e a pregação do paz e amor. “Era tudo uma cópia, um reboque do que se fazia nos Estados Unidos. Ficava todo mundo na letargia, esperando as coisas caírem do céu. Rolava experiências com drogas pesadas, tipo picos e cocaína. Caí fora.”

Mas nem toda droga foi inútil. Nessa época, um produto foi marcante para a geração de Marco: o Tetrex APC – “Um dos resultados do amor livre (a liberdade sexual)” –, uma injeção que se tomava para curar blenorragia ou gonorréia (aquelas saudosas doenças sexualmente transmissíveis que se podia curar com um simples antibiótico).

Em 1971, barbudo e cabeludo, Marco entrou para a PUC (Pontifícia Universidade Católica). Sua linha hippie era mais engajada – “mais política e socioeconômica”. Estudou Filosofia, mergulhou em Herbert Marcuse (autor de Eros e Civilação), em Audous Huxley (Admirável Mundo Novo) e Herman Hesse (Sidarta).

Para Marco, não tem nada parecido hoje com o verdadeiro movimento hippie – “Ele cresceu e se auto-extinguiu. Durou de 1968 a 1971. Foi uma ilusão consciente” –, o que tinha como ideal as mudanças de comportamento da sociedade e da ordem econômica. “Ex-hippies foram os principais formadores de grupos radicais como os Panteras Negras (movimento do poder negro norte-americano), o Baader-Meinhoff (grupo terrorista alemão, responsável pelo massacre de atletas judeus nas Olimpíadas de 1972, em Berlim) e os Hell Angels (radicais da filosofia pé na estrada, motoqueiros anti-estabilishment, responsáveis pelo assassinato de um rapaz quando faziam segurança para um show dos Rolling Stones em Altmont).

Outra parte do movimento migrou para o esoterismo. “Como não conseguiram mudar o mundo na prática, partiram para a revolução imaginária”, critica Marco.

Mas para a dona de casa Rosa Maria Bellinghausen Almeida, 46 anos, de uma das mais tradicionais famílias são-bernardenses, a influência esotérica deixou boas marcas naquela geração daquele fim da década das grandes mudanças comportamentais. “Foi uma época de liberdade e contato com a natureza”, diz. No começo dos anos 70, Rosa Maria fez a mais famosa das viagens místicas de então (antes de Paulo Coelho colocar na moda a de Santiago de Compostela): foi para Machu Pichu, no Peru.

Essa filosofia zen, de busca de paz e harmonia, deixou um saldo positivo. “As ONGs (organizações não-governamentais, estilo Greenpeace e SOS Mata Atlântica) de hoje são herdeiras daquele sentimento de querer mudar o mundo, de se fazer alguma coisa por uma sociedade melhor.”

Rosa Maria gosta de pesquisar temas esotéricos, além de praticar ioga e meditação, mas não deixa para trás o lado contestador. “Sempre fica dentro da gente o desejo de mudança.”

A influência daquela época ainda teve forças para contagiar alguns jovens de hoje, que nem sequer foram gerados pela filosofia do amor livre, pois ainda nem eram óvulos naquele tempo. Alexandre Divetta Stasiak, 22 anos, não tinha nem 2 anos quando mataram John Lennon – que já estava sendo esquecido pelo público naquele período. Sua filosofia é a de mochila nas costas e pé na estrada. Se considera hippie, vivendo da venda do artesanato que faz, como bijuterias, bonecos de duendes etc. Já viajou para várias cidades do Brasil. “Vou para onde o vento levar. Onde tem festa, a gente vai.”

Não há tanto choque de gerações como nos casos dos hippies do passado. A mãe não reclama muito. O pai, de vez em quando, questiona se Alexandre vai arranjar um emprego “de verdade”, pagar INSS e se firmar na vida. “Política é uma b....” Curte músicos que já estavam na estrada antes de ele nascer: Zé Ramalho, Alceu Valença e Zé Geraldo. “Não tem nada melhor que uma rodinha com violão e o pessoal em uma praia.” E já aproveita para vender uns badulaques. “Trabalho onde tem festa.”




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