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Loucos por novela
Miriam Gimenes
Do Diário do Grande ABC
04/10/2009 | 07:30
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Não é raro ver uma família sentada no sofá esperando ansiosamente pelo boa noite dos apresentadores William Bonner e Fátima Bernardes. O cumprimento dado pelos âncoras do Jornal Nacional é o sinal de que a novela do horário nobre da emissora vai começar. Assim como a maioria dos brasileiros, que vive essa situação diariamente, a personagem Rose (Camila Pitanga), protagonista de Cama de Gato que estreia amanhã, é louca por novelas.

Sua paixão por teledramaturgia é tanta que os filhos foram batizados com o nome de feras da televisão brasileira: Tarcísio Meira, Glória Menezes, Regina Duarte e Francisco Cuoco.

Embora seja ficção, o tema reflete muito a realidade. Não importa o horário nem a emissora onde seja veiculado o folhetim: quase todas fazem sucesso entre os telespectadores. Alguns chegam a deixar de lado compromissos para ficar com os olhos fixos na tela e acompanhar o destino dos personagens.

E o segredo dos autores para manter essa paixão, segundo a professora e coordenadora do Centro de Estudos de Telenovela da USP, Maria Immacolata Lopes, é o poder que o formato tem de atingir todas as camadas da sociedade. "Em quase cinquenta anos de transmissão diária, a telenovela sempre foi produzida no sentido de provocar identificação com o público de A a Z", explica.

A preocupação em mostrar todos os biótipos é tanta que cada trama compreende de 50 a 100 personagens. Eles são responsáveis por compor núcleos diferenciados: o rico, o pobre, o universitário, o executivo, o doente, entre outros.

Perfil - A princípio, a telenovela era feita exclusivamente para as mulheres. O melodrama era o tema típico dos folhetins. Segundo Maria Immacolata, com a veiculação de Beto Rockefeller, em 1968, o perfil do telespectador mudou. "Contar o cotidiano, o caráter das pessoas e as questões políticas passou a atrair o público masculino", acrescenta. Antes, as histórias eram surreais.

Para o também pesquisador de teledramaturgia da USP, Claudino Mayer, a conquista de audiência se dá também pelo fato de as novelas contemporâneas serem mais ágeis. "Antes, demorava-se uma história inteira para saber o desfecho que a mocinha ia ter, o que era chamado de barriga. O legal é que hoje a cada dia tem uma emoção diferente."

Ele cita como exemplo dessa nova vertente da teledramaturgia Celebridade (2003), Senhora do Destino (2004) - que atingiu altos índices de audiência no Vale a Pena Ver de Novo neste ano -, Belíssima (2005), A Favorita (2008) e a atual Caras & Bocas.

Estilo de vida - Maria Immacolata ressalta que não dá para comparar a audiência das novelas antigas com as atuais. "Não podemos dizer que o interesse pelas tramas está decadente, visto que o estilo de vida das pessoas mudou", acrescenta. Os picos, há duas décadas, chegavam a 70 pontos. Hoje, dificilmente passam dos 50.

Segundo a especialista, o trânsito, o volume de trabalho, os canais de assinatura, outras opções de lazer e até a consolidação da mulher no mercado de trabalho influem para que a opção pelas novelas seja menor. "Muitas variáveis têm de ser analisadas antes de julgarmos as atuais tramas", pondera.

Expressões - Com audiência ou não, a verdade, segundo Mayer, é que os folhetins ainda chamam tanto atenção que são capazes, ainda hoje, de ditar as tendências de moda e decoração. "Até as expressões criadas por personagens, em poucas semanas, podem ser ouvidas nas ruas." A exemplo o ‘não é brinquedo não', gritado pela Dona Jura (Solange Couto), em O Clone, que caiu no gosto popular.

Do rádio para a TV
Lançadas para o mundo em um primeiro momento pelas ondas do rádio, as novelas sempre fizeram sucesso. Sua Vida me Pertence, a primeira versão televisiva, foi exibida em 1951 pela extinta TV Tupi. A trama era transmitida ao vivo e em dias aleatórios.

O pesquisador de teledramaturgia Claudino Mayer conta que durante a transição do rádio para a TV algumas adaptações de linguagem e histórias tiveram de ser feitas. "As produções buscaram inspiração no cinema e em filmes publicitários para compor as primeiras telenovelas", acrescenta.

Para segurar o público, em 1963, decidiu-se então lançar 2-5499 Ocupado, na TV Excelsior, que passava diariamente.

Anos depois, com Beto Rockefeller, de 1968, as tramas deixaram de contar a história de princesas, mocinhas apaixonadas e em cenários nada reais, como castelos e desertos, para mostrar o dia a dia de pessoas normais.

Em 1970 Janete Clair adaptou Irmãos Coragem, antes transmitida pelo rádio. Foi a primeira novela a que os homens assumiram que assistiam.

A partir dessa década a Globo começou a montar seu império no quesito da teledramaturgia, status que mantém até hoje. Rompeu, segundo Claudino, os contratos com empresas que bancavam as produções e seguiu à liderança.

Daí para frente, é fácil lembrar de grandes nomes da dramaturgia que marcaram época: Dancin´ Days (1978), que lançou moda ao longo dos anos, Vale Tudo, O Bem-Amado, Roque Santeiro - chegou a ser proibida pela censura -, Top Model, Tieta, Rainha da Sucata, Mulheres de Areia, A Viagem, A Próxima Vítima, Barriga de Aluguel, O Clone, entre outras, cujos capítulos podem ser revistos no YouTube. Devido ao sucesso no Brasil, quase todas foram exportadas para os quatro cantos do mundo.

‘Assisto a todos os capítulos'
"Comecei a gostar de novela acompanhando minha mãe. Com seis anos, tive a ideia de gravar o primeiro e último capítulos, em VHS. Mas desde Carrossel (1989), gravo a novela toda. A ideia era fazer um Vale a Pena Ver de Novo em minha casa, mas se tornou um hobby. Tem algumas, como Vamp, que já assisti quatro vezes. Hoje já são mais de 120 obras completas em meu acervo. Por saberem que sou colecionador, tem artistas e autores que já me pediram alguns DVDs. Um exemplo é a atriz Júlia Lemmertz."
Márcio Neves, 30, Consultor de RH, de São Paulo




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