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As famílias que o Rodoanel esqueceu
Camila Galvez
Do Diário do Grande ABC
03/04/2011 | 07:08
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As obras do Trecho Sul do Rodoanel na região começaram há quase quatro anos. Um ano após a inauguração, porém, famílias de Mauá e São Bernardo ainda aguardam remoção por parte da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A), responsável pelas intervenções.

No Jardim Oratório, em Mauá, as obras do Complexo Jacu Pêssego, que liga o Rodoanel à Avenida Jacu-Pêssego, na Capital, removeram quase 2.000 famílias. Cerca de 80, porém, continuam ali.

Elas vivem encurraladas entre a rodovia e as obras de conjunto habitacional do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) Oratório, em meio a entulhos de imóveis demolidos. Convivem diariamente com ruas cobertas de lama e medo de assaltos. Nem cartas e contas recebem mais: os nomes das vias se tornaram setores, numerados pela Dersa.

A última vez que técnicos da empresa apareceram por lá, segundo moradores, foi em fevereiro, quando duas famílias deixaram o Oratório. "Eles (Dersa) dizem que está demorando por causa da mudança de gestão. E a gente faz o quê, espera a Prefeitura remover?", questionou Maria de Lurdes Barbosa dos Santos, 34 anos.

No bar que ela administra na antiga Rua Rio Grande não se ouve mais o som do forró que garantia o sustento dos cinco filhos. A família ganhava R$ 3.000 por mês. Hoje, nas ruas quase desertas, mal consegue um salário mínimo.

A comerciante e o marido receberam em março carta da Prefeitura de Mauá que exige a saída imediata das famílias. "Disseram que se a Dersa não remover, eles vão fazer".

A diretora da Associação Amigos do Jardim Oratório, Vânia Buret, confirmou: "A Prefeitura precisa do terreno, pois 100 famílias do Oratório estão no bolsa-aluguel e vaõ para as unidades", explicou.

Barracos

Não são só casas que aguardam pela indenização. Rosangela Gonçalves Sardinha, 38, recebeu proposta de R$ 14 mil pelo barraco na antiga Travessa Imperatriz, onde vivem sete pessoas. "A segunda proposta que a Dersa fez foi de R$ 18 mil. Com isso só consigo comprar outro barraco, mas preciso de uma casa", lamentou.

A irmã de Rosangela, Kátia Maria Gonçalves, 42, vive situação ainda pior. Seu barraco está em cima do córrego e o piso está cedendo. Ela mora com nove pessoas, entre marido, filhos e netos. "Não vou mexer nesse barraco sem saber quando vou embora. O jeito é ir levando". Ela recebeu proposta de R$ 15 mil da Dersa.

Segundo a empresa, as 80 famílias não aceitaram as opções de atendimento oferecidas e, como não estão no eixo da obra, não há prazo para que saiam. A Prefeitura de Mauá foi procurada, mas não se manifestou. O PAC Oratório prevê a construção de 732 unidades habitacionais, entre outras melhorias, ao custo total de R$ 68,2 milhões.

Retomada de obras não reduz transtornos

A segunda fase das obras do Complexo Jacu-Pêssego, ao custo de R$ 87,5 milhões, foram retomadas no dia 15. As pistas farão a ligação entre o Trecho Sul do Rodoanel e a Zona Leste da Capital.

A estimativa é que as intervenções prossigam por mais seis meses. Em Mauá, falta concluir o trevo de acesso à Avenida João Ramalho e construir o retorno na Papa João XXIII.

As obras ficaram paralisadas por dois meses para revisão de contratos. Paradas ou em curso, causam transtornos aos que vivem em seu entorno. Famílias inteiras convivem com a poeira, que agrava problemas respiratórios.

As mais prejudicadas vivem na Vila Carlina, em Mauá. É o caso de Conceição Aparecida Teixeira, 60 anos, que tem um filho de 24 anos com síndrome de Seckel, doença rara que causa retardo de crescimento intrauterino e baixa estatura proporcional, além de retardo mental e anomalias na face, crânio e esqueleto. "Ele é quem mais sofre com o pó. Vira e mexe a gente tem que interná-lo", lamentou.

A casa de Conceição nunca para limpa, e as roupas no varal ficam cheias de poeira. Rastros de uma obra que, para alguns, parece ser eterna.

A vida de mãe e filho em meio ao nada

O imóvel de número 1.859 da Estrada da Pedra Branca, no bairro Montanhão, em São Bernardo, pode parecer abandonado, tal como os que resistem de pé em seu entorno. Entretanto, o portão aberto e a figura de boné e blusão recostada ao muro denunciam: ali vive uma família.

Benedita Gonçalves Pereira Peres, 81 anos, e Flávio Eduardo Peres, 44, são mãe e filho. Moram na mesma casa há 16 anos, quando saíram da Vila Gerty, em São Caetano, a convite do antigo proprietário de uma chácara. No terreno oferecido por ele, sem documentação, ergueram um pequeno imóvel de quatro cômodos.

Há quase quatro anos o tormento chegou: as obras do Trecho Sul do Rodoanel trouxeram caminhões carregados que provocaram enormes rachaduras nas paredes e agravaram os problemas respiratórios de dona Benedita. "A casa ficava cheia de poeira, e a cama tremia quando os caminhões passavam", relembrou.

Desde que a obra começou, mãe e filho aguardam a remoção prometida pela Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A), que pretende implantar na área o Parque Riacho Grande, previsto pelas compensações ambientais.

Viram vizinhos receberem indenizações equivalentes a R$ 400 mil pelas chácaras que habitavam às margens da Represa Billings. Para eles, porém, restaram o isolamento e a insegurança.

A área que antes tinha mais de 20 vizinhos, hoje não tem nenhum. Algumas casas não foram demolidas e, segundo Peres, tem gente entrando para roubar qualquer coisa, de telhas a fiação. Neste cenário, ele abandonou o emprego de vigilante noturno. "Como vou deixar minha mãe sozinha para ir trabalhar?"

Quando vai ao mercado, geralmente após dona Benedita receber a aposentadoria, Peres faz toda a compra do mês de uma só vez. "Aqui perto não tem nem padaria. Não lembro a última vez que comemos pão francês. De vez em quando os pescadores traziam para nós, mas agora até os barcos estão rareando", disse.

Distância

Depois de caminhar por 20 minutos, Peres chega ao ponto de ônibus, na Estrada do Montanhão. Dali é mais meia-hora até o Jardim Silvina, onde faz compras. "Quando chego, ligo pra minha mãe pra saber se ela está bem", garantiu. Depois, é o supermercado quem entrega as mercadorias.

De repente, uma surpresa: o caminhão de lixo da Prefeitura de São Bernardo cruza a estrada deserta e recolhe os sacos plásticos da casa de Peres. "Eles ainda passam por aqui. E o carteiro também. O telefone funciona. E a televisão. São as nossas distrações", comentou.

De vez em quando ele também pesca nas águas da represa. "Quando cheguei, isso era o paraíso. Agora se tornou o inferno". E pior: ele não tem ideia de quando vai sair dali. E nem a Dersa, que afirmou que não há previsão para remover a família.

Parque está prometido para o fim de maio

A Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A), responsável pelas obras do Trecho Sul do Rodoanel, removeu cerca de 80 residências para a implantação do Parque Riacho Grande, localizado em São Bernardo.

A área verde faz parte do convênio de R$ 93 milhões firmado entre a empresa e a Prefeitura como forma de compensação ambiental pela construção da rodovia. Tem 222 hectares de área e investimento total de cerca de R$ 23 milhões.

A Dersa garantiu que a área foi desapropriada em quase sua totalidade, sem especificar, porém, quantas famílias ainda vivem situação semelhante à de Flávio Eduardo Peres e sua mãe, Benedita Gonçalves Pereira Peres.

A empresa afirmou ainda ter cercado o perímetro e dotado o parque de infraestrutura, a fim de doá-lo ao município, responsável pela gestão da área verde. Segundo a Prefeitura, o cronograma prevê que a implantação será realizada até o fim de maio.

A compensação ambiental com São Bernardo também prevê a implantação de mais um parque no município. O Parque Billings ainda precisa, porém, de aprovação da Cetesb para ser viabilizado pela empresa.




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