Setecidades Titulo
Coletor de lixo sonha conhecer a Dinamarca
Danilo Angrimani
Do Diário do Grande ABC
21/09/2002 | 18:22
Compartilhar notícia


Antonio Marcio Antunes, 33 anos, corre 20 quilômetros por dia. Essa meia maratona é feita atrás de um caminhão de lixo. Ele é coletor (o nome moderno para o antigo lixeiro) e ajuda a recolher centenas de sacos de lixo das portas das casas de Mauá. No final do dia, ele e seus dois colegas terão colocado no basculante cerca de dez toneladas de resíduos domésticos.

Em sua corrida diária pelas ruas e calçadas, Antunes enfrenta todo tipo de terreno. O mais traiçoeiro é o chão coberto de pedrisco. Uma freada malsucedida e o coletor pode se esborrachar no chão. Em tempo chuvoso, então, o cuidado precisa ser redobrado.

Enquanto corre para pegar os sacos e atirá-los no caminhão, Antunes sonha com a Dinamarca. Ele tem vontade de conhecer o menor dos países escandinavos. Não é que tenha parentes por lá. Antunes nasceu bem longe da Dinamarca, em Ubá, interior de Minas Gerais. Ele leu um dia uma reportagem sobre aquele país e achou interessante o estilo de vida dinamarquês, sem pobres, nem violência.

Os colegas chamam Antunes de Mineiro, por motivos óbvios. Ele garante que nunca enfrentou moleza na vida. Seu último emprego, antes de virar coletor, foi de coveiro. Uma profissão que lhe deixou imagens inesquecíveis, no sentido amplo do termo. “Um dia nós desenterramos um menino de 13 anos, que havia ficado 47 anos no caixão. Quando nós abrimos a tampa, ele estava inteirinho. Isso eu nunca vou esquecer.”

A melhor época na vida de um coletor de lixo, Antunes ensina, é o final do ano, entre o mês de dezembro e os dez primeiros dias de janeiro. As gorjetas são fartas e vêm acompanhadas por presentes generosos: champagne, vinho, panetone. “Nessa época, ninguém falta.” Os coletores costumam brincar entre eles, dizendo que “o sujeito pode estar doente, com uma perna só funcionando, que vem trabalhar”.

Quem acompanha o trabalho de um coletor percebe que tem morador que mistura vidros quebrados e objetos cortantes no meio do lixo. Se o profissional da coleta não for previdente, acaba com um corte profundo nas mãos.

Outras pessoas, principalmente quando o tempo esquenta, convidam os coletores para tomar água e refrigerante nos bares. “Parece que não, mas muita gente reconhece o nosso trabalho.”

Tem quem trate a profissão dele com preconceito. Antunes não dá bola. Em tempos bicudos, de desemprego e instabilidade econômica, ele tira mensalmente um salário de R$ 650 mais R$ 250 em tíquete alimentação. “Dá para pagar o aluguel e sustentar minha família.”

Biatlo – Casado, dois filhos, ele é do tipo que carrega pedra na hora de descanso. Quando está de folga, pratica biatlo: corre 10 quilômetros a pé e anda mais 20 quilômetros de bicicleta. “Gosto de manter a forma.”

O calendário brasileiro de datas festivas reservou um dia especial para a profissão de Antunes. É o 20 de setembro. Infelizmente, não foi comemorado por ninguém. Nem pelos próprios coletores. Contam-se nos dedos o número de pessoas que sabem o que se comemora em 20 de setembro. O registro da data, no entanto, está lá no Guia dos Curiosos.

O Guia também informa que o 25 de setembro é o Dia do Cadáver Desconhecido, mas essa data só teria validade se essa reportagem tivesse relação com a outra profissão de Antunes. Não é o caso.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;