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Cheiro de BHC continua no terreno da Matarazzo
Elaine Granconato
Da Sucursal de São Caetano
22/09/2001 | 18:32
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O cheiro do BHC ainda presente no terreno da extinta Indústria Química Matarazzo, no bairro Fundação, em São Caetano, funcionou como uma máquina do tempo para José Ienke, 57 anos, e Flávio Maia Coqueiro, 49. Ex-funcionários da indústria, eles voltaram ao local na semana passada, passados 15 anos. “É incrível, mas o cheiro continua o mesmo daquela época”, lembrou Ienke, que trabalhou de agosto de 1980 até o fim de 1986 na Matarazzo, e hoje está aposentado. “A gente tomava banho antes de sair, mas as pessoas não agüentavam o cheiro no trem e no ônibus. Nem eu agüentava.”

Ienke trabalhava com a máquina carregadeira, que pegava o HCH (hexaclorociclohexano), popularmente chamado de BHC, caído no chão. “De três a quatro vezes por dia, entrava no barracão para carregar o produto”, afirmou o ex-operário, que fez questão de dizer que só se livrou “daquele cheiro”, há cinco anos.

“Nos fins de semana, costumava tomar um banho turco na Sauna Imperial para tirar o cheiro do corpo. Porém, como o preço era alto e o salário baixo, deixei de ir lá”, disse Maia Coqueiro, que trabalhou de 1º de fevereiro de 1974 a 15 de janeiro de 1988 na empresa. A área, que até hoje continua contaminada, é de fácil acesso pela avenida dos Estados.

Leucopenia – Além do cheiro impregnado no corpo, e na memória, os ex-trabalhadores, principalmente Ienke, tiveram a saúde seriamente comprometida pelo manuseio direto com o BHC e o cloro – produtos altamente tóxicos –, e o benzeno, comprovadamente cancerígeno. Por volta de 1985, os ex-funcionários foram obrigados a fazer vários exames de sangue. Segundo Maia Coqueiro, a exigência teria partido da Justiça e não da Matarazzo. “Na época, me recordo que apresentei um problema no sangue e fui encaminhado para um médico em São Paulo”, disse. No entanto, ele não mais procurou por um especialista e disse nunca mais ter feito exames de sangue. “Não sinto nada. Acho que está tudo bem.”

Já Ienke confirmou ter problemas de saúde até hoje. “Os exames apontam que os glóbulos brancos estão baixos. Desde aquele tempo, não sou mais a mesma pessoa. Sinto fraqueza diária nas pernas e nos braços, além de cãibras”, afirmou. O aposentado disse ainda que toma injeção de cálcio a cada seis meses e que faz acompanhamento médico semanalmente. A leucopenia é a falta relativa de glóbulos brancos no sangue. O ideal, segundo os médicos especialistas, é de 4 mil leucócitos.

Enterrado – Ienke confirmou à reportagem do Diário que muito BHC foi enterrado no terreno de 250 mil m² das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, que abrigava várias unidades fabris, entre elas, a química. “Fui eu quem joguei e cobri com terra; cumpria ordens”, disse, apontando para o local. “Nem 200 carretas conseguem retirar o BHC da terra”, afirmou.

A fabricação do BHC está proibida no Brasil desde 1985, época em que a Indústria Química Matarazzo foi interditada por determinação da DRT (Delegacia Regional do Trabalho). Exames clínicos constataram que, pelo menos, 30 funcionários do setor de produção de agrotóxicos estavam contaminados. Havia 125 vezes mais benzeno no ar do que o permitido por lei. Em abril de 1984, um trabalhador da empresa, Paulo Mangueira Filho, morreu em decorrência do contato com o produto. A Matarazzo foi obrigada a indenizar a viúva do operário na época.

Empresa – Há quase um mês, o Diário procura a presidente das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, Maria Pia Esmeralda Matarazzo, mas não obteve retorno. A empresa apenas se manifestou, por meio de uma nota enviada por seu advogado, que a Indústria Química começou suas atividades em 1950, e que os produtos fabricados naquela época não eram considerados maléficos à saúde. Pelo contrário, o “BHC era fabricado exclusivamente por encomenda do Ministério da Saúde, que o utilizava no combate ao barbeiro (transmissor do Mal de Chagas). A nota informa ainda que a empresa encerrou a produção e fechou a fábrica em janeiro de 1986. Ienke e Maia Coqueiro foram transferidos para a unidade Cerâmica da empresa após o fechamento da unidade.




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