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Zaíra abriga 20% da população de Mauá
Bruna Gonçalves
Do Diário do Grande ABC
03/10/2011 | 08:17
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Nario Barbosa/DGABC


Uma cidade dentro de outra. Assim pode-se definir o Jardim Zaíra, o bairro mais populoso de Mauá, que abriga em torno de 20% dos moradores da cidade. Conhecido pelas subdivisões, que denominam Zaíra de um a oito, por problemas como enchentes, deslizamentos de terra e pelos diversos morros, o bairro é praticamente residencial.

A Avenida Presidente Castello Branco é a principal do bairro, onde está concentrado vasto e diversificado comércio. Quem vive no Zaíra dificilmente precisa ir até o Centro para comprar algo.

Com quase 76 mil moradores, o bairro já foi tomado pelo brejo, chácaras, fontes de água, com direito até a cachoeira. Essas são as lembranças do comerciante Jaime Anacleto Ramos, 60 anos, que há 40 vive no Zaíra.

"A partir dos anos 1990 é que a migração começou. O valor dos terrenos, comparado aos da região, era muito baratos. Houve crescimento populacional muito rápido na cidade. Pelo menos 80% dos moradores não têm regularização das residências", afirma o proprietário de uma imobiliária.

Hoje, os poucos terrenos que restam estão valorizados. "O metro quadrado é R$ 2.000, enquanto no Centro é R$ 3.800. O valor do aluguel também encareceu", explica Ramos, ao afirmar que a maioria dos moradores é oriunda de outras cidades.

Proprietário de um supermercado, José Domingos, 60, veio de Tapejara, no Paraná. Há 31 anos, mudou para Mauá, após desistir da agricultura. "Tinha parentes em Santo André que falaram sobre Mauá. No começo foi difícil acostumar com a mudança."

Ele, que morava em sítio e cultivava café, algodão, milho e arroz, passou a administrar um supermercado. Na época, o espaço era de 100 metros quadrados, mas passou para 900. Ao todo são quatro lojas, sendo três no Zaíra. Cada irmão cuida de uma.

Para ele, o desafio para o sucesso de supermercado de bairro é a qualidade no atendimento. "O nosso lema é: ‘somos do bairro e você conhece'. Assim aproximamos os moradores, que não precisam se deslocar para outro lugar."

TERMINAL - Construído no local onde funcionava o posto do Corpo de Bombeiros, na Avenida Presidente Castello Branco, o terminal de ônibus ainda divide opiniões. Para muitos, o tempo de espera pelos coletivos diminui. "Antes, era preciso esperar até uma hora. Agora passa em até dez minutos", explica a dona de casa Josefa da Costa, 33. Já para o porteiro Alexandro Antonio Oliveira, 22, a promessa de que iria desafogar o fluxo não procede. "Sempre estão cheios, demoram para passar. O posto dos bombeiros seria muito mais útil, e o tempo de socorro era menor", compara,

Moradora tem orgulho em viver na casa de Chitãozinho e Xororó

O Jardim Zaíra não é palco apenas de tragédias nos períodos de chuva. O bairro também é conhecido por ter abrigado a dupla Chitãozinho e Xororó durante seis anos, antes do sucesso, no início da década de 1970. Eles viveram na Rua 17, hoje a Rua Raimundo Eduardo da Silva.

A dona de casa Francisca Miranda, 60 anos, tem orgulho em morar na casa da dupla - só soube seis anos depois que viveram ali. "Hoje eles são famosos e nem fazem ideia de quem mora na casa que já foi deles." Segundo a moradora, a residência foi totalmente reformada. Ela foi a terceira proprietária após a passagem da dupla.

O serralheiro Almir Emanuel Manente, 53, se lembra dos irmãos descendo a rua vestindo paletós brancos e violão nas costas. "Eles costumavam ir em bares para tocar. Nunca tive muito contato com eles."

Manente, que nasceu no bairro, afirma que naquela época a rua era de terra e tinha apenas três casas, o restante era mato. "Quando chovia, descia aquela água. Foi depois de 1975 que houve uma migração para a o bairro."

Chuva castiga e deixa mortos no bairro

Mauá tem sido a cidade da região mais prejudicada com as chuvas de verão, e o Jardim Zaíra é um dos mais afetados. No início do ano foram cinco vítimas de deslizamentos de terra e uma de afogamento. Apenas uma morte não foi registrada no bairro, mas no Jardim Rosina.

Quem vive no morro do Macuco, onde quatro pessoas morreram soterradas, está apreensivo com a proximidade do período de chuvas. Há uma semana, a cabeleireira Sebastiana Maria de Sousa, 46 anos, montou um salão na garagem de casa. "Tenho medo de que, com as chuvas, o morro venha abaixo e acabe com a minha casa e o meu salão", diz a moradora, que confessa ter "muito medo", já que as autoridades não fazem nada.

A dona de casa Tatiana da Silva, 25, nasceu no morro do Macuco. "Minha mãe conta que, ao chegar aqui, não tinha muitas casas, era só mato. Mas, com o passar dos tempos, começaram a construir as residências nos morros", conta.

A casa de Tatiana não apresenta riscos, mas ela teme pelos outros. "Ficamos apreensivos pelas outras famílias. Aqueles que perderam tudo, só conseguiram ajuda porque foram atrás da administração municipal."

HISTÓRICO - A primeira morte ocorreu no dia 4 de janeiro, quando o garoto Tauã Trindade dos Santos Lima, 11, e sua mãe, Deise Trindade dos Santos, 34, morreram soterrados por um deslizamento no morro do Macuco, no Jardim Zaíra.

No dia 10, o jovem Paulo Santos, 16, e seu vizinho, Antonio Carlos Marosticon, 56, morreram soterrados dentro de casa, também no Macuco.

No dia 18, a aposentada Antonia Avelaneda Grande, 64, morreu afogada na própria residência, que foi invadida pelas águas, na Rua Francisco D'Aoglio, no Jardim Zaíra.

Venha para o Zaíra e ganhe telhas, tijolos e madeira...

Zaíra era o nome da mãe de Chafik Mansur Sadek, que loteou o Jardim Zaíra em meados da década de 1950. Sadek adquiriu as terras que formam o bairro em 1952. Eram terras de João Jorge Figueiredo, industrial do ramo ceramista em Mauá, cuja fábrica ficava na Estrada do Corumbê - atual Avenida Castello Branco -, no caminho do Zaíra.

São 185 alqueires: a gleba A, aprovada em 1956; a gleba B, em 1960. O rural dos tempos da lenha do Corumbê, do carvão e do plantio, vive a fase das olarias, ganha a primeira fábrica de louças do Pilar, nome anterior da cidade de Mauá, e há pouco menos de 60 anos começa a ter ares urbanos de um lugar que se dizia dormitório: viver em Mauá, pegar o trem e trabalhar em outras cidades.

Conversamos em 1976 com Ondina Paiva Silva, que chegou ao Zaíra em 1958. Falamos também com Felício Garcia, já veterano do comércio local. E aprendemos com os pioneiros que o loteador Sadek teve dificuldades iniciais para atrair compradores de lotes. Daí porque ele incentivava as primeiras famílias cedendo material de construção.

Quem comprasse um terreno "naquele fim de mundo" ganhava 5.000 tijolos, 300 telhas, um vitrô, uma janela e uma porta. O material era suficiente para o início de construção de uma casa popular. O Zaíra inicial formou-se em 20 anos. Depois, a partir dos anos 1970 e 1980, o crescimento para os morros e o inchaço atual.

DEPOIMENTO - "A política do loteador era vender barato. O preço de um lote se enquadrava no orçamento de qualquer operário, principalmente porque podia ser adquirido a longo prazo". Tercilio Tamagnini, líder autonomista de Mauá e procurador de Sadek, que ouvimos também em 1976.

"Sadek apenas deixou de doar material de construção aos compradores de lotes porque a procura tornou-se grande. Ele nunca agiu judicialmente para obrigar o comprador a pôr em dia as prestações eventualmente atrasadas." Idem.

HISTÓRIA - No auge do regime militar, o Jardim Zaíra foi manchete pela presença de inúmeras pessoas procuradas pelos órgãos de repressão. Betinho residiu clandestinamente no bairro. Olivier Negri Filho, ex-vereador, e seu pai chegaram a ser presos. Ligados à Igreja, foram eles que, juntamente com outros companheiros, deram guarida a quem ali se refugiava contra a ditadura brasileira. (Ademir Médici)




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