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'Foi um tsunami', contam médicos de Eloá e Nayara
Adriana Ferraz
Do Diário do Grande ABC
27/10/2008 | 08:29
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Eles viveram um autêntico ‘tsunami'. Responsáveis pelo atendimento médico prestado no CHM (Centro Hospitalar Municipal) de Santo André, o secretário de Saúde da Prefeitura, Homero Nepomuceno Duarte, e a diretora do hospital, Rosa Maria Pinto de Aguiar, enfrentaram situações de estresse agudo durante cinco dias. A tensão começou na sexta-feira, dia 17. No início da noite, sob as lentes da imprensa, duas ambulâncias chegaram ao estacionamento com duas menores de idade vítimas do maior caso de cárcere privado da história do País. Eloa Cristina da Silva e Nayara Rodrigues da Silva, ambas de 15 anos, haviam sido baleadas por Lindemberg Fernandes Alves, após a polêmica invasão do apartamento no bloco 24 do conjunto habitacional no Jardim Santo André.

Pela televisão, os médicos recebiam informações ainda desencontradas. Ninguém sabia qual era a gravidade dos disparos feitos pelo seqüestrador. Eloa despertava mais preocupação, por ter sido atingida na cabeça, é claro, mas Nayara também havia sido ferida. O final trágico do cárcere pegou os profissionais de surpresa. A diretora Rosa tinha esperanças de precisar oferecer apenas suporte psicológico às garotas. Duarte acreditava que todos sairiam com vida. De uma hora para outra, os dois se viram à frente de uma situação de trauma e comoção nacional. Além de lutar para salvar as vidas das adolescentes, os responsáveis pelo socorro médico - que contou, ainda, com equipe especializada em neurocirurgia, por exemplo -, tiveram de lidar com a pressão da imprensa, a expectativa da opinião pública, o acompanhamento do Estado e, principalmente, o imaginário popular.

Durante o período, curiosos chegaram a comprar crachás de visitantes, por R$ 100, para tentar chegar perto das pacientes, já tratadas como celebridades pela mídia. Outros inventaram doenças para passar pelo pronto-atendimento e tentar entrar no CHM. "Uma situação, no mínimo, inusitada, que tivemos de controlar com rigidez", dizem. Confira os demais pontos abordados em entrevista exclusiva.

Chegada - O momento mais difícil, segundo a diretora Rosa Aguiar, foi a chegada das ambulâncias com as adolescentes baleadas. "Eu acreditava que elas iriam vir pra cá, andando, apenas para receber atendimento psicológico. Foi um impacto quando vi que estavam baleadas. É uma frustração quando você espera que as pessoas cheguem bem. Cheguei a esbravejar, decepcionada, quando vi o estado da Eloa e mesmo da Nayara, que também despertava preocupação."

Imprensa - "Tivemos de organizar uma relação com a imprensa. Ficamos muito preocupados com a contra-informação, que chegou a acontecer, sobre a morte da Eloa. Deram a notícia errada (o Estado chegou a anunciar a morte). Sabe por quê? As pessoas escutam o galo cantar, mas não sabem aonde. Desde o primeiro momento que a Eloa entrou e a Rosa me disse que o caso era extremamente grave - a gente imaginava que ela não resistiria nem à cirurgia -, as pessoas já diziam que ela estava morta. Mas isso não foi dito por nós", conta Duarte. "Aí, o que acontecia? A família me chamava e perguntava se eu estava mentido, se ela tinha morrido", diz Rosa.

Eloá - A pressão sobre a morte de Eloa foi outro mau momento vivido pela equipe médica. "O Conselho de Medicina normatizou a ordem dos exames necessários para o diagnóstico. Nós seguimos isso à risca, por mais que já tivéssemos elementos clínicos antes. Não podíamos anunciar a morte aos jornalistas sem todo esse procedimento", diz Duarte. "O primeiro exame, por exemplo, atrasou porque a temperatura do corpo dela baixou. Tivemos de aquecê-la novamente. Ao mesmo tempo, lá fora era aquela pressão. Tivemos de ter essa firmeza e só depois de tudo, com o laudo na mão, a Rosa desceu para falar com a família e depois anunciar a morte à imprensa."

Família - "Fui para o Jardim Santo André na quinta-feira e acabei conhecendo a família no momento em que tivemos de atender o pai da Eloa, que passou mal. Todos esperavam que as meninas saíssem bem. As pessoas pensavam que, talvez, ele (Lindemberg) pudesse tentar o suicídio", conta Rosa. Quando Eloa saiu do centro cirúrgico, a mãe dela logo pediu para vê-la. Foi de cortar o coração. Ela dizia que estava lá, que a amava e queria a filha de qualquer jeito. Sou mãe, posso imaginar o sofrimento. Trabalho na Prefeitura há 27 anos, sou muito emotiva, não tem jeito. Por mais que você conheça o estado da paciente, você se apega às mínimas chances, tem sempre a esperança de um milagre."

Pressão - A comoção em torno do caso foi tamanha que as pessoas queriam saber até qual era a gelatina que a Nayara gostava mais de comer. "Foi uma loucura. A Rosa, por exemplo, ficou numa pressão tão grande que quase precisou ser resgatada", afirma Duarte. "A gente tentou preservar as meninas o máximo possível. A Nayara, inclusive, prestou depoimento no hospital, mesmo após a alta, para ser poupada de precisar ficar numa delegacia ou mesmo no Fórum", diz Rosa.

Depoimento - "Eles (policiais) tinham que terminar o inquérito, mas batemos o pé para que isso acontecesse só depois da alta médica. Aí, emprestamos o espaço, tiramos a cama do quarto e colocamos um jogo de sofá no lugar, para que ela não se sentisse de novo como uma paciente. Mas, para mim, essa hora foi a mais estressante", afirma Duarte. "Não era mais responsabilidade nossa, mas imagine se ela tivesse um descontrole emocional e tivesse de ser reinternada? Aí, viria a crítica dizendo que não estava no momento da alta", lembra o secretário. "Quando tudo acabou e gente levou ela lá para vocês verem, foi um alívio. A sensação de dever cumprido."

Nayara - Quieta nos dois primeiros dias de internação, Nayara passou a conversar mais e sorrir na segunda-feira. "Ela pediu para ir ao enterro de Eloa, sim, mas não deixamos. Soube da morte da amiga pelos psicólogos e, apesar de abalada, foi forte", relata Duarte. "As pessoas não tinham idéia de como a Nayara é. Aquela idéia de uma mulherona não é real. Isso tudo é coisa de imagem, de foto no orkut. Quando saiu daqui, era um menina, com um ursinho na mão", comenta Rosa. Segundo os médicos, Nayara queria ser vista para provar que seu rosto estava normal. "Alguém disse que ela tinha perdido um pedaço do nariz, então, quis mostrar para os fotógrafos."

Curiosos - Em meio ao ‘tsunami', curiosos buscavam notícias das maneiras mais inoportunas. "O pessoal estava comprando crachás de visitante por R$ 100. Pegamos também uma pessoa da equipe que tirou uma foto da Eloa, no leito da UTI. Fomos atrás e exigimos que apagasse", diz Rosa. O secretário afirma que até o movimento na emergência aumentou. "Foi na ginecologia, mas quando as mulheres entravam não tinham queixa. Só queriam tentar ver as garotas", lembra Duarte que, apesar de tudo, acredita que o saldo do trabalho, foi positivo.




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