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Mudar hábitos pode acabar com desperdícios
Danilo Angrimani
Do Diário do Grande ABC
21/09/2002 | 17:57
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O ambientalista Maurício Waldman, autor de dez livros, entre eles o Guia Ecológico Doméstico, afirma que a solução do problema do lixo passa por quatro palavras, iniciadas pela letra “R”: reeducar, reduzir, reutilizar e reciclar. “O brasileiro precisa mudar seus hábitos culturais”, afirma.

Geólogo, sociólogo, mestre em antropologia, doutorando em geografia pela USP e com uma tese em andamento sobre os mananciais do Grande ABC, Waldman prevê que São Paulo ficará sem nascentes de água, faz críticas ao projeto do Rodoanel, qualificando a obra de “desastre ecológico sem precedentes”, e avalia que o desperdício de papel “enterra” diariamente 32 mil árvores.

DIÁRIO – Como está a situação do tratamento de lixo em São Paulo?
MAURÍCIO WALDMAN – Ruim. Os últimos dados revelam que mais da metade do lixo do Estado de São Paulo tem como destino final o lixão. E lixão é a deposição de lixo sem qualquer tipo de critério. Em Poços de Caldas, a terceira cidade em arrecadação de Minas Gerais, o lixão fica ao lado de um regato e de uma plantação de batatas. Uma parte ínfima das cidades oferece formas civilizadas de tratamento do lixo. Essas notas, acima de 9, obtidas pelos aterros sanitários do Grande ABC, são exemplares. A região está de parabéns.

DIÁRIO – Qual é o melhor modelo para se tratar de lixo?
WALDMAN – É a gestão integrada: não produzir lixo. Quando se produz menos lixo, se produz menos problema. O brasileiro precisaria reduzir o lixo na cabeça, mudar seus hábitos culturais. Será que eu preciso comprar tomate em lata? Será que eu preciso de tanta roupa de grife? Precisamos repensar nosso modelo de vida. O simples é o mais complexo do mundo, dizia Jung. A solução do problema do lixo passa também pelos quatro erres: reeducar, reduzir, reutilizar e reciclar.

DIÁRIO – Mesmo assim, o brasileiro produz apenas 1 kg de lixo por dia. Bem menos que o norte-americano.
WALDMAN – O norte-americano gera 3,2 kg de lixo/dia, é verdade. Mas nos Estados Unidos, a maioria da população é consumidora. O brasileiro não gera 1 kg, como dizem as estatísticas. Aqui, os consumidores são muito poucos. O problema é essa pessoa que tem acesso ao consumo e produz muito lixo. Você sabe que o que se joga fora de comida, em São Paulo, daria para alimentar 1 milhão de pessoas por dia no café da manhã, almoço e jantar? Enterramos diariamente 32 mil árvores por causa do desperdício de papel.

DIÁRIO – No ano passado, a região conseguiu fechar o lixão do Alvarenga. Qual é a situação dos lixões no país?
WALDMAN – O pior fica em Boa Vista, Roraima, e encontra-se em operação. O que é mais terrível nesse lixão é ver índios macuchis vivendo do lixo. É uma metáfora perversa: quem não serve na nossa sociedade, vai para o lixo. Fiquei surpreso. Conheço mais de 100 lixões no mundo e nunca tinha visto nada parecido. Esse lixão de Boa Vista é clássico: o lixo é jogado a céu aberto, sem estudo de impacto ambiental, com resíduos contaminantes de hospitais. Ao lado se vêem, barracos, crianças descalças, cachorros, naquele modelão típico. Um lugar infernal. Bateu o recorde. Eu tinha visto pobre em lixão, mas índio em lixão nunca tinha visto.

DIÁRIO – O sr. está fazendo a tese de doutorado ‘Ecologia Política dos Mananciais’, especificamente sobre os mananciais do Grande ABC. Qual é a conclusão a que o sr. está chegando?
WALDMAN – Estou concluindo que São Paulo vai ficar sem água por culpa da incúria do poder público. Falo em minha tese dessas chamadas ações populares que loteiam áreas de mananciais sem critério algum. Esse pessoal não deveria ocupar manancial, mas área urbanizada. Por que dar uma de valente para cima do manancial, que não pode se defender? O pior é a sociedade passiva, ninguém se mexe, sem falar dessas pessoas que têm compromisso com a ocupação. Não sei se essa situação é irreversível, mas está se tornando.

DIÁRIO – O Rodoanel pode ser um complicador nesse quadro?
WALDMAN – O Rodoanel é um desastre ambiental sem precedentes. É a pá de cal. Certamente, vai reduzir a produção de água da Billings. Trata-se de um corredor asfaltado, enorme, blindado, impermeabilizado. O Rodoanel vai afetar mais de 60 córregos e riachos na zona Norte, na Cantareira, a maior floresta urbana do mundo. Vai afetar o habitat de bugios. A situação é catastrófica. O pior é que não vai resolver o problema do trânsito. Só vai tirar 20% do trânsito da cidade. É uma mentira para justificar o lucro das empreiteiras. A solução não passa pela construção de um Rodoanel e sim pela descentralização das cidades.




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