O diretor e ator inglês Robert McCrea passou uma temporada no Brasil entre 1990 e 1993, quando dirigiu duas peças, Dinheiro e Fausto, e ainda integrou o elenco do filme Carlota Joaquina, Princeza do Brasil, de Carla Camuratti. Por suas criaçoes teatrais no Brasil, conquistou a admiraçao dos integrantes da Companhia de Teatro Fábrica Sao Paulo. No fim do ano passado, os atores da companhia convidaram McCrea para dirigi-los na peça A Falecida, de Nélson Rodrigues.

Sob a direçao de McCrea e interpretado pelo elenco da Fábrica, o espetáculo fez sua estréia mundial no Festival de Canterbury, na Inglaterra, em outubro, com ótima repercussao de crítica na imprensa local. Depois de uma curta excursao pelo interior do Brasil, ``A Falecida' estréia amanha (07) na Sala Jardel Filho, do Centro Cultural Sao Paulo.

A peça tem como personagem principal a suburbana Zulmira, mulher obcecada pela própria morte, que encara como única forma de transcender a miséria material e espiritual na qual vive. Diante de um marido pobre e desempregado, Zulmira confia na possibilidade de o amante pagar-lhe um enterro de luxo, redimindo-a de uma vida sem brilho.

O futebol, obsessao do marido de Zulmira, a malandragem carioca, explícita na atitude do funcionário da funerária, e mais o oráculo tupiniquim, na figura da cartomante de subúrbio, sao elementos dessa tragédia rodriguiana.

Tragédia que nao dispensa grandes doses de humor, característica nem sempre respeitada na obra do dramaturgo. ``Nao só mantivemos o humor rodriguiano como o representamos de forma muito direta, uma vez que somos um grupo forjado no palco tipo arena, numa linguagem de relaçao muito próxima com o público', comenta o ator Sérgio Audi. Ele ressalta que, embora o texto tenha sido mantido na íntegra, a encenaçao nada tem de solene e inspira-se no estilo das crônicas esportivas do autor ou nas histórias curtas de fatos cotidianos intituladas ``A Vida como Ela É'.

``Na Inglaterra, mesmo representando em português, o público ria e acompanhava com atençao concentrada e entusiasmada', relembrou Audi, que integra a companhia desde sua fundaçao, em 1988, e está no elenco do espetáculo com Luiz Casado Filho, Roberto Rosa e Raquel Tamaio. Juntos, os quatro interpretam nao só os vários personagens, mas também criam com sons e gestos, vozes e corpos, cenários e atmosferas.

A afinidade de linguagem, o chamado teatro físico, foi um dos principais estímulos para a parceria entre diretor e companhia. Vale dizer que teatro físico, na concepçao da companhia, nao se restringe a dois ou três números de acrobacia em cena, como muitas vezes o termo é entendido. ``Trata-se de uma linguagem com a qual os atores criam todas os climas e cenários, com pouquíssimos elementos cênicos', define Audi.

A música é um desses elementos cênicos, bastante utilizada na peça, executada pelos próprios atores. O samba marca o ritmo em A Falecida, ora um samba sensual, ora um batuque marcado, prenunciando a tragédia.

Os quatro atores do núcleo fixo da Fábrica vivem exclusivamente de teatro, o que é pouco comum no País. Sem deixar de investir em pesquisa e qualidade artística, eles se apresentam em escolas, sindicatos e empresas, cujos espetáculos sao previamente comprados pelas entidades. E apresentam-se em praças públicas, geralmente em montagens bancadas por prefeituras.

``Em vez de esperar em salas quase vazias, decidimos levar o teatro até o público', explicou Audi.