Quem manda ali sao os portelenses desde criança - Monarco, Aurea Maria, Guaracy, Tia Eunice, Cabelinho, Jair do Cavaco, David do Pandeiro, Doca, Surica, Casemiro, Argemiro, Casquinha, Serginho Procópio, a velha-guarda da Portela, a quem se juntam outros apaixonados - Cristina Buarque, Zeca Pagodinho, a própria Marisa, Mauro Diniz, Paulinho da Viola (que reuniu os cantores, compositores, ritmistas, instrumentistas portelenses, esteios da escola, num disco, há 30 anos, fazendo nascer a velha-guarda).
O nome desses convidados especiais nao aparece na capa. Paulinho da Viola canta "A Noite que Tudo Esconde", samba de 1952 de Chico Santana e Alvaiade; Cristina Buarque, com sua voz de pastora cevada nas madrugadas das rodas de samba, emociona-se - e a todos emociona - com "Minha Vontade", de Chatim, 1955. Zeca Pagodinho preferiu outro Chico Santana, de 1953, "Lenço", parceria com Monarco.
Mas o espírito do disco resume-se em outras faixas e a emoçao é desmedida mesmo quado se ouve Jair do Cavaquinho cantando a valsa "Eu te Quero", dele e de Colombo, ou Argemiro da Cuíca, acompanhado apenas pelo seu instrumento, no samba "Tentaçao", dele e de Ramon Russo. Essa gente toda é do time de personagens que a indústria cultural abandonou, desprezou, fez por onde esconder, enfiar debaixo do tapete, calar, substituir por pagodeiros de fancaria e outros detritos que tais.
Que tenham a chance de voltar ao disco para mostrar sua arte, grande arte, é motivo de imensas colaboraçoes. Que Marisa, Paulinho e Zeca estejam ali dando seu aval é importantíssimo. Em outros tempos, quando Paulinho produziu o disco que inagurou a velha-guarda, fez coisa parecida: usou seu prestígio para chamar as atençoes para o que lhe dava razao de ser, o que alimentava sua obra, lhe fornecia matéria-prima.
"Tudo Azul" é um disco maravilhoso, carinhosamente elaborado, com cuidados que também sao raros - o encarte oferece até mesmo o ano em que foi composta cada uma das 18 músicas do repertório. A direçao musical de Paulao, violonista de sete cordas, um dos músicos mais importantes da cena do samba, tem o toque de respeito, quase reverência, de quem veste a camisa porque tem passado - como exige Monarco de quem queira vestir a camisa da Portela.
E pode até ser utópico pensar em camisa de escola num tempo em que o samba de quadra foi varrido das agremiaçoes e o desfile é feito para a televisao, sem participaçao popular. Nao importa, a chama está viva e "Tudo Azul" é a prova, a oportunidade rara do contato com a grande cultura popular.
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