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Disco produzido por Marisa Monte resgata emoçao da Portela
Do Diário do Grande ABC
16/02/2000 | 15:39
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Monarco, de monarca, rei do samba, nascido Hildemar Diniz, que foi peixeiro e homem de outros biscates, avisa na faixa de abertura: "Eu sou Portela/ Desde os tempos de criança" - versos de um samba de 1963. Cessem todas as desconfianças. Nao há nada de branco no samba, intromissao oportunista, intençao desconfiável nesse "Tudo Azul" (lançamento EMI) que Marisa Monte produziu, reunindo a velha-guarda da Portela.

Quem manda ali sao os portelenses desde criança - Monarco, Aurea Maria, Guaracy, Tia Eunice, Cabelinho, Jair do Cavaco, David do Pandeiro, Doca, Surica, Casemiro, Argemiro, Casquinha, Serginho Procópio, a velha-guarda da Portela, a quem se juntam outros apaixonados - Cristina Buarque, Zeca Pagodinho, a própria Marisa, Mauro Diniz, Paulinho da Viola (que reuniu os cantores, compositores, ritmistas, instrumentistas portelenses, esteios da escola, num disco, há 30 anos, fazendo nascer a velha-guarda).

O nome desses convidados especiais nao aparece na capa. Paulinho da Viola canta "A Noite que Tudo Esconde", samba de 1952 de Chico Santana e Alvaiade; Cristina Buarque, com sua voz de pastora cevada nas madrugadas das rodas de samba, emociona-se - e a todos emociona - com "Minha Vontade", de Chatim, 1955. Zeca Pagodinho preferiu outro Chico Santana, de 1953, "Lenço", parceria com Monarco.

Mas o espírito do disco resume-se em outras faixas e a emoçao é desmedida mesmo quado se ouve Jair do Cavaquinho cantando a valsa "Eu te Quero", dele e de Colombo, ou Argemiro da Cuíca, acompanhado apenas pelo seu instrumento, no samba "Tentaçao", dele e de Ramon Russo. Essa gente toda é do time de personagens que a indústria cultural abandonou, desprezou, fez por onde esconder, enfiar debaixo do tapete, calar, substituir por pagodeiros de fancaria e outros detritos que tais.

Que tenham a chance de voltar ao disco para mostrar sua arte, grande arte, é motivo de imensas colaboraçoes. Que Marisa, Paulinho e Zeca estejam ali dando seu aval é importantíssimo. Em outros tempos, quando Paulinho produziu o disco que inagurou a velha-guarda, fez coisa parecida: usou seu prestígio para chamar as atençoes para o que lhe dava razao de ser, o que alimentava sua obra, lhe fornecia matéria-prima.

"Tudo Azul" é um disco maravilhoso, carinhosamente elaborado, com cuidados que também sao raros - o encarte oferece até mesmo o ano em que foi composta cada uma das 18 músicas do repertório. A direçao musical de Paulao, violonista de sete cordas, um dos músicos mais importantes da cena do samba, tem o toque de respeito, quase reverência, de quem veste a camisa porque tem passado - como exige Monarco de quem queira vestir a camisa da Portela.

E pode até ser utópico pensar em camisa de escola num tempo em que o samba de quadra foi varrido das agremiaçoes e o desfile é feito para a televisao, sem participaçao popular. Nao importa, a chama está viva e "Tudo Azul" é a prova, a oportunidade rara do contato com a grande cultura popular.




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