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“É preciso lembrar que estamos assistindo a uma novela e, portanto, respeitar os elementos de ficção, as metáforas criadas pelos autores”, diz Elza Ajzenberg, diretora do MAC-USP (Museu de Arte Contemporânea), sede de boa parte das pinturas que são reproduzidas na minissérie escrita por Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira.
No museu paulistano encontra-se, por exemplo, A Negra, tela de Tarsila do Amaral que tem funcionado como ímã de público num período de estiagem na visitação (entre janeiro e março).
Elza afirma que são comuns os visitantes que entram no espaço, vislumbram A Negra e partem sem sequer apreciar outras obras. Comentário constante entre os adeptos desse plano de fidelidade: “então é esse o quadro que apareceu na minissérie!”.
Em vez de militar na oposição, Elza prefere salientar as virtudes de Um Só Coração. Cita as homéricas A Odisséia e A Ilíada para exemplificar que, muitas vezes, a ficção tem a serventia de roteiro para guiar estudos históricos.
Elogia também as representações de Yolanda Penteado (Ana Paula Arósio) e Ciccillo Matarazzo (Edson Celulari). “A novela assinala um alvo certeiro para a cultura moderna brasileira: o papel tanto de Ciccillo quanto de Yolanda para o mecenato das artes”. Na sua opinião, a atuação do casal na ficção funcionaria como um eficaz despertador entre a elite nacional, para que esta invista com mais assiduidade no patrimônio artístico.
O crítico Enock Sacramento, autor de um livro sobre vida e obra do pintor andreense Luiz Sacilotto (1924-2003) e que prepara outro sobre João Suzuki, confessa não assistir a Um Só Coração com a freqüência de um noveleiro. Opiniões, no entanto, ele já tem, a partir do pouco que viu. “Não se trata de um documentário, é uma criação livre que busca referências na realidade. Apesar disso, acho um trabalho importantíssimo por alcançar milhões de pessoas, que podem se interessar pelo assunto e procurar livros e exposições para descobrir mais sobre esse período.”
Fonte – Um período farto de acontecimentos determinantes para a história brasileira, diga-se. Nos planos de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira, Um Só Coração começa nos fatos concernentes à Semana de Arte Moderna, em 1922, e desagua em 1954, ano do quarto centenário da cidade de São Paulo e pelo qual estendeu-se a 2ª Bienal de Arte de São Paulo.
No miolo, foram, estão sendo ou serão descritos eventos como a ruína da Bolsa nova-iorquina em 1929, a crise entre os produtores de café, a Revolução Constitucionalista de 1932 etc.
E, em primeiro plano, o bofete que os modernistas de São Paulo aplicaram na arte brasileira. A principal fonte de consulta dos autores, seja para conhecer o gestual de Anita Malfatti (Betty Goffman), seja para saber qual o desenho das molduras nas exposições de 80 anos atrás, é Denise Mattar, crítica e curadora de retrospectivas de Di Cavalcanti e Ismael Nery, entre outras.
Tudo o que diz respeito a artes visuais e seus criadores em Um Só Coração é submetido ao crivo de Denise. Atualmente, ela tem trabalhado de forma intensa na reprodução do ambiente da 2ª Bienal, evento que arrematará a trama.
Na recriação, está programada a exibição de uma réplica da monumental Guernica, obra de Picasso que foi a jóia da coroa na mostra realizada em 1953 e 1954.
Refazer um Picasso não é por enquanto a maior dificuldade de Denise no trabalho de pesquisa. “Difícil mesmo foi encontrar obras do (pintor) Valdemar Belisário para montar sua exposição na minissérie. Só fui achar alguma coisa com a Secretaria de Cultura de Ilhabela, onde ele morou, que tinha um catálogo completo”.
Produzir esse fac-símile de Guernica poderia ser o desafio mais emocionante, pelo menos? Não. “A maior emoção foi imitar a montagem da exposição da Semana de 22, no Theatro Municipal, que não possui nenhum registro fotográfico. Conseguimos e foi uma coisa fantástica, uma delícia”.
Daqui por diante, o foco também estará na fundação do Masp (Museu de Arte de São Paulo), em 1947, por Assis Chateaubriand (Antônio Calloni), e do MAM-SP (Museu de Arte Moderna), em 1948, por Ciccillo. “Dois dos museus mais importantes da cidade foram erguidos, segundo diz o folclore, num duelo amoroso entre os dois (Ciccillo e Chatô) para conquistar o coração de Yolanda”.
Eis um ponto em que concordam a lenda e o folhetim: só o amor constrói.
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