Mestres pioneiros na confecção dos embutidos, dos salames e dos seus correlatos, muito antes de os alemães desenvolverem as salsichas, nos idos de Cristo os romanos perpetravam um grande bolo de carne apiloada de porco, aromatizada com mirtilos, ou frutinhos silvestres, tudo bem embrulhadinho na própria bexiga do animal. Chamavam o seu produto de Farcimen Mirtatum. No processo de esmagamento, utilizavam um equipamento de metal, batizado de “mortaio”. Claro que nasceu dessa peculiaridade o nome Mortadella.
A iguaria se oficializou em Bolonha, a capital gastronômica da Itália, em um documento de 1376. Posteriormente, no século 17, uma polêmica assombrou a cidade. Acossado pelas reclamações de produtores conscientes que, então, sofriam com as imitações perigosas, em 1661 o cardeal Ranuccio Farnese reuniu um grupo de especialistas e baixou um édito crucial: no texto, se estabeleciam as regras fundamentais de feitura da maravilha, normas que se perpetuaram até a atualidade.
Claro, mesmo por lá existem algumas variações da receita basilar: mas, pelo édito de Farnese, só pode exibir, em seu rótulo, o dístico de Mortadella di Bologna, a iguaria que seguir aqueles princípios.
Composição - Essencialmente, a formulação leva 85% de carne de porco, hoje moída, e 15% de gordura suína em cubinhos. Por ser mais branca, quase translúcida, e mais rija, se usa a gordura do pescoço do bicho. As variações ficam por conta da condimentação – delicadíssima, porém. Sal, pimenta-do-reino, toques de coentro e de noz moscada, eis os temperos comuns. Os regulamentos ainda aceitam enriquecimentos, dos mirtilos dos romanos aos pistaches importados da Ásia Ocidental.
Devidamente comprimida, a massa atravessa um cuidadoso procedimento de cura em etapas diferentes: da estufa úmida a uma espécie de sauna seca. Em qualquer circunstância, a temperatura da forma não pode cair abaixo dos 75 graus. Numa fase derradeira, os volumes, em geral cilíndricos, de grande porte, recebem uma ducha vigorosa de água gelada e se acomodam em longas câmaras de resfriamento, onde amadurecerão e se estabilizarão.
Claro, regionalmente, engenhosos artesãos bolaram outros tipos de mortadela: em Prato, na Toscana, vizinha à Emília-Romagna de Bolonha, se incorpora o alho. Em Amatrice, nos Apeninos, norte do Lácio, além da cura normal, também se recorre a um período de defumação.
Mais, a maravilha, obviamente, se espraiou fora da Itália. Em Portugal e na Espanha a massa contém naquinhos de azeitonas. Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos a proporção de gordura desaba a quase zero. No Brasil desde 1924, um certo Giovanni Ceratti, adequadamente nascido, em 1897, na vila de Castelmassa, fronteira do Vêneto com a Emília-Romanga, em São Paulo fundou, em 1932, o seu frigorífico. Agora em Vinhedo, o frigorífico do saudoso Seu Giovanni tem uma capacidade de produção de cerca de 150 toneladas em cada dia.
Ingrediente obrigatório do recheio dos tortellini, os cappelletti clássicos de Bologna, a mortadela não serve, apenas, para esse consumo indireto, e nem para abrilhantar os sanduíches das melhores padarias. Não. Existem infinitas alquimias em que fulgura como protagonista, conforme provam as duas por mim apresentadas neste domingo – junto, como sempre, das informações nutricionais e das curiosidades de plantão.Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.