Cultura & Lazer Titulo Literatura
O gênero policial cheio de cores de Mário Prata
Especial para o Diário
26/08/2010 | 07:07
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O escritor Mário Prata defende a literatura policial e afirma que sua última novela (Bang Bang, na Globo, entre os anos de 2005 e 2006) não fez sucesso porque não tinha personagens que falavam sozinhas "feito idiotas". Prata, como ele mesmo se define, é um sujeito que já fez de tudo. Como escritor, se envolveu em todos os setores que a atividade pode abordar: teatro, cinema, literatura, televisão. Para ele, escrever é uma profissão séria, como outra qualquer, mas não deixa de ser um grande prazer.

No conjunto de sua obra literária, ele não se restringiu a nenhuma faixa etária, lançou publicações para todas as idades. Como jornalista, trabalhou em diversos jornais e revistas. Foi repórter, cronista, colaborador, resenhista de literatura, contista, articulista e pôde desfrutar do reconhecimento de seu trabalho ao receber vários prêmios.

A partir de 1992, dedicou-se inteiramente aos romances e, a partir de então, publicou um por ano. Como roteirista de cinema ganhou dois Kikitos, o prêmio máximo do Festival de Gramado. Um com Besame Mucho, em parceria com Francisco Ramalho Junior (1987), e outro com O Testamento do Sr. Napumoceno,
filme luso-francês. Entre literatura, teatro e cinema, já recebeu 18 prêmios nacionais e estrangeiros.

Leia a entrevista:

O senhor costuma dizer que ser escritor é uma profissão como qualquer outra. Mas, com certeza, temos muitos leitores neste momento que sonham em poder escrever bem. Qual a dica que o senhor daria a estes nossos leitores?

MÁRIO PRATA - Trabalhem, uai! Leiam, leiam, leiam, leiam. Escrevam, escrevam, escrevam, escrevam. Uma vez, perguntaram ao escritor norte-americano William Faulkner se era difícil escrever. Ele respondeu: "Minha filha, ou é facílimo ou impossível!".

No romance policial Sete Paus, lançado no fim do ano passado, o senhor finalmente assume este gênero, com o qual já tinha flertado em outras obras. Dá muito trabalho ter que criar uma trama tão tensa, sem deixar pistas tão claras do que está por vir?

PRATA - Para mim, escrever romance - policial ou não - é uma novidade e ainda um aprendizado. Já havia escrito milhares de crônicas, uma dezena de peças teatrais, cinco filmes, cinco novelas e umas cartinhas de amor. Só há dez anos comecei a escrever romances. E há cinco, policiais. Estou estudando a literatura policial há cinco anos. E escrevendo, escrevendo, até aprender de vez. Não é fácil, não. Já li 550 livros policiais. Verdade!

Sofreu alguma crítica por escrever um romance policial em um País cuja parte da intelectualidade considera este estilo de narrativa como subgênero?

PRATA - Não. Depois que pessoas como o argentino Borges e Gide confessaram que liam - e muito - e que o Umberto Eco escreveu um grande policial (O Nome da Rosa), este preconceito acabou. A melhor literatura feita hoje nos Estados Unidos, França, Itália, Suécia, Noruega e Inglaterra são livros policiais.

É possível também fazer humor em um romance policial?

PRATA - Eu faço. A ironia sempre esteve ligada aos policiais. Agatha Christie tem aquele humor fino, inglês. Conan Doyle era bem espirituoso com o Sherlock. Dos atuais, Andréa Camilleri tem muito humor. O mesmo pode se dizer do norte-americano Lawrence Block. Antes, o francês/belga Georges Simenon já nos divertia com o investigador Maigret. Se a minha literatura policial tem alguma diferença é na cor. Ela não é noir. É colorida, a ação não é em becos, é a céu aberto. A cidade onde se passa tudo é Florianópolis (SC), onde moro, então ajuda. Veja a capa do último livro, Os Viúvos. Não parece um livro policial. Tem muita cor. É de propósito.

Como autor de novelas, de que maneira você avalia a teledramaturgia atual? As novelas têm perdido espaço no imaginário e na vida das famílias?

PRATA - A novela das nove - que é chamada de novela das oito - tem seis autores fixos que se revezam. Daqui a 20 anos, os que estiverem vivos terão 90 anos. O público de telenovelas também.

As novelas Estúpido Cupido (1976) e Sem Lenço, Sem Documento (1978), e a última Bang Bang (2005), foram novelas de grande sucesso. Você voltaria a escrever novelas?

PRATA - Não. Não é a minha praia. E vou te corrigir: das três que você citou, só o Estúpido Cupido foi um grande sucesso. Bang Bang foi um grande fracasso. E sabe por que? Porque não tinha sofá na casa dos personagens e as pessoas não falavam sozinhas feito idiotas. Pense nisso.

O senhor, que foi criado em Lins, em nossa região, conhece bem esta nossa alma interiorana, com seus sonhos e cultura. Qual a diferença da vida ‘caipira' de seus tempos, com a nossa realidade, hoje?

PRATA - Nada mudou. Hoje tem televisão, internet, as meninas ficam. Mas desde Cristo, antes dele até, sempre existiu o interior, a província, ou seja lá como chamar. O Interior é um estado de espírito, um jeito de ser diferente das capitais. Eu te diria que no Interior a vida é mais interior, mas íntima com você mesmo. Resumo: as pessoas vivem mais, se conhecem mais. Exteriormente mudou tudo em Araçatuba e Lins. Parece que mudou. No filme Cine Paradiso, o Velho, ao se despedir do Jovem que está indo tentar a sorte na cidade grande, diz: "Daqui um ano tu vai voltar aqui e dizer: ‘Nossa, como está tudo mudado!'. E daqui a 30 anos, vai voltar e dizer: ‘Tá tudo igual: Não mudou nada'". É o que eu estou te dizendo agora. Não mudou nada.

O que o senhor guarda, em seu jeito de viver e ser, desta maneira interiorana de lidar com a vida?

PRATA - Guardo tudo. Isso fica enraizado. Acho que o fato de vir morar - há nove anos - em Florianópolis, de uma certa maneira, foi uma volta à província. Ou a saída da cidade grande onde eu não tinha mais nada a fazer. Aqui me sinto bem. Tenho vontade de soltar papagaio e estou colecionando figurinhas do Brasileirão. O tempo aqui vale a pena vivê-lo.

Quais são as imagens, sons, gostos e personagens que guarda da parte de sua vida em Lins?

PRATA - Tudo! É um filme que assisto sempre. A infância e a adolescência - enfim, o passado - é imutável. Você pode mudar o presente e o futuro, mas o passado não tem jeito. Aquelas casas, aquelas pessoas, os padres, os bailes, o violão, o jogo de botão. Tô vendo tudo isso agora, neste momento, na minha frente. Estou em Lins. Na minha frente, na Rua Luiz Gama, 716, a minha casa - dos meus pais - e nas minhas costas o Grupo Escolar onde fiz o primário. Imutáveis, perenes.

Jean Oliveira, repórter da Folha da Região/APJ




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