Esportes Titulo Ex-Ramalhão
Do chão batido para a terra do gelo
Fernando Cappelli
Do Diário do Grande ABC
02/08/2009 | 07:51
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Provavelmente nem mesmo os próprios personagens desta história imaginariam que o salto de milhares de quilômetros que separa os campos da várzea do Grande ABC dos gramados profissionais - e gelados - do Leste Europeu pudesse ser feito de uma vez só. Ironia do destino ou não, as oportunidades apareceram, trazidas pelo atacante Adauto, ex-Santo André, e que desde 2003 atua no futebol desta região do Velho Continente.

Atualmente, Adauto, que também começou nas equipes amadoras do bairro Cata Preta, periferia de Santo André, está no MSK Zilina, da Eslováquia.

Com o passar dos anos, adquiriu respaldo necessário para ser consultor de empresários na busca por novos talentos. E sua identificação veemente com o Grande ABC o motivou a dar oportunidades nos jogadores locais. "Mesmo relativamente longe dos grandes centros do futebol, o Leste Europeu é boa vitrine para os brasileiros. É um mercado barato, de pouca concorrência e que pode ser encarado também como escada para almejar algo melhor em curto período", afirmou o jogador.

As cifras, realmente, estão distantes de pretensões megalomaníacas. Inicialmente, o salário oferecido é de 500 euros, cerca de R$1.300, e o teto entre os maiores clubes é de 5 mil euros (R$ 13 mil).

Mas a possibilidade de driblar o inflado mercado brasileiro e alcançar o Exterior de forma instantânea é considerado o principal fator motivacional que vence qualquer barreira. "A adaptação pode ser complicada. O frio e os costumes assustam um pouco. Há ainda algumas regiões em que o racismo é bem intenso. Mas apresentar bom futebol sempre abre muitas portas. Isso é universal", afirmou Adauto.

SETE SEGUNDOS - Nascido em São Caetano, o atacante Branco, 24 anos, deixou o time amador do João Ramalho, na Vila Rica (Santo André), há seis anos. Passou pelo Slavia Praga, e desde 2006 está no Cherno More, tradicional clube da cidade turística de Varna, na Bulgária.

Em pouco tempo, já entrou para a história do campeonato búlgaro ao marcar o gol mais rápido em todos os tempos da competição, em apenas sete segundos. "É por essas e por outras que não serei esquecido tão fácil por aqui", afirmou de forma irreverente o jogador.

"Mesmo com a rotina totalmente diferente da que estamos acostumados no Brasil, me sinto inserido na rotina búlgara. Estava prestes a largar o sonho de jogar bola quando veio a proposta. O mais interessante é que por aqui as pessoas confiam no seu potencial. Quem tem talento sempre tem oportunidade", comentou Branco, que já disputou três temporadas da Copa da Uefa com o Cherno, foi duas vezes vice-campeão da Copa da Bulgária e caracterizou o futebol do País como veloz e contundente por natureza.

"Todo jogador brasileiro sempre tem o ouro de atuar bem em qualquer circunstância. Ninguém no mundo tem isso igual", ressaltou.

Do Parque Capuava, o meia Danilo Silva, 24 anos, também encarou a empreitada. Após rodar por times como Colorado, Seci, Sacadura Cabral e Leões da Geolândia, foi levado ainda como junior para o Slavia Praga, também ciceroneado por Adauto.

Após seis meses, porém, o jogador passou por problemas particulares e voltou ao Brasil, antes de retomar o caminho da bola na Europa ano passado. Atualmente, está no time checo MFK Banska Bistryka.

"Aquele clima de camaradagem da várzea é algo que fica em nossa essência e não muda. Mas chega uma hora em que é preciso pensar grande. Tive a segunda chance para voltar, e agora as coisas estão mais propícias a dar certo. Enfrentamos muitas dificuldades por aqui. Brasileiro tem fama de chinelinho e tem de trabalhar sempre em dobro para convencer. A língua checa já entendo. O que não dá pra entender mesmo até hoje é esse frio polar que nunca acaba por aqui", brincou o meia.

Conflitos marcam história da região

O panorama esportivo no Leste Europeu vive de altos e baixos devido à própria natureza de conflitos civis e separatistas do local. Historicamente, muitas potências esportivas se dissolveram, como a Checoslováquia, Iugoslávia e a União Soviética, e isso também se refletiu diretamente no âmbito do futebol. Nesses momentos, a superação dos atletas comumente toma características simbólicas, que sempre se desdobram em exemplos de superação.

O Leste Europeu teve jogadores históricos, casos de Puskas (Hungria), Hagi (Romênia) e Stoichkov (Bulgária). Em títulos continentais, a região foi campeã com a União Soviética, em 1960, e com a Checoslováquia (1976). Nos dias de hoje, o futebol da região é considerado de nível mediano, e se caracteriza basicamente pela velocidade das jogadas e truculência dos sistemas de marcação. A seleção local melhor ranqueada pela Fifa atualmente é a Rússia, na sexta colocação. A República Checa é a 21ª, a Bulgária a 23ª e a Eslováquia a 43ª.

Atualmente, a região é formada por Albânia, Bielorrússia, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, República Checa, Croácia, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Hungria, Kosovo, Letônia, Lituânia, Macedônia, Moldávia, Montenegro, Polônia, Romênia, Rússia, Sérvia, Ucrânia.

Adauto foi o brasileiro pioneiro no futebol da República Checa

O atacante Adauto foi artilheiro da Copa São Paulo de Juniores em 2000, pelo Santo André, e campeão brasileiro pelo Atlético-PR (2001).

Após sair do Brasil, teve passagens discretas pelo futebol espanhol (Sporting Gijón) e alemão (Bayern Leverkusen), até chegar ao Slavia Praga, da República Checa, como primeiro jogador brasileiro transferido para o futebol do País.

Mesmo com o forte choque cultural, Adauto aos poucos se firmou como destaque no campeonato nacional e causou alvoroço na mídia. Foi capa de inúmeras publicações, que chegavam a compará-lo com ídolos do calibre de Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo Fenômeno.

Ainda em 2003, recebeu a Rosa de Cristal de Bohemia, como melhor jogador do campeonato checo, e primeiro não europeu a ser condencorado com o prêmio.




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