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Vigilância eletrônica de presos causa polêmica e desconfiança
Adriana Ferraz
Do Diário do Grande ABC
20/04/2008 | 07:29
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Polêmica e controversa. A nova lei estadual que autoriza o Estado de São Paulo a monitorar condenados pela Justiça de maneira eletrônica, a partir de pulseiras ou tornozeleiras que emitem sinais via satélite, causa desconforto entre familiares de presos, membros da Igreja Católica e representantes do CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária), que acusam o governo de sancionar projeto inconstitucional.

Assinada pelo governador José Serra (PSDB) na última segunda-feira, a lei 12906/08 estabelece o uso do equipamento para condenados em em liberdade condicional, prisão domiciliar, saída temporária (cedida em feriados, por exemplo) e regime semi-aberto. O objetivo, segundo o deputado estadual e autor do projeto, Baleia Rossi (PMDB), é contribuir para a redução da reincidência criminal.

O governo de Minas Gerais também já manifestou interesse em experimentar o rastreador, dentro de dois meses, em detentos em indulto.

Mas, segundo o presidente do CNPCP, Sérgio Salomão Shecaira, a decisão de vigiar parte da população penitenciária de São Paulo não cabe à esfera estadual. “A inconstitucionalidade é gritante. Compete à União legislar sobre direito penal e direito processual.”

O colega de conselho e corregedor da Defensoria Pública do Estado, Carlos Weis, classifica a lei como “o big brother penitenciário”. Em artigo, o jurista afirma que o monitoramento eletrônico expõe publicamente a pessoa processada ou condenada criminalmente, reforçando o estigma que impede a integração social.

Ao mencionar a situação econômica dos presos no Brasil – majoritariamente pobres –, Weis reforça que a vestimenta dos condenados em regime semi-aberto não lhes possibilitaria ocultar o dispositivo. “O traje usual é sandália de borracha, bermuda e camiseta, perfil que não torna adequado, no Brasil tropical, o uso público do sistema”, diz o artigo enviado pela Pastoral.

A Igreja ainda não se manifestou oficialmente sobre a aprovação da vigilância, mas católicos atuantes nos presídios mostram, ao menos, desconfiança. Na porta do CDP (Centro de Detenção Provisória) de Santo André, agentes da pastoral comparam o equipamento eletrônico a uma antena. “Para que serve? Para facilitar a vida do povo, que já sofre com a reclusão, ou para facilitar as decisões da Justiça?”, pergunta Antônio Santos.

A necessidade de esvaziar os presídios estaduais, que hoje somam 140 mil presos, pode levar às ruas, segundo cálculo do governo, cerca de 20 mil condenados com pulseiras ou tornozeleiras eletrônicas. Uma população que poderá ser reconhecida em atividades simples do dia-a-dia, como entrar em uma agência bancária, que possui detector de metais, ou passar por exame médico para admissão de emprego.

“Meu marido não é cachorro para usar coleira. Isso tira a liberdade das pessoas que já foram presas. O governo acha que pode tratar todos como bicho, mas não pode. São seres humanos”, reclama B.A., 17 anos.

Para especialistas, não se pode garantir segurança pública ferindo direitos individuais. O secretário-geral do Condepe (Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana), do Estado, Ariel de Castro Alves, ressalta que o preso deve ter a opção de colaborar ou não com o monitoramento eletrônico. “Se existe a opção de escolha, esta é uma medida interessante. Se for obrigatória, é ilegal e inconstitucional, já que a lei não permite nada que gere constrangimento à pessoa humana”, afirma.

As dúvidas em relação à aplicação do sistema só serão sanadas com a regulamentação da lei, a cargo do governador. Não se sabe, por exemplo, qual o tamanho (estima-se que tenha cerca de 3 dedos de largura) do dispositivo nem se ele será colocado no braço ou na perna. Há, ainda, perguntas relacionadas à aprovação do sistema pela Justiça e pelo Ministério Público. Apesar de o governo afirmar que o preso poderá escolher em aceitar ou não, o deputado Rossi explica que a autorização é automática.

 “Ao requerer a liberdade provisória – em regime semi-aberto ou condicional, por exemplo –, o preso está autorizando o monitoramento. Está subentendido no pedido. Se não quiser, não terá liberdade temporária nem direito a indulto. O objetivo do projeto é proteger a sociedade”, diz.

A vigilância já é usada nos Estados Unidos, na Inglaterra, Austrália e na Argentina, primeiro país da América Latina a implementar a política de controle eletrônico. Em São Paulo, ainda não há previsão para o sistema ser colocado em prática. O CNPCP promete entrar com ação de inconstitucionalidade contra a lei.



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