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Morador restaura relógios antigos no Jd. Maria Cecília
Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
26/07/2014 | 08:59
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Denis Maciel/DGABC


O Jardim Maria Cecília está localizado no km 22 da Via Anchieta, em São Bernardo. Formado em sua maioria por residências, os atuais habitantes têm forte relação com a indústria automobilística ainda presente na região.

Um deles é o metalúrgico aposentado Cézar Lívio, 71 anos, conhecido como Carioca do Relógio. Ele se mudou para o bairro por conta de um emprego em montadora e atualmente se dedica a consertar relógios, além de colecionar rádios.

“Nasci em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, e trabalhava em uma tecelagem por lá. Em 1965, vim para Santos em uma excursão e subimos a Via Anchieta. Quando vi todas essas fábricas de automóveis, falei: ‘quero trabalhar aqui’”, relembrou.

Carioca mandou currículos para a Ford e a Simca do Brasil (Sociedade Anônima Industrial de Motores, Caminhões e Automóveis), sendo aceito para o setor de contabilidade nesta última. Na época, a empresa, que foi comprada pela Chrysler em 1967, contava com 2.300 funcionários.

Após a aposentadoria, em 1991, ele adquiriu outra habilidade: a restauração e construção de relógios. Para fazer os objetos funcionarem novamente, usa técnicas inusitadas. “Muitos relógios e rádios de madeira estão infestados por cupins. Para tirar, ponho no congelador e os bichos morrem, deixando a madeira bem limpa.” Ainda mais diferente é uso de uma aranha, que ele guarda em uma caixa de fósforos, para comer os cupins. “Mas para matar a raiz, é só congelando mesmo.”

Apesar da nova ocupação, os carros continuam presentes nas criações do Carioca. Ele fabrica relógios com desenhos e fotos de antigos automóveis fabricados na década de 1960. Também produz miniaturas de rádios, que agradam os visitantes. “A turma vem me procurar e faço tudo o que me pedem. As miniaturas são um sucesso, faço muitas para dar de presente, mas já cheguei a vender.”

O aposentado reconhece que a atividade faz bem para a saúde. “Se não fizesse isso, iria estar sentado em frente a uma televisão o dia inteiro. E não é isso que quero para a minha aposentadoria.”

Atualmente, a coleção do Carioca conta com 40 relógios. O mais caro é um modelo de pêndulo que vale R$ 10 mil, segundo estimativas do dono. Ele o trouxe de ônibus do Rio de Janeiro. Os rádios antigos somam 40 unidades, e a de maior valor é uma cor de rosa da década de 1960, que custa R$ 600 e ainda funciona.

Baterista tem escola de música em casa

Além de história, o Jardim Maria Cecília tem muito ritmo e balanço. O baterista Renato Zaglio, 44 anos, montou na própria casa, há dez anos, escola de música que atualmente tem dez professores e 100 alunos matriculados em aulas de violão, guitarra, baixo, teclado e bateria.</CW>

Os pais de Zaglio vieram da Itália direto para o bairro em 1972, e se conheceram trabalhando na Tecelagem Tognato, no Baeta Neves. Foram eles que construíram a casa em que a família morou e onde hoje vive Renato e a mulher, dividindo o espaço com a escola de música.

“Antigamente as pessoas tinham o costume de fazer casas bem grandes. Então, decidi aproveitar todo o espaço que o terreno oferecia para abrigar lugar em que pudesse ensinar música às pessoas.”

Ele decidiu montar a escola por causa da falta de instituições do tipo na cidade. “Na minha época não tínhamos muitas alternativas, já que não havia internet. Eram só os conservatórios. Amigos pediam para que eu ensinasse algumas coisas e, então, me especializei e comecei a passar meus conhecimentos adiante”, disse.

Apesar de fazer parte de uma banda de rock clássico, a Rock Forever Band, ele garante ser eclético em relação aos ritmos escolhidos pelos alunos. “Penso como músico, não como baterista de rock. Minha escola é um negócio e tenho que me adequar aos estudantes e ao que eles buscam.”

A maioria dos alunos é adolescente e pratica outras atividades além de aprender a tirar sons dos instrumentos. “A gente faz audições e monta bandas. É algo que me deixa emocionado quando olho e penso que há sempre um pouco de mim naquele grupo e no som que produzem.”

Após uma década, Zaglio não pensa em mudar a escola de local. “Tenho as minhas raízes fincadas aqui. Meu relacionamento com o bairro é forte, já que sou do tempo em que não existia quase nada por aqui, além de ser estratégico para o meu trabalho, porque estou no Centro de São Bernardo. Enquanto Deus permitir, quero ficar.”

Caseiro cuida de Associação da FEB

O Jardim Maria Cecília abriga, na Rua das Rosas, a Associação dos Veteranos da FEB (Força Expedicionária Brasileira) e uma clínica médica, utilizada para realização de exames do Detran (Departamento Estadual de Trânsito). O que os dois lugares, aparentemente dispares, têm em comum é que contam com a ajuda do mesmo funcionário. O caseiro Osvaldo Gonçalves de Moraes, 63 anos, é metalúrgico aposentado, mas atualmente toma conta da sede da associação e dos carros estacionados em toda a rua por conta da clínica médica.

“Na associação, sou o homem de confiança do presidente, o seu Antônio (Cruchaki). Recebo as cartas e deixo na sala dele, que só vem aqui duas vezes por semana. Depois que arrumo tudo, fico olhando os carros e ajudando o pessoal a estacionar”, explicou.

Por trabalhar no local, Moraes aproveita para aprender a história dos veteranos que se reúnem no espaço. “Eles participaram da Segunda Guerra Mundial e foram lutar na Itália. Aqui na sede tem muitas fotos e, sempre que posso, converso com eles para aprender mais.”

Segundo o caseiro, atualmente são 16 veteranos, que se reúnem a cada 15 dias para contar histórias sobre o período do conflito. Eles também costumam almoçar com as famílias em confraternizações.

Para chegar ao trabalho, Moraes faz uma longa viagem. Ele mora no bairro Tatetos e precisa pegar a balsa e um ônibus. “Costumo levantar 5h30 para dar tempo de tomar café sossegado antes de fazer o trajeto. Chego aqui por volta das 8h”, explicou.

A rotina, que parece ser pesada, não é vista como um problema por Moraes, que faz todas as atividades sem perder o bom humor. “Trabalhei muito como metalúrgico, vi e vivi muita coisa.

Agora é o momento de ficar em um serviço mais tranquilo, já que eu não consigo ficar sem trabalhar. Fora que o que ganho aqui me ajuda muito nas despesas.




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