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Crianças lidam melhor com câncer

A maioria das crianças e adolescentes transformam o hospital
em algo como a escola; elas brincam, estudam e fazem amigos

Maíra Sanches
Do Diário do Grande ABC
27/11/2011 | 07:02
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É comum o diagnóstico do câncer infantil preocupar e assustar mais os pais do que a própria criança ou adolescente. A capacidade de superação e a maneira otimista com que os menores lidam com a doença impressionam até médicos, independentemente do estágio em que é descoberta.

A maioria das crianças e adolescentes acaba transformando o hospital em algo parecido com escola. Brincam, estudam, aprendem e fazem amigos. Para entender um pouco sobre a lição de valentia desses pacientes, a equipe do Diário acompanhou por um dia a rotina de tratamentos no hospital oncológico pediátrico do Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer), na Capital. Hoje é celebrado o Dia Nacional de Combate ao Câncer.

O ambiente colorido e tematizado onde há atividades recreativas e educacionais ajudam a suavizar a aflição das famílias e as agressivas sessões de quimioterapias, que chegam a durar dez horas. É a chamada quimioteca, onde os pequenos tomam fortes injeções de remédios. Em 2010, o Graacc fez 13.827 sessões em crianças e adolescentes. No pavimento superior, os pequenos podem passar o tempo na brinquedoteca, em meio a videogames, quebra-cabeças e miniparquinho.

"O ato de brincar desencadeia amadurecimento, desenvolvimento e aprendizado, o que permite longevidade e melhor condição de vida. O brinquedo é material intermediário, alivia o sofrimento e a distância da família", explicou a psicóloga Maria Ângela Barbato Carneiro, do Núcleo de Cultura e Pesquisas do Brincar da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

Considerando a alegria transmitida pela imponente voz do boliviano Richard Benigno Sivila, 9 anos, a luta pelo câncer ganha feições surpreendentes e deixa de ser um bicho de sete cabeças. Seu maior sonho é conciliar as atividades de médico e cantor.

O osteossarcoma, tumor ósseo, o trouxe ao Brasil no início do ano. Entre a cirurgia e o tratamento foram incansáveis nove meses. "Agora só quero ficar com minha família", disse, referindo-se à volta programada para este fim de semana à cidade natal de Cochabamba, região central da Bolívia. Nas aulas de música realizadas semanalmente na brinquedoteca, Richard é o destaque da turma. Em alguns segundos o pequeno boliviano de rosto moreno parou as atividades de todos ao arriscar alguns versos do cantor Roberto Carlos. Só parou a pedidos da mãe. "Na nossa família não tem ninguém que canta. É um dom que nos alegra nos momentos difíceis, que estão acabando graças à boa recuperação", disse a mãe Kahtiuska Sivila, 33. O fortalecimento dos ossos da perna será feito a longo prazo. Por enquanto, ele depende de muletas e da cadeira de rodas. Serão pelo menos mais cinco meses com gesso até o osso começar a ‘engrossar'.

O osteossarcoma é mais comum em adolescentes entre 15 e 25 anos, mas também pode afetar crianças. Na infância, a incidência chega a 6%, enquanto a leucemia corresponde a um terço dos casos e os tumores cerebrais a 25%.

Assim como em países desenvolvidos, no Brasil o câncer já representa a segunda causa de mortalidade proporcional entre crianças e adolescentes de 1 a 19 anos, para todas as regiões.

 

Oito em cada dez são curadas da doença

 

O avanço na produção de remédios quimioterápicos desde a década de 1970 ajudou a aumentar de 20% para 80% o índice de cura do câncer infantil. Portanto, atualmente, a cada dez casos, oito são resolvidos com sucesso. A informação é do professor de oncologia pediátrica da Faculdade de Medicina do ABC Jairo Cartum.

Em relação aos adultos, a diferença é grande. Nos casos de leucemia e linfoma, por exemplo, a taxa de cura estaciona entre 40 e 50%. "A quimioterapia torna-se mais eficiente em crianças e o tumor responde mais rápido ao tratamento. Se o câncer for diagnosticado no início a chance de cura pode chegar a até 100%", explicou.

Com o índice em elevação, o foco passa a ser a preservação da qualidade de vida, sem sequelas. A criação de drogas menos nocivas é prioridade. "Agora nossa preocupação não é só aumentar a taxa de cura, e sim diminuir os efeitos colaterais dos tratamentos e prevenir a morbidade terapêutica", explicou.

Para o especialista, a criança demonstra ter mais esperança e convive com a doença de forma menos conflituosa, se comparada com adultos. "No começo há mais resistência, mas depois aceitam mais facilmente e se dedicam. Viram miniadultos e amadurecem muito rapidamente."

 

EXEMPLO

O caso de Bárbara Lira, 8 anos, de Ibiúna, no Interior, é considerado grave, mas só para médicos e mãe. O câncer na região lombar foi descoberto tardiamente, o que provocou a remoção imediata do tumor e quase a incapacidade de locomoção. As sessões de quimioterapia e radioterapia substituem as horas de lazer na escola desde junho - sem reclamações. As brincadeiras continuam nas atividades diárias com voluntários, mesmo presa à medicação venosa. A capacidade de cuidar de sua própria saúde é reflexo do desejo de transferir essa atenção a pessoas queridas. "Quero ter dois irmãos. Gosto de cuidar de bebês. Me sinto bem."

A impressão transmitida, segundo os pais, é que as crianças não têm dimensão de que enfrentam uma batalha pela sobrevivência. A inocência aliada à naturalidade mascara os riscos da doença. "Vejo-a tomar tanta medicação e pergunto aos médicos: será que ela vai aguentar? Quando desanimo, é ela quem me dá força", disse a mãe, Dulcineia Aparecida da Silva, 39. MS

 

 

Paciente descobre valor das amizades em tratamento

A estudante de 17 anos Lauri Aguiar, natural de São José dos Campos, no Interior, descobriu o diagnóstico de osteossarcoma (tumor ósseo) após ter procurado auxílio médico para avaliar suas dores na perna sentidas durante caminhada. "Como era um pouco gordinha, achei que era sobrepeso", explica.

Esta semana ela realizou a 12ª e última sessão de quimioterapia no Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer). Das feridas na boca e da fadiga causadas pelo tratamento, a estudante leva o ensinamento mais recorrente entre pacientes oncológicos. "Antes reclamava de ter de lavar a louça e limpar a casa. Hoje sinto falta disso. Quando fico muito tempo em pé, minha perna dói. E nunca mais chorei por namorados. Isso é pequeno perto do que já enfrentei."

Os planos para o ano que vem incluem voltar a estudar e retomar o convívio com as amigas, das quais se orgulha em contar a relação fraternal que se fortaleceu nos momentos difíceis da doença. "Uma delas deixou de pagar a formatura e veio de Maceió para me visitar. Descobri os verdadeiros amigos." MS

 

Em adultos, desejo de viver é estimulado

 

Quando o diagnóstico da doença é revelado aos adultos a reação é diferente, se comparada a das crianças. A chance de sobrevida é menor e o risco de morte passa a perturbar a rotina - mesmo quando há acesso garantido aos tratamentos.

Quando a dona de casa Maria de Olinda Beccaria, 52, do Parque João Ramalho, em Santo André, descobriu que tinha câncer em uma das mamas a família adoeceu junto. Prestes a completar 50 anos, o diagnóstico precoce favoreceu o desenrolar do tratamento sem grandes dificuldades. "Quis lutar e o câncer me deu mais vontade de viver. Se aparecer o tumor outra vez, eu arranco e encaro tudo de novo", brincou.

A herança deixada pela quimioterapia foi a redescoberta da autoestima. A mama foi reconstruída e o cabelo ganhou outro tom quando voltou a nascer. Antes tingidos, agora a dona de casa se orgulha da cor grisalha e natural, antes desconhecida. "Me acho mais bonita. As pessoas não acreditam que tive câncer. Cheguei até a ‘morrer um pouquinho' em uma parada respiratória depois da cirurgia, mas voltei", contou, em tom de sátira.

O acompanhamento da doença deve levar mais três anos. Como aprendizado ficou o alerta aos sinais do corpo e a recomendação de cuidado íntimo com a saúde.

Para outra paciente que enfrentou a mesma doença há 11 anos, a dona de casa Maria de Lurdes Orsoli, 57, de Santo André, a coragem para enfrentar a recuperação tem de partir do paciente antes de ser recebida pela família. "Se a pessoa não tentar se curar, vai morrer primeiro. Cheguei até a deixar minhas coisas arrumadas achando que não resistiria. Hoje levo uma vida normal e nem lembro mais que tive a doença." MS




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