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Mas que sorte!

Como prometi na última semana, volto a esse espaço...

Carlos Ferrari
29/05/2013 | 07:00
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Como prometi na última semana, volto a esse espaço para compartilhar um pouco do que conheci na Espanha por meio do trabalho da Once (Organização Nacional de Cegos da Espanha). Não quero entrar em detalhes técnicos e também não vai dar para aprofundar muito nos elementos históricos que demarcaram o crescimento e a consolidação dessa organização.

Vale a pena, no entanto, conversarmos sobre como eles conseguiram se reinventar, fazer da capacidade de gestão um dos seus principais diferenciais, e das habilidades políticas uma grande fortaleza.

Falamos de uma entidade de 75 anos. Uma organização de cegos que ganhou força por meio da decisão “generosa” do ditador general espanhol Francisco Franco, de dar àquele grupo um meio de geração de postos de trabalho para seus associados a partir da venda de bilhete de loteria. Assim, gradativamente, cegos de toda parte do país passaram a vender o que eles chamam de cupons e faziam sorteios regionais que davam a cada ano melhores prêmios, logo passando a ser bem mais reconhecidos.

Décadas depois, o Estado se democratizou e a organização deixou de ser a principal detentora de jogos no país. Naqueles anos, a receita arrecadada – além de servir para a geração de milhares de empregos –, também financiava serviços de reabilitação para pessoas cegas de todas as idades, além de custear pesquisas e viabilizar novos negócios para a geração de mais postos de trabalho. A concorrência estatal, no entanto, fez com que a entidade se reinventasse. Os sorteios passaram a ser em âmbito nacional, e todas as Onces que funcionavam de forma autônoma, passaram a fazer parte de um único organismo. A entidade dirigida pelos cegos espanhóis deu mais um salto para se consolidar e ampliar suas áreas de negócios: implantou uma rede de hotéis, uma empresa de comunicação com rádio e TV, agências de emprego, consultoria em acessibilidade, agências de turismo e criou uma fundação, objetivando distribuir recursos e gerar empregos para todas as outras áreas de deficiência.

O discurso “de nada sobre nós sem nós”, manteve a rigidez filosófica de ter sempre pessoas cegas à frente da gestão da entidade. A mesma concepção tem pautado a Fundação Once, criada para outras áreas de deficiência, onde também apenas pessoas com algum tipo de deficiência assumem os postos de comando.

O modelo Once tem feito com que o movimento de pessoas com deficiência da Espanha se renove, surgindo lideranças, com condições técnicas e políticas para conduzir todos os negócios criados para viabilizar a missão da entidade.

Além do que tem feito no país, a Once ainda aporta recursos em diferentes partes do mundo. Um exemplo disso é a Foal - Fundação Once de Solidariedade para América Latina. São centenas de milhares de dólares anualmente investidos para formação de novas lideranças, compra de equipamentos e cursos para profissionais que atuam junto às pessoas cegas.

Além dos milhões já ganhos pelos sortudos contemplados pelos bilhetes de loteria da Once, pessoas cegas do mundo inteiro têm sido beneficiadas. Alguém então poderia dizer: “mas os caras tiveram sorte, pois um dia ganharam uma loteria”. Será? Eu creio que não. Afinal, como parafraseia o polêmico cronista esportivo Milton Neves; sorte é o encontro da capacidade com a oportunidade. Creio que nesta história a sorte fica apenas para aqueles que são premiados pelos bilhetes, o resto é pura competência.

Parabéns aos companheiros da Espanha. 




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