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Arnaldo Antunes defende arte sem fronteira
Do Diário do Grande ABC
08/02/1999 | 16:25
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O jungle, o trip hop, o drum'n'bass e suas variaçoes, novos gêneros da música eletrônica incorporados ao frenesi discográfico, sao para o poeta, videomaker, cantor e compositor Arnaldo Antunes um sintoma do fim do século. Seu significado, alerta Antunes, pode ser já antevisto na tese dos anos 40 em que Oswald de Andrade fez a formalizaçao filosófica da antropofagia.

"Oswald dizia que a tese era o homem natural, que a antítese era o homem civilizado e a síntese seria o homem natural tecnizado", diverte-se. "Acho que o futuro da música aponta para isso, para a valorizaçao do espírito primal, tribal, e para a utilizaçao da tecnologia de ponta."

Um dos indicados para o Prêmio Multicultural Estadao, Arnaldo Antunes diz que se sente à vontade com a indicaçao, ao lado de filósofos, editores, escritores e artistas de outras atividades. "Como eu nao me sinto muito especializado, fico à vontade num prêmio que age dessa forma e lida com essa diversidade cultural que caracteriza um pouco a época em que a gente vive", afirma.

Para Antunes, é importante o objetivo do prêmio do Estado: lidar mais com o valor cultural, independentemente do território no qual o artista atua. "Isso de certa forma enriquece a visao de cultura das pessoas, desmistifica a compartimentaçao", argumenta.

Funçao visual - Antunes nao se considera um poeta de uma determinada regiao nem de um determinado espaço. Autor do livro "As Coisas" e do projeto "Nome" (CD, livro e vídeo), ele exacerba a intençao de criar uma poesia imagética, na qual a palavra assuma ela mesma uma funçao visual. Isso está muito presente em seu novo show, que apresentou na semana passada no Sesc Vila Mariana, no qual o cenário é composto por dezenas de bastoes com displays eletrônicos repetindo ou amontoando palavras.

Para Arnaldo Antunes, uma das positividades da nossa circunstância global é a impossibilidade de se ater a um gênero específico. "Eu trato com os atritos", diz. "E é ao atritar essas informaçoes diferentes que, de certa forma, nós chegamos à expressao de nossa época."

Pergunta - Por que você acha interessante a palavra cantada? Ela é mais eficiente? O que levou você a esse caminho?

Arnaldo Antunes - Eu nao teorizo a esse respeito... Eu, na verdade, tenho uma dificuldade em relaçao à idéia de especializaçao, nunca me vi especializado numa área criativa apenas. Para mim, sempre foi muito natural, do meu temperamento, um sintoma talvez da época em que a gente vive, essa coisa de lidar com códigos diferentes. Eu me sinto muito à vontade com isso. Eu nao teorizo, por exemplo, uma habilidade em prol da outra...

Pergunta - Mas a visibilidade do seu trabalho é maior em decorrência do fato de você assumir as atitudes de um cantor popular...

Arnaldo Antunes - É. O número de pessoas que me conhecem como tal é muito maior do que quem conhece o meu trabalho em vídeo ou na área da poesia visual. A cançao popular no Brasil tem uma penetraçao maior do que as outras áreas em que eu trabalho.

Pergunta - Isso quer dizer que você nao tem nenhum apreço especial pela palavra cantada?

Arnaldo Antunes - Tenho. Mas você me perguntou por que eu optei. E eu disse que nao foi uma opçao estratégica. É uma necessidade expressiva como as outras. Na época em que comecei a escrever meus poemas, eu já compunha, já fazia cançoes, já pensava visualmente a coisa. Eu estou sempre pensando nesses diálogos e nessas pontes. Nao só entre os códigos, mas entre os territórios mesmo. Esse tipo de divisao que as pessoas costumam fazer, entre baixo repertório e alto repertório, eu nao faço. Eu quero mais é fazer contrabando de uma área para outra. Fazer uma coisa popular, mas que tenha um pouco de estranhamento. Para mim é muito realizador, porque acaba atingindo muita gente. E a cançao tem sua particularidade. A música é indissociável da cançao. Nao é poema escrito, nao é música, é uma coisa muito singular. E acho que o segredo de uma cançao bem feita é a adequaçao. Quanto mais adequada for uma coisa à outra, mais indissociáveis, mais adquirem um valor artístico interessante.




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