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Retorno do cinema autoral
Ângela Correa
Do Diário do Grande ABC
27/09/2010 | 07:42
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Demorou mais de cinco anos, mas O Sol do Meio Dia, terceiro longa da cineasta Eliane Caffé, chega às salas de cinema na sexta-feira. O filme, que a diretora criada em Santo André filmou inteiramente no Pará (quando ainda tinha o título de Andar às Vozes), amargou um bom tempo de pós-produção e chegou aos principais festivais de cinema do País (o do Rio e a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo) apenas no ano passado.

"Foi difícil constatar que o cinema autoral independente é cada vez mais complicado. Talvez não tanto de fazer por conta das leis de incentivo, mas mais no momento em que é lançado. Em geral não encontra espaço de escoamento no mercado. É um problema estrutural da atividade (cinematográfica)", diz Lili, como é conhecida.

O longo processo a que o longa foi submetido depois de ser rodado teve maus aspectos, mas contribuiu para modificar a relação autoral, acredita a diretora. "Você perde fluxo, abre uma entressafra muito grande no meio da produção. Por outro lado, consegui um distanciamento muito maior. Quando voltei a ver o material, o olhar era mais objetivo e desapegado. Eu acho que isso é uma vantagem", explica.

Essa também é a terceira parceria de Lili com o dramaturgo Luiz Alberto de Abreu, de Ribeirão Pires. Assim como nos roteiros de Kenoma e Narradores de Javé, os filmes anteriores, a dupla de escritores parte de personagens comuns em áreas afastadas dos grandes centros. "A partir do Kenoma, houve uma identificação muito forte com esse outro Brasil, que é desconhecido. A gente que está fechado no centro urbano sempre vê esse País traduzido pelos meios de comunicação, pelos textos que lê. A partir daí nasceu esse desejo de expedicionar pelo Brasil por meio dos filmes", diz a diretora.

Em O Sol do Meio Dia, os três personagens principais são Artur (Luiz Carlos Vasconcelos), Matuim (Chico Diaz) e Ciara (Cláudia Assunção), que moram no interior do Pará e rompem com suas vidas por diversos motivos e partem para Belém. "Mas isso é só um pano de fundo. Eles buscam redenção. Como se, através dessa viagem, pudessem zerar tudo e ver a vida em outro local como uma possibilidade de se reinventar", conta. Tanto Vasconcelos quanto Diaz foram premiados no Festival do Rio pelo trabalho de interpretação.

O próximo longa, também em parceria com Abreu, deve sair um pouco do ambiente rural e se concentrar em uma grande cidade. Mesmo assim, vai tratar de personagens deslocados de sua origem.

"Devaneios de um Lourenço Príncipe vai tratar o tema do refugiado africano na cidade de São Paulo. Estou escrevendo junto com o Abreu também", revela a cineasta.

Novo projeto em fase de edição
Apesar de estar trabalhando na roteirização de um novo filme, o projeto que está mais perto do coração de Eliane Caffé é O Céu Sem Eternidade, pelo qual ela ficou, graças a uma bolsa da Funarte, morando em Alcântara, no Maranhão. Foi uma residência ligada ao ponto de cultura da região. Retornou em agosto, encantada.

"Fiz um trabalho coletivo totalmente diferente em termos de desenho de produção. Foi muito enxuto, uma experiência radical, um divisor de águas mesmo", revela.

O local, que abriga uma comunidade quilombola, vive uma relação extremamente conflituosa com a base espacial instalada lá. Sem equipe, Lili resolveu fazer um filme mesmo assim, mesclando as linguagens de documentário e ficção e trabalhando com turma saída das oficinas realizadas lá.

"O material que saiu dali são 60 horas de filmagem. Tem coisa muito sucateada, sim, mas tem outras muito ricas e autênticas. A gente jamais conseguiria um resultado desses em condições normais", afirma ela. O trabalho ainda está em fase de edição.

Teatro - No ano passado, a diretora estreou no teatro, com a peça A Vida Que Eu Pedi, Adeus, com texto de Sérgio Roveri. Perfeccionista, Lili acredita que não conseguiu mergulhar na linguagem. "Foi um projeto que me permitiu esse primeiro contato, mas eu saí sentindo que estava muito aquém. Eu ainda precisava desenvolver mais", diz.

Convidada para dirigir a peça, ela teve certa dificuldade em se adequar ao ritmo. "Acho que o teatro permite outras formas de experimentação e eu acho que eu não consegui fazer isso em função do próprio desenho do espetáculo, mais linear. Também foi mais difícil porque não foi um projeto autoral", explica.

Questionada se não valeria tentar repetir a dose com o habitual parceiro de roteiro - Luiz Alberto de Abreu tem quase 30 anos de experiência com texto teatral - ela não descarta uma tentativa. "O Luiz está numa fase de grande transição para o audiovisual. É uma boa ideia propor para ele, ele é muito forte na dramaturgia", se anima.




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