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A silenciosa música do microcosmo
Catherine G. Ribeiro
Universidade do Paraná
14/12/2009 | 07:22
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Os micro-organismos constituem, sem dúvida, a base de sustentação da vida em nosso planeta. Sem a participação dos seres microscópicos nos ciclos dos elementos, todos os fenômenos biológicos cessam.

Com suas variadas funções, principalmente a degradação da matéria orgânica, os micro-organismos estão presentes no início e no fim da chamada teia alimentar. Representam, portanto, o elo entre fluxos de energia e matéria nos mais variados ecossistemas da Terra.

Um tipo de micro-organismo unicelular chamado procarioto, que não possui membrana nuclear, forma uma extraordinária reserva de carbono, se comparado aos demais grupos de seres vivos. Estima-se que o conjunto dos procariotos armazena de 300 a 350 bilhões de toneladas de carbono, além de algo entre 85 e 130 bilhões de toneladas de nitrogênio e entre 9 e 14 bilhões de toneladas de fósforo - potencialmente o maior reservatório vivo desses elementos.

Por si só, a elevada concentração de nutrientes básicos nesses organismos seria forte indício da importância de sua atuação nos ciclos globais. No entanto, pode-se somar a esse fato as diferentes formas com que esses micro-organismos utilizam e aproveitam os elementos químicos. Há bactérias, por exemplo, que fazem uso de amônia e de metano em ambientes sem oxigênio.

DO MICRO AO MACRO
Essas ponderações são importantes na avaliação dos impactos provocados pelas atividades humanas no universo de micro-organismos existente em ambientes continentais, oceânicos e atmosféricos. Levantar o assunto também contribui para a reflexão acerca da quantificação das consequências desses impactos para todos os seres vivos - entre eles, os seres humanos.

Falar em alterações de padrões globais por micro-organismos pode parecer exagero, mas pesquisas indicam que o conjunto desses seres microscópicos - tanto procariotos como eucariotos (seres com membrana nuclear) - é capaz de afetar, como resultado de seu metabolismo, o balanço de gases atmosféricos como o dióxido de carbono, o metano e o óxido nitroso. Assim, eles têm o potencial de influenciar diretamente processos como, por exemplo, o aquecimento global.

Tamanho não é documento

Outra questão que não deve ser negligenciada no estudo da ecologia microbiana é o papel dos vírus nos ambientes. O compartimento viral, potencial regulador da distribuição e mesmo da diversidade de micro-organismos, vem recebendo pouca atenção por parte da comunidade científica.

A importância dessas entidades biológicas pode ser visualizada se considerada sua atuação no extermínio de outros micro-organismos. Estima-se que metade do oxigênio disponível na atmosfera terrestre é produzida por micro-organismos marinhos, os quais representam 95% da biomassa presente nos oceanos. No entanto, os vírus interferem nesse processo ao exterminar cerca de metade da biomassa microbiana todos os dias. Calcula-se que 100 sextilhões de micro-organismos sejam infectados por vírus a cada segundo.

A microbiologia ambiental, embora tenha alcançado grandes realizações nas últimas décadas, ainda carece de esforço intelectual conjunto para visualizar processos e padrões ecológicos determinados por micro-organismos. É preciso que a comunidade científica, antes de traçar considerações taxativas sobre peculiaridades microscópicas, contemple o poder de tantas variáveis agindo concomitantemente para formar tudo o que somos, em um - para usar termo musical - crescendo de escalas, com harmonia, melodia e ritmo.

Faltam dados sobre interações microbianas

Uma questão crucial é: como as intervenções humanas vêm alterando essa diversidade ainda desconhecida? Quase toda a atenção conservacionista, da mídia e dos tomadores de decisões, está voltada para espécies compatíveis com a escala humana, como mamíferos e aves. No entanto, a esses esforços devem ser somadas investigações sobre a diversidade microbiana e os processos promovidos por micro-organismos.

Dentro desse panorama de falta de dados confiáveis sobre as interações microbianas com o ambiente químico e físico global surge a disciplina da ecogenômica, que procura reconhecer os níveis de organização biológica que sustentam a biosfera. A tarefa é árdua. Principalmente porque a complexidade presente nessas interações não possibilita a simples extrapolação ou adaptação, para o microcosmo, de teorias ecológicas válidas para o macrocosmo.




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