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Mira Sorvino está em 'O Mistério de Lulu que estréia sexta
Do Diário do Grande ABC
21/01/1999 | 14:50
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O romancista Paul Auster já vinha há tempos se aproximando do cinema. É dele o roteiro de Cortina de Fumaça, de Wayne Wang. A continuaçao, Sem Fôlego, tem assinatura conjunta dele e de Wang. Agora o escritor chega à sua primeira direçao-solo com O Mistério de Lulu, que estréia sexta-feira em Sao Paulo.

Se você já leu os livros de Auster, ou viu os filmes anteriores, reconhecerá neste seu tema obsessivo: a funçao do acaso na vida humana. Ele tem fixaçao na maneira como aquele pequeno detalhe, que nunca conseguimos prever, altera de modo significativo, e para sempre, o destino das pessoas. Nessa nova, digamos assim, meditaçao sobre o assunto, Auster preserva seu ator fetiche, Harvey Keitel, que estava nos dois filmes anteriores, e lhe dá a bela companhia de Mira Sorvino. A filha do ator Paul Sorvino já tinha aparecido, e como tinha, em "Poderosa Afrodite", de Woody Allen. Faltava-lhe o papel dramático que Auster agora lhe proporciona.

A história, ou o que pode ser dito dela sem com isso estragar o prazer do espectador, começa com o saxofonista Izzy Maurer (Keitel) tocando numa boate. Entra um maluco armado, acontece um tiroteio, uma bala aloja-se no pulmao esquerdo de Izzy. Escapa com vida, mas nao pode mais tocar. Nao é pouco para quem faz da música o centro da vida.

Deprimido, anda pelas ruas quando encontra um corpo estendido no chao. No bolso do defunto, dois mistérios - uma pedra com propriedades estranhas e um número de telefone anotado num guardanapo. Ele liga e conhece a moça chamada Celia Burns (Mira), garçonete, candidata a atriz. Um acaso condenou-o ao inferno; outro o redimiu para o paraíso. Será?

Até aqui, pelo que o leitor pôde ver, Auster se manteve em seu domínio. Os problemas começam quando resolve ir um pouco além dos limites. Primeiro, resolve tirar da manga a carta manjada do fantástico, que raras vezes representa boa mao em matéria de cinema.

Depois de algum tempo, o espectador se pergunta qual a funçao na história da tal pedra mágica, já que Auster poderia perfeitamente dispensá-la sem nada perder. Ao contrário.

Mas o espectador atento vai descobrir também que há falhas lógicas na trama. Quem poderia ter testemunhado a segunda parte da história, já que, se deduz pelo fim, ela nunca chegaria a ocorrer?

Pode parecer pouco, mas esse tipo de nuance lógica define a eficácia (ou nao) de um recurso narrativo. Uma das regras da narrativa fantástica (no cinema ou na literatura) é que nao se aceitam quebras da ordem racional a cada momento. Em geral, bons escritores do gênero, como Julio Cortázar por exemplo, introduzem a premissa de exceçao e a desenvolvem estritamente dentro do raciocínio lógico. Preserva-se assim um dos principais efeitos do fantástico, que é o espanto. Se tudo pode acontecer, nada mais tem sentido. É um pouco o que ocorre com o roteiro de Paul Auster.

Com o roteiro, frise-se, porque a qualidade da filmagem surpreende em um novato. Auster tem noçao de câmera e o elenco anda bem. Bom, Keitel joga bola sozinho e nao deve dar trabalho nenhum. Um senhor ator.

Mira nao é, como atriz, o esplendor que é como mulher. Mas pelo menos nao compromete. Sabe ser meiga e emociona às vezes. Pena que seu papel, dublê de Celia e Lulu (a inocência e o pecado), tenha sido desenhado de maneira rasa.

Auster poderia ter percebido melhor a ambigüidade presente no texto de Wedekind e a explorado a fundo. Enriqueceria o filme. Escritor, nao pode sequer alegar ignorância em sua defesa, como faria a maior parte dos cineastas acusados de nao entender uma referência literária.




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