Rudge Ramos seria possível local para o evento histórico se cartas chegassem cedo, diz pesquisador
Ouviram do Meninos as margens plácidas? Foi por questão de tempo que o verso inicial do Hino Nacional, hoje cantado a plenos pulmões em escolas, eventos e até no futebol do domingo, não eternizou o nome do ribeirão que passa por Rudge Ramos, em São Bernardo – a fama acabou indo para o Riacho do Ipiranga. “Se os mensageiros trazendo as cartas de Portugal e do Rio de Janeiro tivessem sido mais rápidos ou saído mais cedo de São Paulo, poderiam ter encontrado dom Pedro I em algum ponto de São Bernardo, talvez no Rudge Ramos, que então teria entrado para a história, como entrou o Ipiranga”, conta Jorge Cintra, professor e pesquisador do Museu do Ipiranga.
Conforme explica o pesquisador, cartas de Portugal exigiam, mais uma vez, a volta de dom Pedro ao país, para ser educado como rei, com viagens de seis anos pelas diversas monarquias da Europa. O Brasil deixaria de fazer parte do Reino Unido (com Portugal e Algarves) e as províncias passariam a ser colônias isoladas, dependentes diretamente de Lisboa. Porém outras cartas, estas da princesa regente Maria Leopoldina da Áustria e de José Bonifácio, estimulavam o hesitante imperador do Brasil (e príncipe de Portugal) a proclamar a Independência, fato que ocorreu há exatos 202 anos, em 7 de setembro de 1822, após a leitura das cartas.
O professor, porém, ressalta que um possível Grito da Independência no Grande ABC se trata apenas de um cenário hipotético, apesar de até haver discordâncias sobre o local verdadeiro. “O relato de Francisco Canto e Melo (que acompanhou o príncipe a São Paulo), que conhecia bem a região, fala que o primeiro grito foi na margem do ribeirão dos Moinhos, hoje terminal Sacomã. O relato do padre Belchior (conselheiro de dom Pedro I) fala de o primeiro grito ter sido na beira do Ipiranga”, afirma.
Mesmo sem o momento histórico, o caminho de dom Pedro I até o Ipiranga tem muito da região. O professor e pesquisador do Museu do Ipiranga refez o caminho do imperador, do Litoral até o Ipiranga, para produzir o artigo O Ipiranga na jornada da Independência. A realeza andou pelos territórios que hoje compreendem cinco municípios, sendo dois do Grande ABC: São Bernardo, São Caetano, Capital, Cubatão e Santos. A preferência era seguir caminhos mais curtos e viáveis. Porém o realizado por ele do Litoral até São Paulo era a única opção.
“É o mesmo caminho pelo qual todos os viajantes do começo do século XIX passaram e registraram em imagens, como Hercules Florence e Burchell. Esse caminho passava, sim, pelo Grande ABC”, conta o pesquisador ao Diário. “Subindo a Serra, esse trajeto passava pelo que hoje é a Rodovia Caminho do Mar e, portanto, ia por Zanzalá, Caveiras, Varginha, Riacho Grande, Estoril e caía na Anchieta antes de cruzar a atual Billings. Cruzava os rios das Pedras, Pequeno e Grande, já dentro de São Bernardo”, explica.
CAPELA
O caminho passava pelo Centro de São Bernardo e pela Capela de Nossa Senhora da Boa Viagem, que já existia em 1814 e permanece no mesmo local, na frente da Igreja Matriz, na Rua Marechal Deodoro. O local foi construído para ser a sede da recém criada Freguesia de São Bernardo, em terras do Sítio da Borda do Campo, cedidas por Manoel Rodrigues de Barros. Serviu durante muito tempo às funções paroquiais da região, sendo nela celebradas missas, batizados e casamentos, até a construção da nova matriz, em 1825. Por sua localização estratégica, junto à antiga estrada que levava a Santos, tornou-se ponto obrigatório de parada dos viajantes, para pedidos e preces de proteção na longa viagem.
Segundo Cintra, após passar pelo Centro de São Bernardo, o caminho seguia na Avenida Caminho do Mar. Na região, após passar pela Praça São João Batista, na época chamada Meninos, devido ao córrego, a trilha seguia pela Praça Mauá e depois Estrada das Lágrimas, um divisor de águas não sujeito a inundações, antes de entrar na Capital. Em 1822, a região ainda era descampada – com locais de sesmarias, fazendas, sítios ou chácaras, e umas pequenas casas –, assim como parte de São Paulo, que tinha suas primeiras residências apenas na Rua da Glória, quase no Centro da cidade.
A pesquisa durou três anos e teve resultados usados na Exposição Memórias da Independência, no Museu do Ipiranga. O professor usou como base para estabelecer o percurso mapas antigos, como, por exemplo, um realizado a pedido do presidente da Província, Rafael Tobias de Aguiar, de 1832.
RIO GRANDE
Uma lenda urbana da região diz que dom Pedro I, em seu caminho para o Ipiranga, teria passado também por Rio Grande da Serra, onde, neste cenário, teria visitado a paróquia hoje conhecida como São Sebastião, além de matar a sede na biquinha Matarazzo. Apesar de até o hino do município citar a possível passagem do nobre em seus versos (Como é lindo seu céu estrelado / Se a neblina não vem visitar / Onde D. Pedro ficou acampado / E com tua água sua sede saciar), a história é inverídica.
“Ele não passou por Rio Grande da Serra, mas sim pelo rio que lhe dá o nome: o rio Grande (em contraposição com o Pequeno). Dom Pedro I só fez duas viagens por essa estrada: a descida e a subida da serra nos dias 5 e 7 de setembro de 1822”, explica Cintra. “As estradas eram ruins: a principal era de Santos a São Paulo, mas havia uma derivação. À direita, a Estrada do Sal, que levava a Mogi das Cruzes, passando pelos locais onde hoje são Rio Grande da Serra e Ribeirão Pires. Não teria dado tempo de ele chegar a São Paulo às 16h, e não há motivo para ele desviar-se do caminho”, finaliza.
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