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Liderança histórica

Pela primeira vez desde 1954, a Refinaria de Capuava, em Mauá, é comandada por uma mulher, a engenheira química Márcia Cristina

Thainá Lana
08/03/2024 | 08:32
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FOTO: Celso Luiz/DGABC


 Precisou de 68 anos e 18 executivos homens para que uma mulher comandasse a Refinaria de Capuava, localizada no Polo Petroquímico, em Mauá. Márcia Cristina Alves dos Santos Andrade, 51 anos, é a primeira gerente-geral feminina da unidade e a primeira mulher negra a assumir esse cargo na Petrobras. A marca histórica foi alcançada em julho do ano passado, quando a engenheira química, com 27 anos de carreira, sendo 18 na empresa estatal, foi nomeada para o principal posto da refinaria.

Natural de Volta Redonda, município do interior do Rio de Janeiro, Márcia começou sua carreira como engenheira de processo na CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), onde trabalhou por oito anos. Mestra em engenharia metalúrgica e pós-graduada em engenharia de processo, a executiva realizou o concurso e foi aprovada pela primeira vez na Petrobras em 2001, porém, não foi chamada.

“Cheguei a fazer até o exame psicotécnico, mas eles chamaram cinco posições antes da minha. Acredito que tudo tenha seu propósito e seu tempo para acontecer”. O sonho de trabalhar em uma refinaria, “terra do engenheiro químico”, como define, ainda continuava vivo, por isso seguiu estudando para o próximo concurso, mas desta vez precisou conciliar o trabalho na siderúrgica com a rotina de cuidar do seu primeiro filho. “Dormia meia-noite e acordava 5h. Aos sábados minha mãe me ajudava com o bebê”, conta.

A dedicação foi recompensada, e em 2006 começou a trabalhar na Refinaria Duque de Caxias, e foi morar com a família no município de Petrópolis. Sua jornada na empresa brasileira começou na função de engenheira de acompanhamento, depois foi transferida para a área de empreendimentos, antigo setor da unidade que cuidava dos projetos acima de US$ 25 milhões. “Foi a fase profissional em que mais aprendi, foi um período primordial para a minha carreira”, explica.

Durante os quase 17 anos que trabalhou na unidade, Márcia atuou em outras funções na companhia, e começou a assumir posições de liderança. Antes de ser promovida a coordenadora de engenharia, em 2020, ela foi gerente interina de operação durante as férias do seu gestor. Em 2022 passou a cuidar da área técnica de projetos, até que no ano passado foi convidada a ser a gerente-geral, cargo mais alto da refinaria, na unidade localizada no Grande ABC.

“Em um primeiro momento, pensei muito sobre a mudança por conta da minha família, todos seriam impactados. Acredito que seja da mulher refletir sobre todas as dimensões de uma decisão importante, até coloquei em cheque se estava pronta ou não, mas recebi apoio dos meus amigos de trabalho e dos meus familiares”, pontua. 

Sobre essa insegurança profissional, Márcia atribui as altas expectativas que são depositadas sobre as mulheres na sociedade.

“A mulher é criada para uma perfeição inexistente, estamos o tempo todo tentando fazer tudo de maneira perfeita, seja o cabelo, o corpo, a casa, a maternidade e também a vida profissional. Quando somos chamadas para um desafio pensamos que precisamos ter anos de experiência naquela função, ter toda formação possível, porque acreditamos que temos que chegar em um nível de perfeição que não existe. Já o homem tem 10% disso e quando é nomeado para uma oportunidade assume com toda a confiança do mundo”, reflete Márcia.

Após receber o suporte que precisava, mudou-se com a sua mãe, marido e um dos dois filhos, para Santo André e encarou o novo desafio. A gerente geral lidera 1.290 funcionários na Refinaria de Capuava, unidade responsável pela comercialização de cerca de 30% do volume de combustíveis consumido na Região Metropolitana de São Paulo e também abastece o Polo Petroquímico do Grande ABC.

DIA DAS MULHERES

Segundo a engenheira química Márcia Cristina, apenas 15% dos profissionais da Petrobras são mulheres. Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a gerente-geral declara que tem muito o que celebrar após a conquista profissional. “Esse ano é muito especial, pois, além de mim e de outras ações de diversidade promovidas pela empresa, tivemos profissionais mulheres nomeadas a cargos de liderança. Sou muito grata pela companhia ter enxergado esse potencial em mim. Nunca vou esquecer os olhares dos meus filhos durante a cerimônia de posse do cargo, era a mãe deles que estava naquela posição, isso não tem preço. Aquele dia ficará guardado na minha memória para sempre”, afirma.

Márcia reconhece a representatividade da sua posição, mas entende que para a sociedade alcançar a equidade de gênero muito ainda precisa ser feito, por isso, apoia as ações afirmativas como forma de ampliar a diversidade no mercado de trabalho e em outros espaços. 

“Entendo que o desafio é grande, principalmente para a mulher negra, que da população economicamente ativa, é a pior remunerada. Sou exceção, mas é possível, essa sempre é a mensagem, é desafiador, é cansativo, e necessita de mais iniciativas para que essa transformação ocorra. As ações afirmativas são necessárias porque o atual cenário brasileiro requer isso, senão eles olham para mim e vão sempre perguntar se a patroa está em casa”, finaliza.

Projeto incentiva mulheres a buscar carreiras técnicas

A Refinaria de Capuava, unidade do sistema Petrobras localizada em Mauá, deu início a uma série de iniciativas afirmativas para estimular o ingresso de mulheres em carreiras técnicas, historicamente exercidas por homens. É o caso de áreas como caldeiraria, eletricista, soldagem, montagem de andaimes, além de engenharia, química e outras.

Uma das ações é a promoção de visitas de estudantes (meninas) do ensino médio das escolas do entorno à Refinaria, num projeto chamado de Meninas na Ciência. No fim do último ano, lideranças femininas da Recap visitaram e conversaram com alunas da E.E (Escola Estadual) Hans Grudzinski e receberam na unidade cerca de 50 estudantes da E.E Sada Umeizawa, ambas instituições em Mauá. Nas duas ocasiões, as profissionais apresentaram as oportunidades profissionais em diversas áreas técnicas.

A gerente-geral da Recap, e a primeira mulher negra a assumir este cargo na Petrobras, Márcia Cristina Alves dos Santos Andrade, 51 anos, destaca a importância da iniciativa. “As alunas enxergaram em nós uma possibilidade, pois, se identificaram com as nossas histórias de vida, muitas lideranças também vieram de escolas públicas e de famílias humildes. Mostramos os caminhos, como os cursos técnicos em instituições públicas e os concursos. Se você se dedicar, é possível, não será fácil, devido à realidade em que muitas estão inseridas, será preciso um grande esforço e luta, mas é possível sim”, diz Márcia, que é engenheira química.

Outra iniciativa que está em curso é a visita às instituições de cursos profissionalizantes da região para apresentar as oportunidades às estudantes e estimular o ingresso nessas carreiras. Além disso, a gerente geral da Recap destaca que a unidade está implementando em todos os seus contratos de manutenção um percentual mínimo de vagas de trabalho destinado para as mulheres, na ordem de 5%. 

“Acreditamos que essas ações são um passo fundamental para implementarmos um ambiente mais diverso, inclusivo e seguro para todas as pessoas”, afirma Márcia Cristina.




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