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Rotas de fuga favorecem criminosos no ABC, diz delegado
Luciana Sereno
Do Diário do Grande ABC
03/04/2004 | 20:16
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  Aos 63 anos e prestes a comemorar 40 na polícia, Otacílio Augusto assumiu há duas semanas a chefia de investigações do SIG (Serviço de Investigações Gerais) da Delegacia Seccional de Santo André, responsável também por Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Casado há 40 anos, tem quatro filhos e quatro netos e não sai de casa sem terno e gravata. Durante conversa com o Diário, Augusto avisou que vai “atacar” o crime na região. E apontou: os criminosos são favorecidos pelas rotas de fuga no ABC.

DIÁRIO – Como o senhor começou na polícia? Está no Grande ABC desde quando?
OTACÍLIO AUGUSTO – Comecei como Guarda Civil. Vim para o Grande ABC em definitivo no dia 13 de janeiro de 2003, mas sempre trabalhei por aqui, principalmente na época dos roubos de carga, em 1984. Mas depois disso Santo André mudou muito.

DIÁRIO – O que mudou no crime desde que o sr. era garoto, quando entrou para a polícia e nos dias de hoje?
AUGUSTO – Tudo. É a conseqüência do desenvolvimento. Quando entrei para a Guarda Civil, na década de 60, não se ouvia falar em seqüestros. Nós ouvíamos falar em maconha. A polícia corria atrás da droga. No Carnaval, combatia o lança-perfume. Minha primeira grande prisão foi de ladrões de gado. Foi uma 'cana' linda. Hoje, os ladrões têm armamento mais pesados do que a polícia, nos enfrentam com metralhadoras.

DIÁRIO – O que é mais urgente se combater na região?
AUGUSTO – O furto de carros e os homicídios. Têm crescido muito porque as rotas de fuga favorecem. A região está ilhada por favelas. O carro roubado aqui é desmanchado em São Paulo antes de a polícia de lá começar a investigar. Fazem o trabalho no tempo em que trocamos informações, e nós somos a polícia, que age diante do fato acontecido. O maior problema é lá no alto, na divisa do Jardim Elba. Lá os canais são outros. Aí fica difícil para nós e para a PM, porque até que se venha a fazer o Boletim de Ocorrência na delegacia, o carro já está sendo desmanchado em São Paulo. O problema do Grande ABC é que há muitas divisas. Favela ao lado de bairro bom.

DIÁRIO – As divisas serão os primeiros alvos de atuação na sua gestão?
AUGUSTO – Sem dúvida. Já começamos a atuar com base nas estatísticas. O problema é a dificuldade de conseguir informação e a falta de recursos humanos. Temos quatro equipes com três homens cada, quando, para conseguir fazer um trabalho mais eficaz, precisaríamos de dez só em Santo André. É por isso que o policiamento preventivo da PM é importante.

DIÁRIO – O problema em conseguir informações para elucidar os crimes é por conta do controle que as quadrilhas têm dentro das favelas?
AUGUSTO – Sim. Quem podia nos abastecer sente-se protegido pelos criminosos. Afinal são eles que socorrem os filhos, custeiam remédios, entre outras coisas. Esse tipo de problema é impossível combater. Por isso precisamos reforçar a atuação nas divisas.

DIÁRIO – Haverá um esquema de trabalho conjunto com as demais equipes civis e com a Polícia Militar? E o suporte da nova gestão da Seccional de Santo André?
AUGUSTO – Este esquema de trabalho é essencial. Precisamos trabalhar em conjunto, trocando informações e definindo ações individuais e coletivas. Quanto ao novo seccional (Luiz Alberto Ferreira, que assumiu a Seccional há cerca de 20 dias), trabalhamos juntos no Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado). Ele acaba de chegar na região e está disposto a combater a criminalidade e concluir processos em andamento.

DIÁRIO – Quais são as propostas de trabalho na SIG?
AUGUSTO – Estamos fazendo um croqui do que vamos fazer e com certeza vai dar resultado. Nós estamos mapeando Santo André todinha e suas adjacências. Já localizamos pontos estratégicos para combater a criminalidade. É por isso que aviso que vai ter muita coibição. Só para o combate a homicídio que não tem fórmula. Mas vamos trabalhar com base na modalidade de crime de cada lugar. Mais ou menos já sabemos como eles agem, então vamos pôr isso em prática. A região é muito grande e temos muito a fazer.

DIÁRIO – O Grande ABC é mais difícil do que São Paulo?
AUGUSTO – É mais difícil, pode ter certeza. A localização é o que traz transtorno para a polícia trabalhar e vantagens para os ladrões. Se um ladrão foge pelo Jardim Elba, por exemplo, se entra com um carro pela favela e a polícia o perde, não acha mais. É impossível achar, a não ser que haja 50 homens na ocorrência.

DIÁRIO – Além do Jardim Elba, tem algum outro ponto crítico?
AUGUSTO – Temos a favela Tamarutaca, a Sacadura Cabral. Outros lugares como o Centreville também. Há pontos em que estamos igual ao Rio de Janeiro. O Grande ABC fica numa área côncava, e ao redor só existem favelas. É isso que faz com que os ladrões aproveitem. E os trabalhadores que moram lá preferem ficar quietos. O ladrão esperto, quando a polícia chega na favela e diz que quer falar com determinada pessoa, não dá informação. Ele tenta descobrir quem você é, se de fato você vai querer falar com alguém, se é parente mesmo. Se não for, o policial vai levar um tirinho que não sabe de onde saiu.

DIÁRIO – O sr. está casado desde 1965. Como fez para conseguir conciliar a família com o trabalho na polícia?
AUGUSTO – Ensinando à mulher o que era polícia. Ela estava com dúvida do que estava acontecendo comigo, então me senti no dever de levar a minha mulher para fazer as 'canas' junto comigo. Falei: ‘vamos enfrentar o gado para você ver o que é cana’. Então, um belo dia saímos de casa às duas da manhã para fazer uma 'cana' de maconha na rodovia Castelo Branco. Começamos a esperar a partir daquela hora, mas o caminhão passou já eram 16h30. Ela estava comigo. De lá, fomos para o Deic. Fui dirigindo o caminhão e ela do lado. Na delegacia, toda a burocracia: pega soltura daqui, depoimento de lá. Conclusão: o flagrante começou às 21h. Olhei para ela e falei: ‘tá vendo? Agora começou o flagrante e exige minha presença. Que horas acaba? Não sei. Agora, onde você comeu, onde você bebeu? Lugar nenhum, igual a mim. Isso é ser polícia’.




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