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‘Nosso principal objetivo é ajudar os refugiados’

O que para muitos seria lixo, Edson e voluntários lapidam e transformam em luxo para reinserir famílias de refugiados em um novo país e traçar, assim, uma nova página da história, dando dignidade, amor, carinho e solidariedade

Luana Mello
do Diário do Grande ABC
15/05/2023 | 09:28
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Divulgação

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A trajetória da Aprisco (Associação de Presbiterianos para Inclusão Social Comunitária) de Rio Grande da Serra não foi planejada, mas tudo o que existe é resultado da história que Edson Carvalho e família têm construído dia após dia. Tudo é ressignificado, mostrando o valor das coisas e, principalmente, das pessoas. O que para muitos seria lixo, Edson e voluntários lapidam e transformam em luxo para reinserir famílias de refugiados em um novo país e traçar, assim, uma nova página da história, dando dignidade, amor, carinho e solidariedade. Palavras que para os refugiados tomaram rumo e significado totalmente diferentes.

A Aprisco recebe algum apoio do poder púbico?

Eles apenas liberam a pista de skate para o projeto Skatescola.

Atualmente quantos alunos existem no projeto Skatescola?

Temos atualmente 120 alunos no projeto, entre crianças e adolescentes. E uma dessas alunas é campeã brasileira, fruto do nosso trabalho.

Existe algum plano de expandir a Aprisco?

Sim, precisamos construir acomodações adequadas para os refugiados, o que é um grande desafio.

Quando começou o projeto? E por qual motivo?

Minha familia estava procurando uma região mais saudável para morar, principalmente porque minha mãe tem bronquite asmática,Meus pais viram diversos locais, e foi então que compraram este terreno, onde era a sede da antiga fazenda Santa fé. Aqui eles construíram a casa, onde agora está localizada a Aprisco, que foi feita à base de material reaproveitado. Sempre tivemos o sonho de ajudar crianças e adolescentes, e em 2007 um jovem que vimos crescer foi morto por um traficante. Isso mexeu muito comigo e com minha família, e aquilo ficou na minha cabeça. Decidimos então começar um trabalho com crianças para dar oportunidade a elas, e evitar que seguissem o mesmo caminho triste que aquele adolescente, além de auxiliar outros jovens que sofreram algum abuso ou distúrbio, como dislexia e deficit de atenção, entre outros. Foi então que o nosso projeto se iniciou.

Existe mais algum projeto para as crianças, além do Skatescola, na Aprisco ?

Além do Skatescola, temos o Primeiros Acordes, que é um projeto de banda e orquestra. Temos também, no Guarujá, cerca de 400 jovens que cursam jiu jitsu, futebol e muay thai.

Qual a principal fonte de renda da ONG atualmente?

Principalmente doações. Todo o nosso trabalho é feito por voluntários, as únicas exceções são os professores do Skatescola e do Primeiros Acordes, que são contratados, mas fazemos o pagamento deles com as contribuições que recebemos.

Quantos refugiados a Aprisco atende?

Passaram pela Aprisco inúmeros refugiados sírios e afegãos, e hoje auxiliamos 32 refugiados.

Quais os serviços sociais que a ONG oferece aos refugiados?

Fazemos diversos serviços sociais, voltados para que essas pessoas possam se integrar à nossa sociedade, como regularização de documentos, fundamentação do refúgio junto à PF (Polícia Federal), Renda Brasil, atendimentos odontológico e médico. Além disso, oferecemos medicamentos, roupas, material de higiene pessoal, alimentação, aulas de português e recolocação profissional, tudo isso para melhorar a qualidade de vida de cada um. No nosso espaço temos também um teatro, igreja, dois alojamentos, marcenaria, casa de cursos e também um enorme jardim, com o objetivo de ter ainda mais a interação de todos os visitantes.

Qual o prazo que as famílias podem permanecer na Aprisco?

Cerca de um ano, período no qual tem todo o trabalho de reintegração, triagem de cursos, auxílio, recolocação profissional, auxílio médico e odontológico, como foi citado. Depois desse prazo, o refugiado vai para alguma igreja ou unidade do Rotary Club, que tem melhor estrutura para dar continuidade em todo suporte para as famílias de refugiados.

A ONG oferece algum tipo de capacitação para que os refugiados consigam seu próprio sustento quando saem da Aprisco?

Damos todo suporte e apoio para que os refugiados consigam ter o acesso à revalidação de diploma escolar, encontrar uma casa de aluguel e encaminhar para integração no sistema produtivo.

Como as crianças recebidas pela ONG têm acesso à educação?

Temos o suporte das escolas públicas, que fazem um excelente trabalho no acolhimento, a instituição acadêmica, e os professores se empenham em oferecer o melhor para todas as crianças. Daí faço um agradecimento às escolas Carlos Roberto Guariento e Francisco Lourenço de Melo.

Quais festividades culturais vocês fazem dentro da ONG ?

Temos diversas, como festival de inverno, feira de Natal, aulas de teatro e piano. Além de oferecer passeios a museus, como Masp (Museu de Arte de São Paulo), da Língua Portuguesa e Catavento, entre outros…

A Aprisco fez campanha para arrecadar fundos para construir um poço artesiano. Por qual motivo?

Tínhamos um sério problema com os poços caipiras, pois tinha muita contaminação. Então resolvemos perfurar um semiartesiano, ofertado pela UPH (União Presbiteriana de Homens), para melhorar a qualidade de vida aqui na Aprisco.

Qual a maior dificuldade que a entidade enfrenta?

Sem dúvida a maior dificuldade são os custos básicos, se assim podemos dizer: alimentação, luz, gás, deslocamentos, higiene pessoal e material de limpeza.

Quais são os principais desafios que um refugiado passa aqui no Grande ABC/Brasil?

Existem muitos problemas que um refugiado enfrenta no Brasil, o que inclui o Grande ABC, e os principais são os mesmos que os brasileiros vivem: falta de emprego, saúde e moradia, fora as barreiras cultural e linguística.

Quais tipos de doações a entidade mais precisa?

Material de consumo, como proteínas (mistura) e, principalmente, leite, ovos, frutas etc. Enfim, produtos para alimentação.

Qual o maior auxílio que a Prefeitura deu à ONG?

A Prefeitura não deu nenhuma oportunidade ou auxílio para nós até agora, infelizmente.

Qual é a mensagem que o senhor deixaria para o Grande ABC sobre a Aprisco e sobre os refugiados?

Uma coisa que chama atenção é que ouvimos sempre que não existe povo mais acolhedor que o brasileiro. Os refugiados ficam comovidos com a solidariedade demonstrada pelo nosso povo. Alguns seguiram para a Guiana Francesa, Estados Unidos e Canadá, mas todos mantêm contato conosco e são unânimes em afirmar que nosso povo não tem igual, e a palavra “saudade” passa a fazer parte da vida deles, palavra que aprendem aqui e vão levar pela vida toda. Então, que o brasileiro não perca a oportunidade de colocar em prática, todos os dias, empatia e solidariedade, e assim contribuir para um mundo melhor. Nossas portas sempre estarão abertas, seja para pessoas que precisam de algum auxílio, seja para os voluntários, para alguém que quer tomar um café e conhecer nossa história. Todos são bem-vindos.

Tem algum outro projeto da Aprisco no Brasil ou no mundo? 

Em 2021, doamos cerca de 18 toneladas de remédios para Estados do Brasil, como Manaus, Acre, Rondônia. Ajudamos os índios no Centro-Oeste, atendemos as divisas do Paraguai e fazemos o contato com outras pessoas para nos auxiliar nessa trajetória e poder dar continuidade nesse trabalho,principalmente aos Estados do Norte e Nordeste.

A pandemia afetou o mundo todo. Quanto a paralisação em razão da Covid-19 afetou o projeto da ONG?

Viajávamos para África, Haiti, alguns países da América do Sul, e, por conta da pandemia, tivemos muitas dificuldades de dar continuidade a esse trabalho, por causa de visto. Mas estamos tentando voltar a fazer nossos trabalhos fora, porque tem muitas famílias na África, por exemplo, que não têm absolutamente nada. Existe um trabalho antes, durante e depois, com todas as pessoas que vão para esses trabalhos, de tão impactante que é. A pobreza que há nesses lugares não existe no nosso País, é uma pobreza extrema.

Como o senhor enxerga a Aprisco?

Vejo como uma criança, que temos que cuidar, trocar fralda, pois o tempo todo estão ali as necessidades dela. A entidade cresceu, virou adolescente, e tem que andar sozinha, mas precisa de pessoas que pensem nela, que cuidem dela, estejam ali por ela, que está aprendendo coisas novas, assumindo novos desafios. Meu maior sonho é que a Aprisco crie autonomia e consiga dar os próprios passos. A humanidade está cheia de questões que precisam ser cuidadas de perto. E ter um maior suporte para auxiliar a Aprisco seria um presente.




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