Documentos mostram escalada dos registros entre 2018 e 2022; especialistas discutem nova política para armas
ouça este conteúdo
|
readme
|
Atualizada às 11h17
Cresceu exponencialmente o número de certificados concedidos a CACs (Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores) no Brasil em quatro anos. Em 2018, apenas no Estado de São Paulo, 11.973 documentos foram emitidos ante 73.313 em 2022 – valor seis vezes maior, com aumento de 512%.
No País, a ascensão registra alta de 595%, passando de 47.361 para 329.459 no mesmo período. Os dados foram obtidos pelo Diário junto ao Exército Brasileiro, via Lei de Acesso à Informação.
A concessão de certificado de registro é feita para pessoas físicas com interesse em colecionar armas de fogo, tiro desportivo e caça. Desde 2019, a política redirecionada ao grupo foi flexibilizada por meio de decretos publicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), com itens como: aumento no limite de munições e quantidade de armas por pessoa; autorização para transporte de casa até o clube de tiros (porte de trânsito); livre importação, e ampliação na validade do certificado. Atualmente, existem 190.615 registros ativos para CAC em São Paulo e 804.012 no Brasil.
Conforme explica Adib Abdouni, advogado criminalista e constitucionalista, em janeiro deste ano, o atual governo federal, por intermédio de decreto, suspendeu – até que se dê nova redação aos antigos decretos – os registros para a aquisição e transferência de armas e de munições de uso restrito, além de restringir os quantitativos permitidos. Foi suspensa também a concessão de novos registros para clubes, escolas de tiros e certificados para CACs.
Na visão de Roberto Uchoa, membro do conselho do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), o novo dispositivo é positivo, já que proíbe a principal preocupação na segurança pública em relação aos CACs: o porte em trânsito. “O que observamos nos últimos anos foi um mercado em completa ebulição. É um número enorme de pessoas que se tornaram CACs e isso foi acompanhado pelo aumento no número de armas em circulação”, afirma o especialista.
O membro do FBSP avalia que a movimentação deste mercado pode afetar a segurança pública como um todo, “seja na alimentação de mercados ilegais, por meio de desvios na compra de armas legais, mortes circunstanciais, e também com ocorrências de acidentes”.
No mercado há 31 anos, Clóvis Aguiar, 58, discorda. Proprietário da ISA, loja de armas e clube de tiro em São Caetano, o empresário pontua que os 804 mil CACs ativos no País representam um baixo número comparado a população total do Brasil – 213,3 milhões de habitantes, segundo estimativa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2021 –, além de afirmar que mais da metade destes não possuem arma de fogo, e dão entrada no certificado de CAC apenas para conhecer o esporte. “Do mesmo jeito que as pessoas vão ao boliche, ou fumar narguilé, outras vêm aqui atirar. Houve marketing muito pesado, que parece que agora qualquer um pode comprar arma”, afirma Clóvis.
O empresário destaca as diferenças entre o tiro esportivo e o armamento para uso pessoal. Quando a obtenção da arma é realizada para defesa (posse ou porte em para residência e comércio), o cidadão deve fazer o registro junto ao Sinarm (Sistema Nacional de Armas), da Polícia Federal, que avalia cada caso individualmente.
O proprietário da loja ressalta a quantidade de documentos necessários para se tornar CAC, como psicológicos, técnicos e de renda, além da visita do Exército Brasileiro ao interessado.
Com 200% no aumento das vendas entre 2019 e 2021, em 2023 Clóvis não chegou a vender 20% dos índices do último ano, e aguarda novo decreto voltado para os atiradores esportivos, classe que defende. Em declaração neste mês, o ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que a conclusão do atual recadastramento de armas – iniciado em fevereiro com fim previsto para maio – abrirá espaço para apresentação de um novo decreto, com regras sobre aquisição, obtenção de posse ou porte e funcionamento de clubes de tiro.
A partir de agora, todas as informações sobre armamento civil – incluindo CACs – serão concentradas no Sinarm.
Especialista diz que desejo por armas tem relação com status
O desejo pela arma de fogo como item de defesa pessoal, na visão psicológica, traz uma conotação muito maior do que apenas garantir segurança. Para a psicanalista Andréa Ladislau, o objeto ou o porte dele, está, inconscientemente, relacionado ao poder, potência e empoderamento. Para a especialista, a sociedade, de forma geral, considera a arma de fogo como uma ferramenta que inspira virilidade e validação.
“Em uma sociedade em que muitos acreditam que só se vence, ou consegue algo, quem é forte e potente, naturalmente, a arma de fogo torna-se um objeto de desejo para alcançar esse status: poder de controle, dono da razão e da verdade”, afirma Andréa, que também é membro da Academia Fluminense de Letras.
A psicanalista avalia que as redes sociais podem ter interferência nisso, pois provocam e atiçam a necessidade do ser humano em estar sempre em uma vitrine, evidenciando e expondo suas melhores potencialidades. Além disso, as mídias sociais, de alguma forma, trazem a falsa ilusão de que tudo é possível e permitido. Andréa destaca, porém, que é muito mais comum isso acontecer se a pessoa não estiver em condições normais de equilíbrio mental. “Se algo está desajustado, seja em seu comportamento ou em suas emoções reais, certamente a ilusão das redes sociais pode enganar”, finaliza.
Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.